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160 seriam outras se se pudesse ultrapassar esse limite

imanente.267

E, de certo modo, as preocupações de senilidade de Murilo são a sensação ainda mais aguda deste algo e ao mesmo tempo nada268 (“tan cerca está del primero cabello como del último”) que é a morte. A agonia em que o poeta entra nos últimos anos está, como se verá, inexoravelmente presente nos textos dos mesmos anos (nos materiais compostos em italiano, Ipotesi, nos fragmentos – tal como o aqui citado – de Conversa Portátil, na segunda série de Retratos-Relâmpago e, até mesmo, em Janelas Verdes – sua ode à, por excelência, terra da Saudade).

A morte que dá forma à vida (ideia que, no mesmo sentido, era desenvolvida Pasolini no seu famoso texto, I Segni Vivente e i Poeti Morti269) é, nestes anos, pressentida por Murilo como uma espécie de absoluto, algo ínsito à vida, capaz mesmo de matar a própria ressurreição: “Se tudo é morte/ haverá também a morte da ressurreição.”270

Numa visão embebida de pessimismo (próximo a Cioran), as Ipotesi de Murilo tratam do tempo e do seu fim: e as imagens dos relógios, da irreverssibilidade, da catástrofe, do caos, são um horizonte no mundo muriliano. Além disso, também as já citadas cartas dos últimos anos de vida são uma marca evidente desse desespero. No trocadilho sobre a paz – marcado pelo hélas!, tão

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SIMMEL, Georg. La Tragédie de la Culture. Paris: Editions Rivages, 1988. Traduit de l´allemand par Sabine Cornille et Philippe Ivernel. pp. 171-172.“De même que nous ne sommes pas encore vraiment là dès l´instant de notre naissance, mais qu´il y a continuellement un petit peu de nous en train de naître, de même nous ne mourons pas uniquement dans notre dernier instant. On voit maintenant clairement la signification de la mort comme créatrice de forme. Elle ne se contente pas de limiter notre vie, c´est-à-dire de lui donner forme à l´heure du trepas, au contraire, elle est pour notre vie um facteur de forme, qui donne coloration à tous sés contenus: em fixant les limites de la vie dans la totalité, la mort exerce d´avance une action sur chacun de ses contenus et de ses instants; la qualité et la forme de chacun d´eux seraient autres s´il pouvait dépasser cette limite immanente.”

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Cf. JESI, Furio. Materiali Mitologici. Mito e antropologia nella cultura mitteleuropea. Org.: Andrea Cavalletti. Torino: Einaudi, 2001. p. 29.

269

Cf. PASOLINI, Pier Paolo. I Segni Vivente e i Poeti Morti. In.: Saggi sulla Letteratura e sull’arte. I. A cura di Walter Siti e Silvia de Laude. Milano: Aranaldo Mondadori, 1999. pp. 1573-1581.

270

Cf. MENDES, Muriolo. Ipotesi. In.: MENDES, Murilo. Poesia Completa e Prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. Org. Luciana Stegano Picchio. p. 1506. “Se tutto è morte/ ci sara anche la morte della rissurrezione.”

utilizado por Murilo nas suas exclamações com algum senso de humour – feito na carta de 05 de maio de 1969, endereçada à irmã, vê-se que o poeta associa a ideia de paz à de Deus colocando ambos fora do mundo, numa aparente impossibilidade. Porém, ainda mais significativo – e, de todo modo, conectado a essa ausência divina no mundo – é a repetição sistemática nas cartas de um significante peculiar: o diabo.

Depois de cada descrição da realidade italiana que o desolava, Murilo, como que a marcar seu desespero neste mundo, lança mão desse significante nada irrisório – diabo, que nos remete à tradição dos anjos decaídos – que, em certo sentido, representa a criatura que carrega nas costas (uma espécie de Sísifo) o peso de ter caído do paraíso por ter se negado a adorar um ser pior e posterior a ele, o homem.271 O apócrifo Vida de Adão e Eva conta que, após terem sido expulsos do Paraíso, Adão e Eva montaram uma cabana onde lamentaram e choraram por sete dias, quando, com fome, saem à busca de alimentos. Não encontrando os que eram acostumados a comer no Paraíso, mas somente comida para animais, colocam-se, Adão no rio Jordão, Eva no rio Tigre, em penitência à espera de misericórdia do senhor. Eva, no entanto, é – à semelhança do ludibrio pela serpente – enganada pelo diabo que a faz interromper a penitência dizendo que Deus já havia ouvido seus lamentos e que, por isso, havia enviado uma legião de anjos para conduzir o casal até o local da comida. Adão, entretanto, quando vê Eva junto ao diabo, reprime-a dizendo ter ela caído novamente em erro. Eva, ao perceber o que havia cometido, pergunta então ao diabo por que

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Cf. COCCIA, Emanuele. Introduzione. Cristianesimo. In.: AGAMBEN, Giorgio; COCCIA, Emanuele. Angeli. Ebraismo, Cristianesimo, Islam. Vicenza: Neri Pozza, 2009. p. 497-498. “Pensare l’angelo, si è già detto, significa pensare la strana ‘necessità’ di una loro colpa immemoriale; porre la loro esistenza divina significa simultanemente presupporre una loro caduta. La caduta è il fatto angelico per definizione: è consustanziale al tipo di potere che incarnano, la gerarchia, ed è quanto li distingue da Dio. Ed è proprio nella caduta che si esprime con più forza la verità della loro esistenza. ‘Ciò che per l’uomo è la morte, questo è la caduta per gli angeli: dopo la caduta per loro non c’è più pentimento, cosi neanche per gli uomini dopo la morte.’ Se l’uomo, como è stato detto, è l’essere-per-la-morte, l’angelo è, nel cosmo, l’essere-per- la-caduta, il dio che può cadere. Cio che separa l’angelo da Dio è la sua capacità di precipitare perfettamente analoga a quella di meritare: il diavolo è la differenza specifica che distingue l’angelo dal resto degli esseri divini. (...) Non si può credere di aver compreso l’angelo senza aver definito lo strano destino del primo di loro, il loro comandante più antico, e le ragioni profonde del fenomeno più caratterizzante dell’intero destino angelico.”

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