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134 Toda a estruturação da teoria agambeniana é, portanto,

perpassada pela ideia de Lévi-Strauss: tanto a esfera da soberania quanto a do sacer, mais do que justificáveis por parâmetros que nelas constatem uma ambiguidade constitutiva incapaz de explicá-las (como mitologemas), são compostas de significantes que excedem as possibilidades de significados.

E, a partir dessa leitura, portanto, é possível transpor a medida gnoseológica implícita nos desenvolvimentos da teoria de Lévi-Strauss, para suas implicações éticas. Ou seja, seguindo a leitura de Agamben, pode-se dizer que a inadequação fundamental entre significante e significado é também, e sobretudo, de caráter ético – fato esse que leva toda a interpretação do sacer para além de um problema de sua condição ambígua, mas para mais próximo daquilo que move os sujeitos em suas ações, e que, nesta tese, é proposto como o agir poético de Murilo Mendes e Pier Paolo Pasolini. O problema da veracidade da palavra, a garantia de ligação entre os nomes e as coisas, entre os agentes e suas ações,193 reflete-se em ambos de modo a fazer com que suas posturas poéticas balizem-se pelo jogo da agonia alegre, isto é, da impossibilidade efetiva de uma verdade ética senão no modo como se colocam em jogo na linguagem – numa exposição às dúvidas e às intempéries do mundo que lhes cercava.

Assim, toda a proposta pasoliniana de um novo mito para o presente, suas declarações polêmicas sobre a mitologia presente nos realistas e de realismo na sua postura mitológica, suas releituras dos clássicos como meio de expor – e nisso implicada sua concepção de montagem – uma arqueologia como meio de acesso ao presente (antecipando em muito o que um de seus apóstolos iria assumir como

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Cf. AGAMBEN, Giorgio. Il Sacramento del Linguaggio. Archeologia del giuramento. Roma-Bari: Laterza, 2008. pp. 94-95. “Qualcosa come una lingua umana ha potuto, infatti, prodursi solo nel momento in cui il vivente, che si è trovato cooriginariamente esposto tanto alla possibilità della verità che a quella della menzogna, si è impegnato a rispondere con la sua vita delle sue parole, a testimoniare in prima persona per esse. E come il mana esprime, secondo Lévi-Strauss, l’inadeguatezza fondamentale fra significante e significato, che costituisce ‘la servitù di ogni pensiero finito’, cosi il giuramento esprime l’esigenza, per l’animale parlante in ogni senso decisiva, di mettere in gioco nel linguaggio la sua natura e di legare insieme in un nesso etico e politico le parole, le cose e le azioni. Solo per questo qualcosa come una storia, distinta dalla natura e, tuttavia, a essa inseparabilmente intrecciata, ha potuto prodursi.”

tarefa e ação política194), suas poesias que cantavam um lugar outro à cooptação da ideologia consumista que via nascer e, sobretudo, suas denúncias de uma mutação antropológica negativa, marcam seu discurso – e seu agir – com a insígnia desse contato com um sagrado fundamental, que, aqui, é lido como a medida de contato que o poeta tem com a linguagem.195 E tal relação é da mesma ordem em Murilo

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A referência é a Giorgio Agamben – que interpreta o apóstolo Filipe em O Evangelho Segundo Mateus – e a suas recentes pesquisas. De modo especial, é possível apontar sua última intervenção pública na rádio Rai 3, no último dia 25 de janeiro de 2012. Cf. AGAMBEN, Giorgio. O Futuro segundo Giorgio Agamben In.: http://flanagens.blogspot.com.br/2012/01/o-futuro-segundo- giorgio-agamben.html (transliteração e trad.: Vinícius Nicastro Honesko)

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Carla Benedetti, em um estudo já considerado clássico no que diz respeito aos estudos pasolinianos – Cf.: BENEDETTI, Carla. Pasolini contro Calvino. Per una letteratura impura. Torino: Bollati Boringhieri, 1998. pp. 186-187. –, apresenta sua leitura da sacralidade em Pasolini nos seguintes termos: “Il sacro non è qui – come vorrebbero alcuni – un ‘territorio recintato’ da preservare con i suoi temi immutabili (la vita, la morte, il sacrificio umano, il religioso, il trascendente ecc.), o con le sue manifestazioni ‘eterne’: come ad esempio la musica della poesia o il mistero del linguaggio. Il sacro in Pasolini è piuttosto qualcosa che si definisce per posizione, o per funzione. Il sacro altro non è che un punto di vista non conciliabile con il Nuovo Potere, non dominabile dalla razionalità strumentale, non colonizzato dal consumismo, non ‘amministrato’, non ridotto a spettacolo. Perciò esso non è mai dato una volta per tutte. È piuttosto il frutto di una conquistaa: una fessura da scavare, una zona franca da conquistare fuori dello sclerotizzarsi delle ideologie e delle istituzioni, un’apertura al possibile, o meglio all’‘impossibile’ – come direbbe Bataille. Non molto diversamente da un Bataille, Pasolini imbocca la via del sacro come unica via d’uscita da un gioco bloccato (quello della letteratura o quello dell’ideologia) in cui ogni mossa è preclusa. Ma in una maniera assai consonante con la riflessione di Batson, una tale postazione dislocata, eterogenea, che sfugge ai punti di vista dominanti, viene costruita di volta in volta attraverso un paradosso – non attraverso la sacralità del linguaggio o della poesia.” Ao criticar certa ligação do problema da sacralidade com a linguagem, Benedetti – ainda que assuma tal ligação em um primeiro Pasolini, como diz –, no entanto, parece não se dar conta de que a cooptação do Novo Poder – portanto, um problema eminentemente político do sagrado, como quer a autora – é um problema de como o sujeito contemporâneo se coloca em jogo na linguagem e, com isso, em relação aos outros; isto é, o problema é ético e, assim, político. Como se verá, o jogar-se no público – no espaço da linguagem comum – com alegria, a prova dos nove, é a maneira de fazer sagrado (que não é um sacrifício) um mundo diante do mundo esvaziado do tempo da mutação antropológica.

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