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4. O CASO

4.2. O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA E DITORA A BRIL

4.2.1. Internacionalização Inward

Nesta parte, foram descritas as etapas do processo de internacionalização da empresa nas quais ocorreu o estabelecimento de um escritório de representação em país estrangeiro, cujo objetivo principal estava fundamentado no provimento de informações para o mercado doméstico.

Apesar de serem etapas cuja classificação precisa, como processo inward, possa ser questionada, elas descritas como internacionalizações inward, devido a sua função para a empresa: prover informações do mercado estrangeiro para o mercado doméstico.

4.2.1.1. A primeira internacionalização

A primeira ação internacional da empresa foi a abertura de um escritório em Milão. Esta ocorreu por influência do fundador e presidente do grupo no início da década de 60: Victor Civita.

A decisão foi motivada para suprir necessidades de material escrito para que a empresa pudesse empreender dois projetos de publicação: uma do tipo fotonovela e outra em fascículos de conteúdo enciclopédico. A principal função do escritório era, portanto, a manutenção dos contatos que a Abril tinha com editoras italianas, que forneciam material para as fotonovelas e para os fascículos com conteúdo enciclopédico. Nesta época a Abril também contratava obras no exterior para que fossem lançadas aqui após a sua tradução.

A decisão de abrir este escritório em Milão ocorreu porque as grandes editoras italianas ficavam em Milão e a Abril já tinha realizado negociações de fascículos, livros e material de revista com estas grandes editoras italianas. Por outro lado, os contatos particulares do então presidente da empresa, Victor Civita, também foram relevantes para influenciar a decisão de localização do primeiro escritório no exterior em Milão. O presidente possuía uma rede de relacionamentos criada na época em que trabalhou em editoras na Itália, mais especificamente, em Milão.

4.2.1.2. Internacionalização da Abril Press

Segundo fontes internas, a decisão de criar a Abril Press partiu de uma necessidade que surgiu no momento em que se lançou a Veja – revista semanal de conteúdo informativo geral – em 1968.

Por se tratar de uma revista semanal de informação, a Veja necessitava de muito mais material do exterior, de fontes específicas, quando comparada às necessidades das revistas que já existiam na Editora Abril naquela época, que eram apenas mensais. Os escritórios da Abril no exterior passaram a funcionar, então, como auxiliares nesse processo, nas instalações montadas em Paris e Nova Iorque.

A decisão de instalação dos escritórios da Abril Press foi da Diretoria e da Presidência do Grupo, “mas isto obedecia a uma necessidade (...) de desenvolvimento”. Em termos estratégicos, para um grupo editorial, seria fundamental ter um escritório nos Estados Unidos, em Nova Iorque, e outro na Europa, em Paris ou em Londres. Nova Iorque e Paris “para o trabalho, seriam os dois melhores lugares em que você poderia instalar escritórios para representar o Grupo Abril.”

No momento em que o escritório foi estabelecido na França existiam quatro grandes agências de fotojornalismo da Europa, que continuam sendo consideradas as melhores do mundo. Isto era, portanto, fundamental para a Abril, em termos de fornecimento de material, conforme informou uma dos entrevistados.

“...nós tínhamos que ter uma base de informações para as revistas do Grupo, ou seja, recebemos até hoje, vinte e tantos anos depois, um volume muito grande de material fotográfico, de reportagens fotográficas dessas quatro grandes agências. Recebemos via internet, recebemos através do site deles, através de foto digital, enfim, nós temos, hoje, muitos outros meios para receber esse material, embora continuemos recebendo material em papel ou cromo.”

Outro motivo apontado para o estabelecimento de um escritório próprio no exterior consistia na percepção de falta de credibilidade associada a empresas brasileiras no exterior, pois “... não era muito simples, pelo menos naquela época, você se

apresentar como uma empresa brasileira e todas as portas se abririam.” Havia uma percepção de que a marca Brasil tinha conotações negativas, já que na Europa e nos Estados Unidos “...ocorreram experiências não muito felizes com o Brasil.” Os executivos da Abril percebiam também que, no exterior, havia um desconhecimento do Brasil que era visto como “... aquela selva, enfim, tinham um pouco esta idéia.”

De acordo com o entrevistado, graças ao estabelecimento destes escritórios no exterior teria sido possível, ao longo dos anos, criar uma imagem sólida de seriedade e confiabilidade, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, junto às agências de notícias. A estrutura inicialmente montada pela Abril para captação de notícias junto às agências européias e americanas se desenvolveu com o passar do tempo.

Função da Abril Press

Para um dos entrevistado, a internacionalização para a Europa e para os Estados Unidos era um destino natural que ocorria inexoravelmente no processo de crescimento de um grupo editorial. Estes dois mercados seriam essenciais e suficientes em termos de suprimentos de conteúdo e material do mundo inteiro para uma empresa no negócio editorial, como a Abril. Os escritórios da Abril Press “funcionam como representantes do Grupo Abril no exterior.” Eles também “funcionam como radares de informações que interessem ao Grupo Abril, sejam na área de editora, revista, na área de televisão, internet , ou qualquer tipo de informação de interesse do grupo.”

O desenvolvimento tecnológico facilitou o intercâmbio de textos e imagens, mas na época em que surgiu a necessidade “era importante ter esse contato” mais próximo das grandes agências de notícias. Contudo, ainda hoje estes escritórios “abastecem todo o Grupo Abril, principalmente as revistas de material editorial do exterior, seja como fotos ou texto. Todo tipo de material editorial que se vê nas revistas da Abril é captado através desses escritórios.”

Neste sentido, a abertura destas duas filiais teria proporcionado à Abril a obtenção de diferencial competitivo em relação a seus concorrentes brasileiros, pois passou a ter “acesso imediato e constante às melhores fontes de material fotográfico e material de texto, material editorial como um todo, do mundo.” Outro diferencial dizia respeito ao fortalecimento da marca Abril no exterior, o que facilitava as negociações com fornecedores.

Percepção de diferenças culturais

O estranhamento e a dificuldade que porventura pudessem existir devido à incapacidade de se adaptar à cultura local não ocorreram nestes dois processos supracitados. No primeiro caso de internacionalização – abertura de escritório em Milão – um dos motivos básicos parece ter sido a própria origem italiana do fundador e então presidente. No caso do escritório em Paris a empresa contratou uma pessoa que já havia trabalhado na Abril e morava e trabalhava na Europa. Em Nova Iorque, a empresa enviou uma pessoa que trabalhava na Abril e já havia morado e trabalhado nos Estados Unidos. Em todos os três casos, os gerentes foram recrutados “já pensando em pessoas que tivessem experiências no país”, passando o escritório a ser conduzido por alguém que já “...tinha, no mínimo, conhecimento da cultura e o conhecimento de como as coisas funcionam...”.

A principal diferença cultural percebida internamente pelos colaboradores da Abril dizia respeito ao grau de formalidade/informalidade da cultura e sua influência na forma como conduzir negócios. A cultura brasileira era vista como mais informal. Por outro lado, nos Estados Unidos, a cultura era percebida como muito mais formal, com as transações comerciais necessitando de documentos escritos para serem levadas adiante.

A diferença cultural, percebida no grau de formalidade das culturas, era vista como obstáculo ao processo de internacionalização, porém facilmente transponível. Para tal, acreditava um dos entrevistados que bastaria que as pessoas recrutadas para trabalhar no exterior recebessem treinamento preparatório para facilitar a superação de suas dificuldades pessoais de adaptação e o convívio com as diferenças culturais. Assim, as barreiras teriam sido superadas devido à forma como ocorreu a internacionalização, contratando, conforme mencionado, pessoas que já moravam no país estrangeiro para gerenciar o negócio no local.

Segundo um dos entrevistados, eventualmente, o Japão poderia ser um destino de internacionalização ainda não explorado, porém, este não parecia ser o objetivo nem a necessidade. Este país era descartado, pois a empresa percebia que os conteúdos específicos da cultura local não seriam interessantes para confecção de matéria em publicações no Brasil. A necessidade de material oriunda deste país parecia ser suprida completamente pelos escritórios localizados na Europa e nos Estados Unidos. Outras

opções, como, por exemplo, o estabelecimento de um escritório na Alemanha, foram descartadas, devido à barreira do idioma.

Estrutura de distribuição montada

Os dois escritórios da Abril Press coletavam informações, dados, pesquisas, realizavam pesquisas e encaminhavam todo o material diretamente para a direção do grupo no Brasil.

No caso do material fotográfico em cromo e papel, ele era requisitado, recebido e encaminhado para a redação, que também se encarregava de devolver este material para o exterior e autorizar o pagamento. Encerrando a transação, a Abril Press cuidava da devolução e do pagamento das mercadorias.

Cada publicação do material enviado deveria ser negociada entre a agência e a Abril. Ao respeitar esta prática, a Abril conseguiu desenvolver uma imagem de agência confiável junto aos seus fornecedores adquirindo o material, pagando e devolvendo corretamente, conforme a utilização acordada entre as partes.

Aprendizado com a internacionalização

A experiência adquirida com a internacionalização afetou a empresa conforme depoimento de um dos entrevistados:

“... eu acho que isso ocorre em dois níveis: no nível empresarial, que é importante, quer dizer, a visão que os gerentes desses escritórios dão do movimento do mercado editorial ou do mercado de televisão a cabo, do mercado de Internet. Isso tudo é passado para a empresa. Então eu acho que tem uma importância muito grande. E no nível de conhecimento editorial, todo esse material a que temos acesso.”

Tanto em termos de revistas, como em termos de mercado editorial “...saber, hoje, a tendência do mercado americano, a tendência do mercado europeu, acho que é muito importante para o empresário.”

A empresa tem a possibilidade de analisar imediatamente as publicações lançadas no exterior e obter o licenciamento para lançá-las no Brasil, além de poder

“dirigir as suas estratégias para uma direção ou para outra”, acompanhando melhor as tendências do mundo editorial.

Para a Abril, esta internacionalização propiciou a oportunidade de ficar por dentro dos “...movimentos editoriais, lançamentos, fusões de grupos...”. Assim, teria ficado mais fácil monitorar estes grandes movimentos estratégicos da indústria editorial, quase que em tempo real.

Este monitoramento passou a ter influência nas projeções de mercado feitas pela empresa. Conforme declarou um dos entrevistados, os sinais do mercado internacional passaram a ser avaliados criticamente, a fim de tentar prever, ou talvez ditar, tendências futuras:

“... não é que tudo que está acontecendo lá fora vai dar certo aqui. Evidentemente que existem especificidades e características muito diferentes no mercado. Mas, ter a informação, por exemplo, de que está acontecendo no mercado americano e no mercado europeu um fenômeno muito parecido e que está dando certo, pode ser um sinal, certo?”

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