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4 A TEORIA DA ATIVIDADE

4.1 Introdução à Teoria da Atividade

4.1.1 Contextualização Histórica

A Teoria da Atividade (TA) é um modelo sociocultural originário da Psicologia Cognitiva, sendo um desdobramento das abordagens propostas por Vygotsky na Escola Histórico- Cultural Soviética. As suas raízes históricas mais antigas remontam da clássica filosofia germânica de Kant e Hegel, a qual enfatizava ideias históricas e de desenvolvimento do papel ativo e construtivo do homem; e dos manuscritos de Marx e Engels, que elaboraram mais adiante um conceito de atividade (KUUITTI, 1996). O seu desenvolvimento no final da década de 30 representa uma terceira etapa nos esforços para a criação de uma ciência unificada sobre a mente e comportamento (MINICK, 1997). Nesta direção, Vygotsky realizou um importante passo para resolver um dos problemas-chave da psicologia – como superar as centenárias e antigas dicotomias entre o “externo vs. interno” e o “individual vs. social” – para ele, a interação social, mediada por ferramentas culturais e símbolos, era a fonte do desenvolvimento psicológico (ARIEVITCH, 2008).

Acrescentava ainda que estas ferramentas chamadas de “psicológicas” eram consideradas dispositivos do processo mental, vistas como artificiais e sociais ao invés de orgânicas ou de origem individual e consideradas produtos da atividade histórico-cultural humana (DANIELS, 2008). Leontiev (1978) foi quem primeiro conceituou a estrutura da atividade em níveis e apresentou componentes da interação humana na realização das atividades, baseado especialmente nas ideias de Vygotsky sobre as relações do homem com seu objeto e o papel das ferramentas na mediação deste processo. Desde então, vem sendo aplicada como quadro teórico de referência em estudos de diversas áreas do conhecimento como

Design, Ciência da Computação, Engenharia de software, entre outras, especialmente para: analisar os sistemas humanos de atividades; identificar seus problemas; e propor soluções que potencializem seu funcionamento. As ferramentas analíticas têm contribuído para projetar e analisar artefatos a partir de uma abordagem histórico-cultural.

4.1.2 A “atividade” no contexto da Teoria da Atividade

Antes de entender a teoria, é preciso buscar clarificar o significado da atividade neste contexto. Kaptelinin (2013) vê a atividade como uma “unidade de vida” de um sujeito material existente no mundo objetivo. É possível dizer que ela se dá na relação do sujeito com o mundo na medida em que este busca satisfazer suas necessidades através de interações. Leontiev (1978) acredita que ela não é apenas uma reação ou uma totalidade de reações, mas um sistema que tem estrutura, transições e transformações internas. Engeström (1999, p. 20) afirma: “a atividade é infinitamente multifacetada, móvel e rica em variações de conteúdo e forma”. Kuuitti (1996) explica que as atividades não são entidades estáticas ou rígidas, pois estão em constante mudança e desenvolvimento, o qual não é linear ou simples, mas irregular e descontínuo. Isto significa que cada atividade tem também uma história própria e as partes das suas fases mais antigas muitas vezes ficam embutidas nelas com seu desenvolvimento, fazendo com que haja a necessidade de uma análise histórica a fim de compreender a situação atual.

Barreto Campello (2009), citando a Teoria da Atividade, explica que seu conceito reflete no princípio de que toda ação humana se realiza através de artefatos9 (materiais ou psicológicos) e que se orienta não aos artefatos em si, mas à obtenção de determinados objetivos. O autor completa que tal abordagem retira o foco na análise do uso dos artefatos e o coloca sobre as ações realizadas e seus significados para os indivíduos. Desta forma, a TA propõe uma forte noção de mediação, ou seja, que todas as experiências humanas são formadas por ferramentas e sistemas de signos por nós utilizados, oferecendo um conjunto de perspectivas sobre a atividade humana e os conceitos para descrever essa atividade (NARDI, 1996).

4.1.3 Níveis da atividade: a tríade atividade-ação-operação

Segundo Leontiev (1978), o aparecimento de processos orientados por metas ou ações nas atividades surgiu historicamente como resultado da transição do homem para a vida em                                                                                                                          

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sociedade. O teórico concebe três níveis de desenvolvimento da atividade, onde cada qual fornece uma perspectiva diferente da organização dos eventos, sendo composta pela tríade atividade, ações e operações. Acrescenta ainda que estas “unidades” formam sua macroestrutura. Wells (2004) explica que a atividade realizada pode ser identificada segundo a sua motivação, ou seja, o “objeto” em vista que fornece a sua força motriz. Já a ação é a perspectiva de um acontecimento que traduz a atividade em realidade, considerando uma “meta” a ser alcançada. Por fim, a operação constitui seu foco no meio particular em que os participantes usam para alcançar as metas, levando em conta as “circunstâncias” que prevalecem esta situação. Desta forma, a atividade é organizada coletivamente por meio de um motivo comum, realizada a partir de um conjunto de diversas ações individuais com metas próprias, as quais são atingidas por uma série de operações. A descrição dos níveis da atividade é feita na Tabela 4.1 abaixo.

Tabela 4.1. Níveis de um Sistema de Atividades segundo Leontiev.

Nível Fator de orientação Natureza

Atividade Objeto (motivo) Coletiva e consciente

Ação Meta Individual e consciente

Operação Circunstâncias Individual e inconsciente

Fonte: adaptado Barreto Campello (2005).

Em concordância com Preece et al. (2013, p. 308), muitas vezes há uma confusão na distinção dos níveis atividade, ação e operação. Este autor afirma que um dos maiores problemas nesta análise é em enquadrar “quando algo deve ser descrito como atividade de nível superior e quando algo é mais bem descrito como uma ação de nível inferior”. Kuuitti (1996) relata que esta dinâmica da ação-operação é fundamentalmente típica da característica do desenvolvimento humano, onde, para um indivíduo se tornar mais hábil em algo, as operações serão desenvolvidas depois que a execução das ações se tornarem mais fluentes. Assim, os autores explicam que toda operação um dia foi uma ação e que sua execução e seu aprendizado fizeram internalizar um conhecimento que passou a ser executado de forma operacional e inconsciente. Na Figura 4.1, é possível entender a decomposição destes níveis.

Figura 4.1. Decomposição dos Níveis da Atividade

Fonte: adaptado Barreto Campello (2005).

Buscando este entendimento de uma maneira mais prática, os teóricos costumam exemplificar com alguma atividade cotidiana, e.g. dirigir um carro. Na verdade, o nível da atividade corresponderia ao objeto, ou seja, neste caso, o motivo real de se dirigir o carro. Assumindo que seria para realizar uma viagem, a atividade poderia ser considerada como viajar. Para que isso aconteça, o sujeito terá que estabelecer metas, traçando seus planos de ação para atingir o objetivo, como: abastecer o carro, levar um mapa ou aparelho GPS, etc. As ações estão em um nível consciente, é preciso refletir sobre elas. As operações seriam circunstâncias para executar cada ação. Por exemplo, para sair de casa e abastecer o carro, é preciso ligar a ignição do carro, passar marcha e apertar o acelerador. As operações são inconscientes, executadas de maneira quase automática. Assim, a importância de se desenvolver uma análise da tríade se dá no entendimento do processo da atividade em todos os seus níveis, tanto do ponto de vista coletivo como individual, entendendo como os sujeitos e a comunidade se relacionam com seu objeto e que tipos de estratégias, ações e operações são executadas para alcançá-lo.

4.1.4 Estruturando a atividade: o Modelo Sistema de Atividades

O modelo de Leontiev (1978) propõe basicamente que as relações do sujeito com seu objeto são mediadas pelas ferramentas, enquanto Engeström (1999) acrescenta novas variáveis a esta condição e propõe o Modelo do Sistema de Atividades10. Desta forma, este autor aborda que TA permite representar as atividades e todo o seu contexto através da análise sistêmica de elementos, tais como: sujeito, objeto, ferramentas de mediação, regras                                                                                                                          

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sociais, comunidade e divisão de trabalho, direcionados para obtenção de um resultado. Russell (2002) explica que entender esta articulação da atividade que resulta em mudança (aprendizado) pode trazer questões mais efetivas sobre como ela funciona para o sujeito. É preciso salientar que este modelo triangular, entretanto, apesar da aparência rígida, é dinâmico e está em constante mudança e desenvolvimento, apresentando esta forma apenas por uma mera questão de simplicidade e conveniência (KUUITTI, 1996). Além disso, não se trata de um sistema fechado, pois interage com outros à medida em que a atividade se desenvolve. Para isso, há uma proposta para nova representação, em formato hexagonal11. O modelo constitui a base de entendimento do sistema de atividades, apresentando uma unidade principal de análise da TA. É representado no diagrama ilustrado nas Figuras 4.2 e 4.3. A diferença se dá apenas na forma de representação: enquanto o primeiro é uma estrutura triangular; o segundo tem formato hexagonal.

Figura 4.2. Modelo Sistema de Atividades 1: representação triangular

Fonte: adaptado Engeström (1999).

Os nós representam os elementos do sistema, enquanto as linhas indicam suas (inter)relações. Uma atividade é orientada para um objeto, o qual pode ser algo material ou intangível, desde que possa ser compartilhado por manipulação pelos participantes da atividade, e transformá-lo em um resultado é o que motiva a existência desta atividade (KUUITTI, 1996). Os sujeitos são os atores do processo e estão engajados na atividade, podendo ser indivíduos ou subgrupos dentro de uma comunidade (RUSSELL, 2002). Buscando entender esta aplicação, Cruz Neto et al. (2005) abordam que a comunidade é                                                                                                                          

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Proposta em material de Frederick van Amstel (2010). Disponível em: <http://pt.slideshare.net/usabilidoido/teoria-da- atividade>. Acesso em: 03 mar. 2014.

formada por sujeitos que compartilham um mesmo objeto, onde as regras, são implícitas e explícitas, sendo estabelecidas por convenções e relações sociais dentro dela. Já em relação à divisão de trabalho, refere-se à forma de organização de uma comunidade, estando relacionada ao processo de transformação de um objeto em um resultado.

Figura 4.3. Modelo Sistema de Atividades 2: representação hexagonal

Fonte: adaptado Engeström (1999).