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CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

1. Envelhecimento

1.1 Intergeracionalidade

O conceito de relação refere-se à comunicação, ao contacto ou à ligação existente entre duas ou mais pessoas, coisas ou factos (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, 2001) e o termo “intergeracional” remete para a convivência entre duas pessoas de diferentes estádios de desenvolvimento. Logo, quando falamos de relações intergeracionais, referimo-nos a vínculos que se estabelecem entre duas ou mais pessoas com idades distintas e em diferentes estádios de desenvolvimento, possibilitando o cruzamento de experiências e contribuindo para a unidade dentro da multiplicidade (Veleda et al., 2006). Engloba, portanto, as relações entre indivíduos de gerações distintas (avós, pais e netos), os quais estarão mais ou menos envolvidos nas relações familiares, cabendo aos avós o papel de elo entre as gerações passadas, as presentes e as futuras (Veleda et al., 2006).

As teorias familiares e ecológicas destacam como os membros das famílias se influenciam mutuamente (King, Russell & Elder, 1998; Lussier, Deater-Deckard, Dunn & Davies, 2002), nomeadamente as crianças que sofrem, ao longo da sua vida, influências de diferentes agentes de socialização, de entre os quais a família ocupa um lugar de destaque. A esta compete parte da tarefa educativa e socializadora, bem como a integração do sujeito na sociedade. A família é um espaço fundamental de reprodução social e cultural (Ferguson & Ready, 2011), mediadora em relação aos sistemas sociais e culturais existentes. Em Portugal, a família é reconhecida como um valor central na qual desde sempre foi depositada a responsabilidade de educar os jovens. No entanto, os desenvolvimentos económico, social e cultural, trouxeram consigo profundas alterações a nível das estruturas familiares, já que hoje vivem-se tempos de mudança e de acentuados contrastes. O lazer, os tempos livres e o ócio são repletos de atividades que os realizam sozinhos ou com os seus pares. É precisamente nesta conjuntura que o papel social dos mais velhos assume especial importância não só pelo seu préstimo, como também pela influência que poderá ter no desenvolvimento dos mais novos.

As famílias sofrem, ao longo do tempo, alterações quanto à estrutura e quanto às relações que os seus membros estabelecem (Amaro, 2006). Essas transformações devem-se aos avanços da medicina e da tecnologia que possibilitaram o controlo da natalidade (Dench, 2001). Através da História, a família tem sido reconhecida como a célula fundamental da organização social e as relações que nela se estabelecem são as

mais importantes, já que representam a base para os comportamentos futuros (Areosa & Bulla, 2010; Oliveira, 2011).

“A família é uma instituição social que regula grande parte do sistema de relações entre as pessoas e destas com o resto do mundo” (Silva, 2001, p.21), tendo uma função de integração social, uma vez que é através do processo de socialização que esta ensina os seus elementos a desempenhar os papéis sociais. Neste sentido, a família assume um lugar importante na e para a sociedade, já que é nela que está a capacidade para personalizar e socializar, oferecendo um suporte básico, proteção e outros cuidados absolutamente importantes para um bom desenvolvimento dos seus constituintes (Pires, 2010).

Enquanto alicerce fundamental da sociedade, a família tradicional sofreu alterações nas suas bases sociais e evolui para uma nova tipologia que, segundo alguns autores, poderá comprometer a sua função social e a sociedade, uma vez que tal como defende Barata (2010) “a representação do capital social, o seu fortalecimento, bem como a estabilidade do tecido social, o robustecimento da coesão social passa de forma premente pela capacidade real das famílias em desempenharem as suas funções” (p.242).

A família nuclear já não é tão tradicional e o seu estatuto é variante dependendo das novas formas de famílias que têm vindo a usufruir ao longo dos tempos, tais como: famílias reconstituídas, famílias monoparentais, famílias homossexuais, famílias sem filhos, famílias de adoção (Relvas, 2002). “A identidade familiar tornou-se múltipla” (Levet, 1995, p.75), pelo que podemos considerar que as novas famílias são aquelas que fogem à estrutura clássica.

Os jovens confrontam-se hoje com a “experiência frequente da diversidade de formas familiares, associadas nomeadamente à dissolução e à recomposição conjugais, protagonizadas pelos seus pais” (Almeida, 2009, p.113). As modificações sociais a que temos assistido nas últimas décadas afetaram os modelos familiares, passando-se de um modelo único de família nuclear para uma diversidade de padrões familiares e embora a existência da família seja um facto observado universalmente, ela apresenta uma configuração diferente em cada sociedade e em cada época histórica (Oliveira, 2002).

Atualmente as famílias são compostas por três gerações, duas delas de adultos, dominando o tipo multigeracional, em termos vivenciais e relacionais (Relvas, 2004). Existem hoje novas formas de organização familiar em que os adultos têm a

responsabilidade de cuidar dos jovens, quer estes sejam ou não seus filhos (Silva, 2001). Os cidadãos idosos têm cada vez mais a tarefa de cuidar dos seus netos, sobretudo os que se encontram em idade pré-escolar (Bromer & Henly, 2004).

Ao compasso da emersão das novas famílias surgem as famílias monoparentais têm um leque variado de definições, mas considerando Costa (1994) “quando se fala de família monoparental fala-se de maternidade e paternidade simples, isto é, faz-se referência à relação com os filhos por parte das mães ou pais solteiros, viúvos ou divorciados […]” (p.77). Sabe-se que as crianças que filhas de mães solteiras experienciam maiores níveis de envolvimento por parte dos avós (Clingempeel, Colyar, Brand & Hetherington, 1992; Dunifon & Bajracharya, 2012).

Para Correia (2003) a entrada da mulher no mercado de trabalho acarreta consequências como o aumento da idade do casamento e do nascimento do primeiro filho. A carreira das mulheres constituía-se pelo casamento e pela maternidade (Louro, 1999), mas os anos 50 do século XX chamaram a mulher para o mercado de trabalho, afastando-a da conotação do único papel social que lhe era publicamente reconhecido, o de esposa-mãe (Silva, 2001).

A educação intergeracional tem sido objeto de interesse nos últimos anos (Garcia Minguez & Bedmar, 2002). A própria Gerontologia Social tem reunido inúmeros esforços no sentido de que as imagens mais negativas acerca da velhice sejam, de alguma maneira, substituídas por outras mais positivas.

Uma das principais funções da família é, segundo Barbosa e Matos (2008) a da solidariedade intergeracional, mas esta vê-se muitas vezes impedida de a exercer, seja na sua totalidade ou em parte, devido a mudanças ao nível estrutural e dinâmico que aconteceram no seio da família nas últimas décadas.

As relações intergeracionais construídas entre idosos e os jovens são recheadas de afeto e estima (Lopes et al., 2005), dependem de variáveis sociodemográficas que interferem nas relações que os netos estabelecem com os avós (Cunha & Matos, 2010) e a ideia da relação avós-netos sem conflito parece ser um mito, já que as diferenças geracionais não se anulam e os avós não são tão permissivos quanto parecem (Relvas, 2004), pelo que as relações podem variar ao longo do tempo e em função da idade dos avós mas também da idade dos netos (Dunifon & Bajaracharya, 2012). Enquanto que para os netos mais novos os avós desempenham uma função mais de prestação de cuidados (Cherlin & Furstenberg, 1987), para os mais velhos representam figuras de confidência e suporte emocional (Silverstein & Marenco, 2001), ficando os avós

menos satisfeitos com a relação à medida que os netos crescem e entram na adolescência (Cherlin & Furstenberg, 1987), apesar de considerarem que esta relação melhora quando os netos entram na universidade (Crosnoe & Elder, 2002). Os netos em idade adulta começam também a constituir a sua família, o que cria alterações na relação com os avós, pois precisam de menor cuidado ao começarem a estabelecer outras interações fora do seio familiar (Euler & Michalski, 2007; Mueller, Wilhelm & Elder, 2002).

Os conflitos entre gerações existem, mesmo dentro da própria família, expressando-se em termos psicológicos, mas as causas sociológicas também têm alguma relevância, quando duas formas de organização familiar se confrontam (Attias- Donfut & Segalen, 2002). É, por isso, fundamental que esta relação seja olhada no contexto das relações familiares.

De acordo com Giddens (2001), é na relação familiar que o ser humano interioriza os elementos socioculturais do seu meio e os integra na estrutura da personalidade face às experiências vividas na e com a família e se adapta ao meio social. Esse contacto intergeracional configura-se como uma importante forma de desenvolvimento social (Veleda et al., 2006). Taylor, Robila & Lee, (2005) mostraram que a frequência de contacto entre avós e netos reforça as relações intergeracionais.

As realidades familiares, sociais, económicas, culturais e políticas funcionam como um todo interativo, influenciando a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida dos indivíduos, dos grupos e das comunidades. O Bem-Estar Psicológico inclui um conjunto de dimensões do funcionamento psicológico positivo na idade adulta (Galinha, 2006).

“As crianças que crescem em famílias que proporcionam segurança e afecto aprendem a gerir melhor as suas emoções e afectos, as separações e a fazer face aos problemas quotidianos” (Ramos, 2004, p.177), ideia corroborada por estudos que mostram que as pessoas são mais felizes quando estão com amigos e com a família do que quando estão sós (Neto, 2004). Há ainda a considerar que desde a segunda metade do século XX os países desenvolvidos se viram confrontados com um envelhecimento demográfico (Correia, 2003; Nazareth, 2009) cujo fenómeno se traduz numa maior percentagem de pessoas idosas. Para isso contribuíram não só os progressos da medicina, como também as melhorias em termos de condições de vida (Ballesteros- Fernandez, 2009; Curran & Wattis, 2008; Dench, 2001; Fontaine, 2000; Leandro, 2001), a diminuição da mortalidade infantil (Curran & Wattis, 2008), o aumento da

esperança média de vida e o declínio da fecundidade (Ribeiro, 2001; Abreu & Peixoto, 2009). Portugal não se afasta desta tendência europeia e apresenta uma das maiores percentagens de idosos (Ribeiro, 2001; Neto, 2004) comparativamente com a população ativa.

Embora os avós tenham um estatuto que advém da sua posição geracional, este não existe sem que sejam estabelecidas regras claras. A relação entre avós e netos é negociada pelas partes e num determinado contexto. Ser avô provoca mudanças no

status geracional e pode não ser bem aceite por quem ainda não chegou aos 50 anos

(Attias-Donfut & Segalen, 2002).

Já do ponto de vista dos netos, Kahana & Kahana (1970) concluíram que as perceções que os netos têm dos avós são diferentes à medida que crescem. As crianças com 4/5 anos veem os avós como aqueles que lhes satisfazem as vontades; com 8/9 anos apreciam muito estar com os avós ativos e divertidos; com 11 anos aparentam maior conforto com relações relativamente distantes face aos avós.

“Os países escandinavos, que foram pioneiros nos lares para a terceira idade, estão a recuar nesta solução cómoda mas problemática a muitos títulos” (Oliveira, 2004, p.194) e, embora muitas famílias ainda mantenham os idosos em casa, outras há que optam por institucionalizar os seus familiares mais velhos, em virtude de não lhes poderem prestar os cuidados essenciais, seja por falta de tempo devido a questões profissionais, seja por falta de formação que, em muitos casos (especialmente os dependentes) é de extrema importância, seja por falta de espaço devido à arquitetura das casas urbanas. Mas até nestes casos, em que a interação não é tão frequente, a figura dos avós existe na vida dos jovens.

As famílias deparam-se hoje com um contacto cada vez mais frequente entre gerações (Falcão & Dias, 2006). Todos nós temos a nossa representação sobre os avós, sobre a velhice e temos expectativas acerca do modo como a relação entre avós e netos se poderá revelar positiva para o bem-estar quer dos mais novos, quer dos mais velhos. Acontece que a multiplicidade de razões para cuidar dos netos, conjugada com as diferentes situações de vida dos avós, permite antecipar níveis de satisfação que influenciarão o bem-estar dos netos.

Embora devamos ser únicos e diferentes dos elementos da nossa família, sobretudo dos nossos progenitores, temos de partir de um passado que é comum a todos os elementos da mesma família (Sampaio, 2008). A criança é, por isso, a perpetuação de uma linhagem, a passagem de um certo know-how e um património

que passa de geração em geração (Gauthier, 2002). Da parte das famílias, a criança sempre foi um investimento afetivo para os pais - facto comprovado por documentos escritos antes do século XVI – e, para muitas famílias, a criança continua a trazer vantagens de tipo instrumental, para uns enquanto estatuto, para outros de privilégios económicos, para outros de esperança de concretizar projetos aos quais tiverem de renunciar (Montandon & Perrenoud, 2001).

É muito importante para uma criança a continuidade intergeracional, reconhecendo o sentimento de pertença a uma família e revendo-se como mais um elo. E, nesse aspeto, os avós são uma “hemeroteca viva que as crianças podem consultar dia a dia” (Mantilla, 2006, p.45). Por outro lado, para uma criança é importante a continuação das gerações e ter a noção de que pertence a uma família com a qual estabelecerá uma ligação, que lhe dará um sentimento de pertença, essencial para o seu desenvolvimento pessoal e social.

Passar para a terceira idade requer algumas adaptações, como por exemplo ter netos (Wattis & Curran, 2008) e os contactos intergeracionais revelam-se, assim, importantes não só do ponto de vista infantil como também em termos do próprio desenvolvimento humano, já que podem resultar em mudanças na qualidade de vida de avós e de netos (Veleda et al., 2006).