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2. TIPO, SERVIÇOS PÚBLICOS E O PAPEL DO ESTADO

2.2. O PAPEL DO ESTADO NA PROVISÃO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS

2.2.2. A Regulação do TIPO

Clarke (1997) cita como propósitos da regulação sobre os transportes39: - assegurar a provisão de serviços necessários;

- assegurar que os operadores não persigam injustamente seus próprios interesses em detrimento de usuários, quer em colusão com outros operadores, quer em situação de monopólio, ou em detrimento de outros competidores desejosos de participar do mercado, através de práticas predatórias ou comportamento anti-competitivo. Essa regulação pode ser reativa, permitindo que o interesse público seja defendido frente a abusos específicos (Regulação da Competição), ou pode ser pró-ativa, baixando regras gerais que assegurem que as empresas, particularmente em empreendimentos sob a forma de monopólios naturais, comportem-se de maneira coerente com o interesse público (Regulação Econômica);

39 Através da exposição dos propósitos, o autor termina por apresentar uma classificação para regulação, dentro da qual pode ser localizada a Regulação Econômica.

- salvaguardar os empregos dos trabalhadores ou seus termos e condições (Regulação do Emprego);

- controlar riscos gerados pela provisão dos transportes (Regulação Ambiental e de Segurança).

Button (1991) afirma que, em geral, os transportes sempre foram regulados, e que a questão mais importante diz respeito à natureza e à intensidade dos regulamentos postos a viger, que são mais estritos ou não conforme a realidade confrontada.

Tradicionalmente o transporte rodoviário intermunicipal de passageiros brasileiro tem sido prestado pela iniciativa privada. Tem ocorrido exclusividade de linhas pelas empresas privadas, sem competição, o que vem caracterizando, em muitos casos, a prática de monopólio, com fortes barreiras à entrada de novos prestadores de serviços no mercado40. Essa exclusividade vem sendo cientificamente criticada, sendo alegado que o setor teria as características de um mercado contestável, mas que vem sendo regulamentado como monopólio natural, mais por capricho político do que por real necessidade econômica (ARAGÃO et al., 2004a). Entende-se, portanto, que o mercado de TIPO mais se aproxima ao modelo teórico da contestabilidade.

O fundamento básico da Teoria dos Mercados Contestáveis (BAUMOL; PANZAR; WILLIG, 1988) é que, sob certas condições, uma situação monopólica pode apresentar resultados similares a um mercado concorrencial, em virtude do monopólio poder ser contestado. Há a assimilação de uma competição virtual e de uma competição real e dos seus efeitos sobre custos, quantidades e preços de infra-estruturas e serviços públicos. Essa assimilação baseia- se na expectativa de que os mercados perfeitamente contestáveis produziriam de forma econômica eficiente, pois a ameaça da competição potencial levaria os produtores a um comportamento assemelhado ao que teriam se estivessem em mercados perfeitamente concorrenciais. A ameaça de entrada garantiria que o produtor monopolista fosse tecnicamente eficiente e praticasse preços equivalentes aos custos médios. O equilíbrio seria atingido, então, pela pressão que potenciais interessados em participar do mercado exerceriam, e isso faria com que os produtores já estabelecidos fossem mais eficientes. Se essa eficiência não existisse, haveria atração para a entrada de concorrentes no mercado.

40 Isso tem, inclusive, contribuído para o surgimento do fenômeno do transporte alternativo clandestino, que funciona sem uma adequada regulamentação pública.

Como pressupostos dessa teoria, Johnson et al. (1996) citam: reduzidos custos de entrada e saída nos mercados; sunk costs baixíssimos ou nulos; mesmos produtos e mesma tecnologia disponíveis a todos os potenciais interessados nos serviços.

Portanto, a competitividade na prestação do TIPO poderia ser mantida e garantida com a realização de rodadas sucessivas de procedimentos licitatórios prévios à delegação dos serviços, do tipo competitive tendering (BRASILEIRO; SANTOS; ARAGÃO, 2001). Assim, a competição pelo mercado dar-se-ia no momento da escolha dos operadores. Vencidos os prazos contratuais, os operadores teriam que se submeter à nova rodada de testes de mercado, mediante novo procedimento licitatório. Essas sucessões de disputas contribuiriam para uma maior eficiência dos mercados, e para uma melhor prestação dos serviços, posto que os operadores teriam de estar em constante busca de aperfeiçoamento para a sua própria sobrevivência como empresas. O uso da contestação tem sido preconizado para o transporte urbano por ônibus (GOMIDE; ORRICO FILHO, 2004), e poderia muito bem ser indicado para transporte rodoviário intermunicipal convencional de passageiros.

Um último aspecto: poder-se-ia argumentar que a concorrência com outros modos dispensaria a regulação para o TIPO, em virtude da potencial pressão exercida sobre os serviços de ônibus para reduzirem preço ou melhorarem qualidade, sob risco de perder usuários. Isso pode até acontecer em outra realidade, mas no Brasil isso necessariamente não é verdade. Exceto pela pressão dos automóveis e de eventual transporte não regulamentado (e.g. toyotas, jeeps, pick- ups), a concorrência com outros modos não predomina, pois a malha ferroviária é escassa, e o transporte aéreo, com raras exceções, não é difundido entre cidades de um mesmo estado, mas apenas entre as capitais, e nem assim entre todas elas.

Cite-se também que a legislação brasileira vigente estabelece que toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, satisfazendo as condições de “regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas” (SÁ, 2004, p. 5). Lembre-se que, porque o TIPO corresponde a serviço público, como condição para a sua delegação para a iniciativa privada exige-se prévia licitação (SOUZA, 2003), na qual haja observância aos princípios da legalidade, moralidade, publicidade, igualdade, do julgamento por critérios objetivos e da vinculação ao instrumento convocatório.

A seguir, será discutido como se dá no Brasil a delegação da prestação dos serviços públicos a particulares, não sem antes ser feita uma breve apresentação de como a administração pública