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O Interacionismo Sociodiscursivo – ISD, é constituído por diversas contribuições teóricas, incorporando-se dados de autores dos mais variados campos científicos como a linguística, filosofia, psicologia, antropologia, dentre outros. O Interacionismo Sociodiscursivo é, portanto, resultado das discussões procedentes do Interacionismo Social (VIGOTSKI, 1988, 2008, 2010; BAKHTIN, 2011), em que se defende uma abordagem socio- histórica da linguagem e que Bronckart (2008, 2012), ao revisitar esse e outros autores, busca desenvolvê-la.

A vertente do ISD possui um conjunto de proposições teórico-metodológicas dirigidas ao desenvolvimento do comportamento humano, a partir de suas relações com o meio social, caracterizadas, principalmente, pelo uso da linguagem, enquanto instrumento de atuação/intervenção na sociedade.

Em relação à questão do meio social, Vigotski (1988, p. 25), afirma que “o homem não é apenas um produto de seu ambiente, é também um agente ativo no processo de criação deste meio”. A partir desse autor, inferimos que o sujeito e o meio em que vive fundem-se em um processo recíproco de trocas. Nesse processo são verificadas tanto a flexibilidade quanto a

plasticidade que esse elemento apresenta no desenvolvimento do pensamento e da linguagem verbal, enquanto criadora e reguladora das ações nesse meio.

Podemos compreender que as ações de intervenção no meio social educativo estão ligadas ao agir linguageiro e suas manifestações sociais e coletivas, pois “é o agir socializado o motor do desenvolvimento humano, porque é por meio dele que se realiza qualquer reencontro entre os indivíduos e o seu meio ambiente”. (BRONCKART, 2008, pp. 64-65).

Os termos agir, ação e atividade desenvolvidos por Leontiev (1988), e retomados por Bronckart (2008, p. 120), indicam que o agir “é qualquer forma de intervenção orientada de um ou de vários seres humanos no mundo”. Quando essa atuação é produto do contexto de trabalho, ela divide-se em tarefas, sendo que uma operação seria, então, o meio e os modos pelos quais uma tarefa é feita, o que envolveria os estilos individuais e coletivos de se fazer. (LEONTIEV, 1988). No desenvolvimento dessas tarefas são identificados atos e gestos que contribuiriam para o processo de interpretação do agir.

Já a atividade, “é uma leitura do agir que envolve dimensões motivacionais e intencionais mobilizadas no nível coletivo, enquanto que ação designa uma leitura do agir que envolve essas mesmas dimensões mobilizadas no nível das pessoas em particular”. (BRONCKART, 2008, pp. 120-121).

As ações se distinguem dos simples acontecimentos, sendo que ao agir ou intervir no mundo, o agente mobiliza recursos mentais e comportamentais ligados a um poder-fazer ativado por motivos/razões que determinariam formas de agir. Assim, as intenções determinariam o resultado ou consequências desse agir, o que traria ao sujeito um senso de responsabilidade originado desse agir/intervir no mundo. (BRONCKART, 2008).

Uma das distinções entre ação e acontecimento, é que, as ações seriam estimuladas pelas representações organizadas a partir de um esquema formado pelos mundos objetivo, social e subjetivo. Sendo que o primeiro estaria ligado aos conhecimentos dos elementos do mundo físico e material, isto é, dos objetos; o segundo estaria relacionado às regras, escala de valores, etc., e teria como objetivo regular as tarefas, atividades coletivas etc., buscando a cooperação e a organização dos sujeitos envolvidos. Já o terceiro estaria relacionado ao psiquismo humano e as representações que as pessoas possuem sobre si mesmas, sobre os outros e o mundo a sua volta. (HABERMAS, 1987 apud MUNIZ-OLIVEIRA, 2015).

Tais conhecimentos contribuiriam para orientar as condutas humanas, promovendo formas de controle e avaliação que determinariam a qualidade dessas intervenções. De acordo com essa teoria, as formas de agir pressupõem diferentes dimensões que, a depender da complexidade, podem assumir caráter estratégico, regulado ou dramatúrgico. O agir

estratégico requer conhecimento, visto envolver situações em que figuram outros actantes que também tomam parte no processo, exigindo um conjunto de medidas que venham garantir sua execução. Para garantir a eficácia desses processos recorre-se às regras e valores sociais como forma de adesão e colaboração desses outros. Além do agir regulado ou regido por normas, há também, o agir subjetivo voltado para a subjetividade do sujeito - suas formas de agir baseadas em quem ele é ou pensa ser, e a realidade objetiva. (HABERMAS, 1987 apud MUNIZ-OLIVEIRA, 2015).

No entanto, seria através do agir linguageiro que todas essas formas de agir se concretizariam, visto estar na linguagem à ação reguladora de toda e qualquer atividade humana. Esse agir estaria organizado a partir dos textos ou discursos originados na interação com o meio, sendo, portanto, concretizados a partir dos gêneros de texto. Esses textos organizados em gêneros é que dariam as condições para avaliar e interpretar o agir humano, pois ao retomar Habermas (1987), Bronckart (2008, p. 27) entende que, “é na prática dos signos organizados em textos que se constroem os mundos representados”.

Em relação com esses mundos, tem-se o mundo vivido, constituído pelo modo de ser do agente, bem como das experiências e conhecimentos acumulados durante a vida e que determinariam sua forma de agir. Entretanto, essa maneira própria de agir estaria em oposição com as estruturas formais impostas pelo ambiente, forçando-o, a, constantemente, desenvolver atividades de regulação que teriam como propósito “harmonizar” essas forças. (HABERMAS, 1987 apud MUNIZ-OLIVEIRA, 2015).

A ação de linguagem proposta por Bronckart (2012), está intimamente ligada a esses mundos, uma vez que o sujeito age segundo conhecimentos provenientes de representações pessoais e coletivas geradas a partir deles. Os mundos coletivo-discursivos são, portanto, organizados a partir de um ambiente comum e/ou coletivo determinado por instâncias de enunciação que, além de servirem de apoio e/ou sustentação aos discursos proferidos por um falante, estabelecem regras ao seu funcionamento. (BRONCKART, 2012).

Além disso, há outros aspectos importantes e que auxiliam na interpretação dos textos, como as condições de produção, a situação em que são produzidos, bem como o conteúdo temático, visto que, haveria uma relação entre o que é dito (verbalizado) e o contexto de produção. Segundo Bronckart (2012, p. 93), “o contexto de produção pode ser definido como o conjunto dos parâmetros que podem exercer uma influência sobre a forma como um texto é organizado”. Os modos de organização dos textos são definidos por uma série de fatores que exercem influência sobre a vida do sujeito, como por exemplo, o contexto físico, que diz respeito ao lugar e momento de produção, bem como do emissor e receptor envolvidos. Em se

tratando de uma produção oral, ambos estão presentes a um mesmo local e tempo determinado, o que favoreceria uma interação face a face. (BRONCKART, 2012).

Ainda de acordo com Bronchart (2012), sendo a produção de um texto proveniente de um ambiente social, sofre influências de normas, valores, regras de conduta, etc, que regulam o que e como algo pode ser dito ou feito. A forma de dizer/agir estaria ligada à subjetividade do sujeito que ao agir deixa vestígios que indicam quem ele é ou pensa ser.

Segundo o autor, a subjetividade do sujeito estaria ligada a um lugar social estabelecido por uma determinada formação social. Nesse caso, uma produção gerada em uma escola ou em uma reunião familiar, comercial, etc, demandaria um enunciador e um destinatário com atribuições e objetivos específicos.

Na seção seguinte, pretendemos, em linhas gerais, expor um estudo sobre as formas de organização das conversações, em especial, dos tópicos conversacionais.

1.3.1 CONVERSAÇÃO E CONTEÚDO TEMÁTICO

De acordo com Koch (2015, p. 80), “a conversação organiza-se em turnos, que consistem em cada intervenção de um dos participantes no decorrer da interação”. Há pelo menos duas categorias que balizam as interações: as interações simétricas, estas são conversações do dia a dia e, portanto, são menos formais, mas ainda assim, são estabelecidos alguns limites para que os falantes possam comunicar-se satisfatoriamente. Já as interações assimétricas dizem respeito à ocasiões formais como uma entrevista, uma palestra, etc, orientadas por uma pessoa em particular, que “detém o poder da palavra e a distribui de acordo com a sua vontade”. (KOCH, 2015, p. 80).

Nesses casos, há uma prevalência de regras estabelecidas e que devem ser obedecidas para que a comunicação seja bem sucedida. Porém, “transgressões” são passíveis de ocorrer durante uma interação, como por exemplo, quando um dos falantes interrompe o outro ao “tomar o turno fora do momento adequado”. (KOCH, 2015, p. 80). De acordo com a autora, a ocorrência desses casos é chamada de “assalto ao turno”, resultando em uma “sobreposição de vozes”, visto que os sujeitos intentariam falar ao mesmo tempo e a quebra dessa regra poderia resultar em problemas, caso não se buscasse uma negociação.

Portanto, a organização dos turnos de fala baseia-se na alternância entre os falantes, que ao não observarem as regras, seriam, até certo ponto, tolerados, pois ao perceberem uma falha na comunicação buscariam de imediato, negociar a concessão do turno de fala promovendo ajustes para que a interação prosseguisse. No entanto, quebrar uma regra

estabelecida por uma determinada interação verbal (oral ou escrita) pode ter consequências danosas para os envolvidos acarretando em ofensas e mal-entendidos difíceis de contornar. Isso porque, “uma conversação é um tipo de “texto” produzido coletivamente, no qual todos os fios devem de certo modo se enlaçar – sendo que a falta de seu enlace torna a conversação, como se costuma dizer, ‘descosturada”. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006, p. 53).

Um texto é, portanto, constituído de um conteúdo temático, “definido como o conjunto das informações que nele são explicitamente apresentadas , isto é, que são traduzidas no texto pelas unidades declarativas da língua natural utilizada”. (BRONCKART, 2012, p. 97). Desse modo, as informações contidas em um tópico conversacional dizem respeito às representações e/ou conhecimentos que um determinado sujeito teria sobre os assuntos em questão. De acordo com Bronckart (2012, p. 98), esses conhecimentos denotariam um “nível de desenvolvimento do agente e que estão estocados e organizados em sua memória, previamente, antes do desencadear da ação de linguagem.”

Ao ser mobilizada, uma ação de linguagem colocaria à prova os conhecimentos prévios organizando-os em “planos de texto e as sequências que organizam o conteúdo temático”. (BRONCKART, 2012, p. 98). Sendo assim, ao empreender uma ação de linguagem, o sujeito toma como base o contexto de produção e o conteúdo temático que lhe são próprios. Pois a representação de uma ação de linguagem é determinada por uma escala de valores atribuída pelo sujeito e mobilizada no conteúdo temático.

O conteúdo temático, seria, dentre outras coisas, dividido em tópicos, já que “na linguagem comum, tópico é, portanto, aquilo sobre o que se fala.” (KOCH, 2015, p. 81). No entanto, o conteúdo temático estabelece divisões em vários níveis, conforme explica a autora:

[...] podemos denominar os fragmentos de nível mais baixo de segmentos tópicos; um conjunto de segmentos formará um subtópico; diversos subtópicos constituirão um quadro tópico; havendo ainda um tópico superior que englobe vários tópicos, ter-se-á um supertópico. (KOCH, 2015, p. 82).

Como é possivel verificar, seria necessário um estudo mais aprofundado sobre o tema, mas não é nosso objetivo aqui. Ao abordarmos o conteúdo temático, temos como propósito investigar os assuntos de que falam os sujeitos de pesquisa ao tratar de suas atividades em sala.

A seguir, apresentamos o conjunto de elementos, leia-se unidades, que abrangem o trabalho educacional, seguindo Machado (2009), em que a autora parte de uma perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo vinculada também aos estudos da Ergonomia da Atividade e Clínica da Atividade.