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4 NOVAS PERSPECTIVAS PARA OS DIREITOS AUTORAIS E PROPOSTAS DE

4.2 Novas perspectivas para os direitos autorais no século XXI

4.2.1 O interesse público em evidência

Primeiramente, surgiram entre acadêmicos e ativistas relevantes propostas para diminuir o protecionismo exacerbado sobre os direitos autorais. As principais pregam uma diminuição no período de proteção dos direitos autorais, bem como uma ampliação da atual sistemática de uso livre, ainda bastante restrita.

62 Peter Evans (2005) usa uma analogia bastante didática: “Se na Inglaterra do século XVIII e XIX os camponeses foram privados do acesso à terra comum pelos cercamentos, a propriedade intelectual obsta hoje o acesso à cultura e conhecimento comum em um movimento que é chamado de 2º cercamento.”

Como já visto, o tempo de proteção dos direitos autorais se tornou muito prolongado, permitindo que o titular dos direito de autor se beneficie demais da exploração econômica da obra.

Várias são, portanto, as propostas de redução do tempo de proteção a favor do domínio público, exemplifica Smiers e Schijndel (2009, p. 20): “Por exemplo, sugeriu-se vinte anos (Boyle 1996:172), ou cinco, mas extensíveis a máximo de 75 anos (Brown 2003:238), ou de 14 extensíveis apenas uma vez (Economist, 30 Junho 2005)”.

Não obstante a variação numérica, todas essas propostas tem um único fundamento: conferir novamente ao direito de autor o objetivo de proteger e remunerar o criador da obra. Assim, os cálculos têm por base estimativas sobre quanto tempo necessitará o verdadeiro autor da obra para conseguir uma receita razoável. No máximo, incluem certo tempo para a recuperação dos investimentos do produtor.

Também surgiram importantes propostas sobre o uso legítimo das obras sem a incidência dos direitos autorais, com o fito de satisfazer o interesse público sobre as obras culturais.

Nos ordenamentos jurídicos baseados na Commom Law o princípio do fair use serviu de fundamento para uma ampliação das hipóteses de uso livre; enquanto nos países baseados na chamada Civil Law, tal ampliação tem sido sugerida com base em uma flexibilização do instituto da propriedade intelectual.

O fair use (“uso justo”, em português) nasceu como doutrina nos tribunais dos Estados Unidos e foi transformado em norma legal a partir de 1976 (Copyright Act). Trata-se de uma cláusula aberta que permite o uso livre da obra cultural quando destinada a críticas, comentários transmissão de notícias, educação, ensino, pesquisa, dentre outras finalidades, desde que preenchidos os seguintes pressupostos: a) fins não comerciais; b) obra já publicada; c) quantidade e substancialidade razoáveis da obra usada; d) sem ameaça econômica à obra original usada (JENNIGS, 2002, p. 4).

Mesmo sendo antiga a construção jurisprudencial desse instituto, as novas tecnologias e as transformações sociais que implementaram na sociedade têm criado novos paradigmas para o “uso justo”.

Nos países da Commom Law, observa-se que o princípio tem sido usado em diversas batalhas judiciais no intuito de justificar a prática dos usuários de sites de compartilhamento de músicas, fotos, vídeos etc.

No entanto, a aceitação do “uso justo” nestas novas práticas da Rede ainda depende muito do ponto de vista do autor, ou melhor, do titular dos direitos autorais e,

evidentemente, do Judiciário. O titular do direito de autor possui a faculdade de processar o terceiro por violações de direitos, cabendo ao Judiciário, então, dizer se poderá ou não a utilização não autorizada ser considerada caso de fair use (TRIDENTE, 2009, p. 70-71).

A grande vantagem do instituto do fair use, contudo, é o de ser uma cláusula aberta, que, mesmo “codificada”, não estabelece taxativamente os casos em que o uso é permitido. Isto possibilita uma mais rápida atualização do instituto às novas realidades, uma vez que são priorizadas as decisões dos tribunais sobre cada case em concreto.

Nos países da Europa e naqueles de tradição jurídica romana, o uso livre da obra é permitido pelas chamadas exceções ou limitações aos direitos autorais, dispostas na lei, normalmente, em dispositivos numerus clausus (enumeram as hipóteses taxativamente).

Apesar disso, nota-se, nos últimos anos, a existência de tentativas de flexibilizar os direitos autorais por meio de uma abordagem axiológica baseada na dignidade da pessoa humana. A partir de uma desconstrução do instituto da propriedade como absoluta, propõem- se novas limitações aos direitos autorais, em nome de um novo equilíbrio à luz dos direitos fundamentais de acesso ao conhecimento e à cultura.

Gustavo Tepedino (2003, p. 120) ensina que o processo de constitucionalização do direito civil, deflagrado no pós-guerra, gerou três grandes conquistas para o Direito Privado contemporâneo: relativização de conceitos jurídicos antes vistos como neutros e absolutos; superação da dicotomia entre o direito público e o privado; absorção pelo Texto Constitucional de institutos privados (entre eles a propriedade), inserindo-os definitivamente na ordem pública constitucional.

Esse processo gerou uma nova visão sobre o Direito, por vezes chamada de Nova Hermenêutica, outras, de pós-positivismo material, a qual busca dar a maior efetividade possível aos direitos fundamentais, conferindo-lhes teor principial e compatibilizando-os na interpretação e na aplicação ao caso concreto através do método da proporcionalidade ou da ponderação.

Desse modo, a noção de direitos autorais como um direito absoluto e exclusivo do titular tem sido posta em xeque, pois, em última análise, tais direitos são propriedades

intelectuais; e a propriedade, como princípio que é, não pode ser absoluta. Pelo contrário,

deve harmonizar-se com os outros princípios que envolvem o tema: acesso ao conhecimento, à educação e à cultura.

Preconiza-se, hodiernamente, a aplicação do princípio da função social da propriedade, antes aplicado tão-somente à propriedade imobiliária, também à propriedade

intelectual, sendo os limites e as restrições aos direitos autorais dispostos nas leis legítimas expressões desta função social, mas com ela não se confundindo63.

Em verdade, vai-se além disso, ao se defender que os direitos autorais são, como todos os direitos, uma situação de vantagem resultante de um complexo de poderes e deveres que a constituem; e os limites são constitutivos do próprio direito autoral, exatamente nos mesmos termos e com a mesma dignidade das regras atributivas de poderes (ASCENSÃO, 2010, p. 39).

Por este prisma, as atuais limitações aos direitos autorais existentes estão longe de refletir um equilíbrio às atribuições (poderes e deveres) privadas e coletivas, uma vez que ainda são restritas exceções que “só muito relutantemente abrem espaços na absolutidade tendencial do direito de autor” (ASCENSÃO, 2010, p. 40).

Assim, em nome da função social da propriedade intelectual, de um novo equilíbrio entre os interesses privado e coletivo sobre as obras culturais, as propostas de ampliação desses limites aos direitos autorais tem aumentado, mormente após a febre do compartilhamento de obras culturais pela Internet.

Por exemplo, propõe-se a permissão da cópia de todo o exemplar da obra para fins educacionais, ou para uso pessoal (incluindo aqui o download de arquivos da Rede). Também muitas são as sugestões de se incluir entre as hipóteses de limitações uma cláusula aberta, como o fair use, a fim de se conferir uma melhor adaptabilidade à lei para enquadrar casos que seriam impossíveis de listar exaustivamente.

4.2.2 As licenças alternativas: Copyleft e Creative Commons

O movimento de desconstrução do conceito de direitos autorais como propriedade não para por aí. Uma nova abordagem de proteção às obras culturais tem sido pregada como alternativa ao atual regime de direitos autorais. São propostas de uso de novas práticas contratuais baseadas nos novos modelos de negócio viáveis aos autores das obras com o advento da Internet e das novas tecnologias digitais.

63 Segundo JOSÉ AFONSO DA SILVA (2007, p. 281-282): “A função social da propriedade não se confunde

com os sistemas de limitação à propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito, ao proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade”. Cumpre observar, ainda, que o mesmo autor anota que a funcionalização da propriedade é um processo longo, pelo que se diz, em conformidade com a doutrina de Karl Renner, que a propriedade sempre teve uma função social, a qual se modifica com as alterações na relação de produção.