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Intervenção Estatal na Provisão de Serviços Públicos e Infra-Estruturas

2. TIPO, SERVIÇOS PÚBLICOS E O PAPEL DO ESTADO

2.2. O PAPEL DO ESTADO NA PROVISÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

2.2.1. Intervenção Estatal na Provisão de Serviços Públicos e Infra-Estruturas

O liberalismo defende que a atividade econômica deve ser conduzida por agentes privados, sem a influência da intervenção estatal. Entretanto, essa situação normalmente é desviada de uma posição de concorrência perfeita, ou independentemente disso o mercado nunca consegue ser exatamente perfeito, em virtude da violação de seus pressupostos básicos33 (SANTOS, 2000), o que termina por gerar disfunções normalmente chamadas falhas de mercado, que fazem com que o mercado se afaste de parâmetros adequados de eficiência e eficácia alocativa (ARAGÃO et al., 1999). Assim, a intervenção do Estado nas atividades econômicas34 em economias de mercado é justificada para corrigir ou sanar essas falhas (BUTTON, 1991). Em outras palavras, uma das funções precípuas da intervenção estatal nas atividades econômicas é regular os desequilíbrios do mercado e promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar coletivo (ARAGÃO et al., 2004a).

A provisão de infra-estruturas freqüentemente se dá por meio de monopólios naturais, que se constituem como uma das espécies de falhas de mercado. Monopólios naturais são tipos de mercado em que o fornecimento do produto ou serviço por um só sujeito acarreta em custos de produção menores do que se houvesse mais de um fornecedor. Monopólios naturais raramente toleram competição aberta, em virtude de sua estrutura de custos, com altos custos fixos e enterrados (sunk costs), custos médios decrescentes, com decorrente economia de escala, e subaditividade de custos (ARAGÃO et al., 2004a). Salienta-se que pode também haver monopólio natural quando se lida com multiprodutos ou multiserviços, a depender das características do mercado em questão, além do monopólio natural poder variar temporalmente (ARAGÃO et al., 1999).

Por conta disso, em certas situações, como o muito das vezes ocorre com as infra-estruturas, é necessário que haja monopólios naturais à presença de um mercado que se pretendesse o mais próximo da concorrência perfeita. Entretanto, a ação do monopolista não deve ser conduzida apenas por sua própria vontade, sob risco de ações inescrupulosas, nas quais o interesse privado se sobreporia ao interesse público, dominarem o mercado. Essa ressalva é particularmente válida quando o mercado sob monopólio corresponde a serviços públicos, e também a atividades econômicas de interesse público. Assim sendo, cabe a um sujeito de fora

33 Benjó (1999, p. 68) cita como pressupostos:

- não haver dominância de mercado, exigindo-se que as empresas disponham de liberdade de ir e vir;

- ausência de externalidades, que caracterizam os prejuízos involuntários causados por algum ator de mercado quando da realização de seus objetivos.

34 Lembra-se, como já citado, que o gênero atividade econômica é composto das espécies serviços público e atividade econômica em sentido estrito (GRAU, 1999).

do mercado exercer sua influência para que seja evitada citada falha. A Teoria da Regulação defende que é justamente quando ditas falhas acontecem na atividade econômica que surge a necessidade da regulação estatal (PINTO, 2002). O Estado, defensor do interesse público que é, e titular do monopólio da força e agente intermediário entre produtores e consumidores, tem, portanto, com o apoio da sociedade em cada momento histórico (MOREIRA NETO, 2003) o dever de deflagrar essa regulação, sob risco de captura dos mercados por agentes privados, inescrupulosos o quase sempre das vezes.

Por outro lado, Benjó (1999) lembra que a regulamentação de serviços públicos delegados decorre da necessidade de garantir o atingimento de objetivos sociais estabelecidos. Nesse sentido, Santos (2000) diz que, para além dos motivos de correção de distorções causadas pelas falhas de mercado, a intervenção do Estado, através da regulamentação, pode ocorrer em virtude dos serviços públicos apresentarem características de bens de mérito - que mesmo não sendo necessariamente bens públicos no aspecto microeconômico, são valores de extrema importância para o conjunto da sociedade, em virtude de serem considerados fundamentais para o bom desenvolvimento da coletividade, e por se relacionarem à qualidade de vida de seus cidadãos e às dinâmicas das economias regionais e nacional. Dessa forma, nesses casos, a “intervenção pública em um determinado setor da economia pode ser ditada, ou justificada, por escolhas estratégicas de políticas públicas endereçadas ao bom cumprimento das funções de fomento ao desenvolvimento econômico ou de redistribuição de renda” (SANTOS, 2000). Assim, percebe-se que a intervenção estatal nas atividades econômicas abordadas pode ocorrer ou em função da presença de falhas de mercado, dentre as quais os monopólios naturais são figura constante entre as infra-estruturas, ou pela caracterização dos serviços públicos como bens de mérito.

A intervenção do Estado na Economia é estudada através da Economia da Regulação, que é composta de três partes: Política Anti-Truste35, Regulação Econômica, Regulação Não- Econômica36 (BUTTON, 1991; ARAGÃO et al., 2004a). Para os fins desta Dissertação, o segundo elemento constitutivo mencionado é o de maior interesse, porquanto a Regulação Econômica trata da intervenção estatal nas atividades econômicas, ou seja, “do papel do

35 Essa política procura combater os abusos de poder econômico, sobre consumidores ou sobre outros concorrentes, de empresas operando em condições de concorrência imperfeita (ARAGÃO et al., 1999).

36 Trata a Regulação Não-Econômica das intervenções no processo produtivo na busca da mitigação, prevenção ou remediação de danos sociais e ambientais gerados na produção de certos bens (ARAGÃO et al., 1999).

Estado como mediador do mercado em situações especiais” (BENJÓ, 1999, p. 5), lida com monopólios naturais - que correspondem ao tipo de mercado em que mais comumente as infra-estruturas são providas - e porque, mesmo o TIPO não tendo necessariamente uma característica monopolística intrínseca, sua operação tem sido feita praticamente com exclusividades e em contratos de longo prazo, ou ainda porque correspondem a serviços públicos classificáveis como bens de mérito, sendo, portanto, passível de regulação. A Regulação Econômica aborda, entre outras, questões relativas às condições e controles de entrada e saída dos mercados, à quantidade e à qualidade da produção, a preços e tecnologia de produção (ARAGÃO et al., 1999; SANTOS, 2000).

Convém citar que “a função precípua da intervenção estatal nas atividades econômicas é regular os desequilíbrios de mercado e promover o desenvolvimento econômico e o bem-estar coletivo” (ARAGÃO et al,.2004a). Ao tratar do fenômeno da regulação, Moreira Neto, após afirmar que há um esforço recente de elaboração de uma Teoria da Regulação, iniciado através de obra pioneira37 de George Stigler, afirma que essa teoria funda-se

na necessidade de intervir na economia quando o descontrole da concorrência rompesse o necessário equilíbrio, levando à ineficiência do sistema: um brilhante precedente doutrinário do qual derivaram-se todas as teorias que posteriormente trabalharam os diversos aspectos das denominadas falhas de mercado (MOREIRA NETO, 2003, p. 69).

Cite-se também que “as tarefas centrais da Teoria da Regulação Econômica são justificar quem receberá os benefícios ou quem arcará com o ônus da regulação, qual forma a regulação tomará e quais os efeitos desta sobre a alocação de recursos” (STIGLER, 2004, p. 23).

Vê-se, portanto, que o Estado deve regular as atividades econômicas que sofrem falhas de mercado, entre as quais podem ser encontradas as atividades econômicas de interesse público, os serviços públicos, e a provisão das infra-estruturas38.

Por fim, cabe mencionar, portanto, o rol das principais falhas de mercado (BUTTON, 1991; SANTOS, 2000): tendência à formação de monopólios ou oligopólios; concorrência

37 The Theory of Economic Regulation, em “Bell Journal of Economics and Management Science”, 1971 (cf. MOREIRA NETO, 2003).

38 Cite-se que alguns pensadores consideram que se pode ir além disso, através de um novo papel para o Estado, que passaria a ter uma função de orquestração, e não apenas de regulação, das diversas combinações dos atores públicos e privados envolvidos no processo (ARAGÃO et al., 2004b).

imperfeita (monopólios, oligopólios, lucros rentistas); concorrência predatória (dumping); existência de externalidades; assimetria de informações; instabilidade dinâmica dos mercados; situações de risco moral; bens públicos ou de consumo coletivo.

Para sanar essas falhas, ao Estado cabe realizar medidas de intervenção nos mercados, que se tornam, portanto, regulados. Através dessa ação intervencionista, o Estado visa promover o desenvolvimento e regular os desequilíbrios e as disfunções do livre mercado. A intervenção estatal é justificada pela Teoria do Interesse Público, através da ação reguladora do Estado, com recurso a instrumentos jurídicos e institucionais.

Entre os remédios regulatórios econômicos que o Estado dispõe em sua ação intervencionista, podem-se citar: definição dos limites das atividades submetidas à regulação; definição das condições de entrada e saída no mercado; definição de tipos e quantidades de serviços a serem executados pelos particulares; política dos preços a serem praticados pelos setores privados envolvidos; indicadores de desempenho e qualidade; regulação não-econômica (ARAGÃO et

al., 2004a).

É verdade que a regulação já era criticada desde os tempos do predomínio das idéias Keynesianas e do Welfare Economics, bases do Estado do Bem-Estar Social e dominante no período do pós 2ª Guerra Mundial, pela escola Austríaca, notadamente por Hayek e von Mises (SANTOS, 2000). A partir das décadas de 1960 e 1970, as críticas foram intensificadas, principalmente por economistas da Escola de Chicago, através de estudos que indicavam falhas no processo da regulação [e.g. teoria da captura do regulador pelo regulado e teoria da

commodity econômica ou do interesse do regulador (STIGLER, 2004); críticas à teoria do interesse público (POSNER, 2004); teoria da maximização das vantagens auferidas pelos políticos por meio da regulação (PELTZMAN, 2004)], ou seja, falhas do governo que coexistiam com as falhas de mercado, e às vezes as sobrepujavam (MATTOS, 2004). Também foram questionados os próprios custos incorridos pela regulação (custos regulatórios), seja na aparelhagem administrativa requerida, seja no processo produtivo (ARAGÃO et al., 1999), e a diminuição do alcance do bem-estar coletivo. Outros problemas detectados nos mercados, tais como crescentes custos de oportunidade, subsídios cruzados ou diretos, inflação, ineficiência nos processos produtivos, estagnação nos níveis de produtividade, pequenas margens de lucro, também foram elementos que contribuíram para pôr em cheque a regulação, ou a intensidade com que vinha sendo exercida (BUTTON, 1991).

Apesar disso, e mesmo pelo perfil constitucional brasileiro, nesta Dissertação não se entrará na discussão do que é mais adequado, se regulamentar ou não. Aqui se defende uma posição da necessidade de adoção de algum tipo de regulação – cujas características serão aprofundadas no capítulo 4 - em intensidade razoável às suas necessidades e objetivos, e que não seja mais onerosa que os próprios benefícios que dela se esperam, mormente porque se entende que não se devem deixar os mercados, por si só, serem os agentes do desenvolvimento da sociedade, pelo menos nas atividades econômicas em que são detectadas falhas de mercado e nas atividades em que há o interesse público envolvido. Como lembra Santos (2000), “mesmo na ausência de falhas de mercado, como externalidades, monopólios naturais ou bens públicos, o pressuposto abrangente de que as forças de livre mercado são capazes de garantir a eficiente coordenação intertemporal da alocação de recursos não é sustentável”. O Estado deve exercer algum papel, desempenhando uma função de guardião dos interesses gerais da sociedade. Dessa forma, apesar da participação da iniciativa privada ser de fundamental importância para o desenvolvimento econômico, notadamente no setor das infra-estruturas e dos serviços públicos, cabe ao Estado fazer a regulamentação dos mercados para evitarem-se falhas e distorções.