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172 est toujours moins interessant que ce qui se passe

derrière une vitre”.293

Uma janela que, em uma das galáxias jogadas ao léu pelo cosmo – jogadas no azul mallarmaico –, é uma espécie de buraco negro, de abismo. E tal abismo é vislumbrado pelo espectador com voyeurismo aguçado – Murilo e, como bem lembra Antelo, Baudelaire – nos traços de Pascal:

Pascal em si tinha um abismo se movendo. – Ai, tudo é abismo! – sonho, ação, desejo intenso,

Palavra! E sobre mim, num calafrio, eu penso Sentir do Medo o vento às vezes se estendendo. Em volta, no alto, embaixo, a profundeza, o denso Silêncio, a tumba, o espaço cativande e horrendo...

Em minhas noites, Deus, o sábio dedo erguendo, Desenha um pesadelo multiforme e imenso. Tenho medo do sono, o túnel que me esconde, Cheio de vago horror, levando não sei aonde; Do infinito, à janela, eu gozo os cruéis prazeres, E meu espírito, ébrio afeito ao desvario, Ao nada inveja a insensibilidade e o frio. – Ah, não sair jamais dos Números e Seres!294

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ANTELO, Raúl. A Abstração do Objeto. In.: PROCÓPIO RIBEIRO, Gilvan; PINHO NEVES; José Alberto. [orgs.] Murilo Mendes: o visionário. Juiz de Fora: EDUFJF, 1997. p. 32.

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BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal... p. 472. “Pascal avait son gouffre, avec lui se mouvant./ - Hélas! tout est abîme, - action, désir, revê,/ Parole! et sur mon poil qui tout droit se relève/ Maintes fois de la Peur je sens passer le vent.// En haut, en bas, partout, la profondeur, la grève,/ Le silence, l’espace affreux et captivant.../ Sur le fond de mes nuits Dieu de son doigt savant/ Dessine un cauchemar multiforme et san treve.// J’ai peur du sommeil comme on a peur d’un grand trou,/ Tout plein de vague horreur, menant on ne sait ou;/ Je ne vois qu’infini par toutes les fenêtres,// Et mon esprit, toujours du vertige hanté,/ Jalouse du néant l’insensibilité./ - Ah! Ne jamais sortir des Nombres et des Êtres!” E, muito símile à postura de Pasolini – que em relação ao vazio das palavras vislumbra, estupefato, agônico, seu abismo –, também a posição de Murilo diante do mundo – cujos significantes estão esvaziados de sentido, o que gera a agonia no poeta – é a de quem sente o abismo. Em ambos, Baudelaire se faz presença relevante e ponto de contato; e, nessa tríade (Murilo,

Toda essa caosmologia melancólica muriliana de fim de vida já muito antes assombrava o enigma do mundo (seu mundo enigma bem como o pânico de poetar) do poeta, que flertava em muito com o surrealismo de padrões vanguardistas mas que mantinha em sua poesia algo de surrealista para além da vanguarda.295 Já na década de 30,

Pasolini e Baudelaire), é Pascal a dar os tons tanto de “alegria” (basta lembrar a epígrafe e glosa de Pasolini no Não Creio do Rouxinol da Igreja Católica) quanto na “agonia”que, como lembra Murilo no retrato-relâmpago de Pascal, é o fundamento do tempo do homem. Cf. MENDES, Murilo. Retratos- Relâmpago... p. 1276. “Descobre aos doze anos por intuição os princípios fundamentais da geometria de Euclides. Pensa triângulos, retângulos, quadrados, esferas. Eis o assistente dos números, o seguidor das sereias- matemáticas: vindo do infinito seu canto consome-se no finito. Inventa o jogo da roleta e a máquina de calcular. Até que dilacerado abandona as matemáticas; através das Escrituras aperfeiçoa a análise da condição humana. Condena-se aos trabalhos forçados do pensamento. Sabe que o tempo do homem funda-se sobre “inconstante, ennui, inquiétude”.”

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Joana Matos Frias bem analisa essa composição surrealista da poesia muriliana. Cf. FRIAS, Joana M. O “Surrealismo Lúcido” de Murilo Mendes. In.: REMATE DE MALES. Departamento de Teoria Literária IEL/UNICAMP, n° 21 (2001). Campinas, 2002. pp. 65-66. “Na estrutura tipológica da obra de Murilo Mendes, há um formante nuclear de estirpe barroca ou maneirista, largamente assinalado ao longo dos tempos por muitos críticos, que regula o impulso de transformação permanente (...). Este formante nevrálgico é o maior responsável pela poética da metamorfose que Murilo sempre defendeu, e que ditou em definitivo a progressão turbulenta da sua espessa rede de sons e de sentidos. Mas foi também o passo crucial para a fundação de uma lógica dialética que sempre visou anular distinções dualistas de qualquer espécie, a fim de instituir uma realidade poética cimentada na coabitação dos opostos. Por isso não é de espantar que seja justamente a partir do contacto aprofundado com os artistas barrocos do século XVII, sobretudo no campo da pintura, que Murilo tenha acedido a um universo em constante expansão que desde muito cedo designou como surrealista. (...) Ora estas considerações, testemunho explítico de uma visão sistemática da história da arte e da cultura, vêm exibir uma matriz estética que supera o tempo cronológico para instituir um tempo qualitativo fundado no movimento e na metamorfose. (...) na poesia de Murilo Mendes, o Surrealismo não é, porque nunca foi, uma moda histórica a que o poeta tenha aderido por razões circunstanciais, mas sim o lugar onde se cruzam uma série de vectores permanentes, trans-temporais, que formam a estrutura profunda da sua obra e da sua poética.” Com algumas variações, a autora trabalha o mesmo tema no seu livro sobre o poeta. Cf. FRIAS, Joana Matos. O Erro de Hamlet. Poesia e dialética em Murilo Mendes. Rio de Janeiro: 7 Letras; Juiz de Fora: Centro de Estudos Murilo Mendes – UFJF,

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