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O contexto empresarial internacional foi alvo de profundas alterações nos últimos anos: o desenvolvimento das telecomunicações, do transporte de mercadorias e pessoas e dos processos de produção; o crescente peso dos serviços na economia; a generalização do uso da Internet que originou um novo paradigma para as trocas internacionais, permitindo redução de custos, rápida penetração nos mercados, melhorias ao nível do produto/serviço, acesso a maior variedade de fornecedores, alteração dos processos internos da organização com o desenvolvimento de «equipas virtuais», e mais rápida e fácil partilha do conhecimento, dentro e entre empresas.

As mudanças operadas, no que respeita a novas políticas de apoio aos empresários, a novas tecnologias de produção, a novas metodologias de gestão e à generalização da utilização das tecnologias de informação e comunicação, refletiram-se na internacionalização das empresas (Oviatt & McDougall, 1997), consubstanciando uma necessidade de expansão estratégica, quer por contágio da globalização dos mercados, quer por uma questão de sobrevivência em setores em que a concorrência se intensificou (Levitt, 1983; Yip, 1989; Bartlett & Ghoshal, 1988). As empresas enfrentam, assim, níveis acrescidos de complexidade e de incerteza, uma vez que a concorrência, o ambiente político-legal, o desenvolvimento tecnológico, as preferências dos consumidores, a cultura, a língua, a religião, etc., podem afetar o sucesso da aventura internacional (Lorga, 2003).

Esta realidade está muito presente no setor vitivinícola, uma vez que as empresas sentiram uma forte necessidade de ampliar esforços para manterem a sua posição face à crescente ofensiva dos novos países produtores (NPP), como a Austrália, Chile, Argentina e África do Sul, sob pressão de diversos fatores: o gap entre a produção e o consumo doméstico (Barco et al, 2006; Campbell & Guibert, 2006); a forte assimetria em termos de regulamentação, mais apertada na União Europeia, através da OCM (Organização Comum do Mercado); o decréscimo do consumo de vinho em termos mundiais, resultado da fase de maturidade dos mercados europeus (tradicionalmente líderes), embora com um aumento do consumo em países como EUA, Alemanha, Reino Unido e China (mas partindo de uma base inferior); a ofensiva de produtos substitutos com grande agressividade comercial (cerveja, refrigerantes, espirituosos), nas respostas à própria evolução dos gostos e tendências no mercado consumidor.

Estes fatores contribuem para importantes distorções concorrenciais no plano internacional (Rastoin et al, 2006), levando os produtores dos Países Tradicionalmente Produtores (PTP) a

Em termos mundiais, assiste-se, ao contraste entre NPP e PTP, onde os primeiros gozam de uma envolvente simples e coesa, mais inovadora e empreendedora, com legislação simples e permissiva, que lhes permite serem proactivos, beneficiadores de mais incentivos à promoção e exportação dos seus vinhos e possuidores de melhores infraestruturas, enquanto os segundos gozam de uma envolvente inibidora, complexa e fragmentada. Esta realidade é evidenciada em diversos estudos levados a cabo por muitos investigadores de todo o mundo (Sousa, 2000; Barco et al, 2006; Bernetti et al, 2006; Remaud & Couderc, 2006; Remaud, 2006; Jordan et al, 2007; Fernández-Olmos et al, 2009 e Zen, 2010).

Todas estas transformações acarretam consequências para o setor vitivinícola português, onde a cultura da vinha e a produção de vinho têm uma grande importância. No atual contexto, o mercado externo, que tradicionalmente servia para escoar os excedentes, passou a ser visto como um mercado alternativo, e até mesmo preferencial. As empresas nacionais do setor vêm- se, desta forma, obrigadas a desenvolver processos de transformação profundos assentes em novas orientações estratégicas.

O panorama vitivinícola nacional é, atualmente, caracterizado por uma forte fragmentação do setor, em especial na região norte do país, e uma forte concentração da produção (quase metade) nas cooperativas, que nos últimos anos têm vindo a diminuir em número. Nos anos mais recentes a produção de vinho tem apresentado relativa estabilidade, com aposta em vinhos de qualidade (DOC) (que já representam cerca de metade do vinho produzido) e em concordância com as alterações no padrão de consumo (Silvério, 2000; Macedo, 2004 e MADRP, 2007).

No entanto, Portugal, apesar de deter uma posição razoável no cenário internacional da exportação de vinhos, apresenta-se como um dos exportadores mais fragmentados, tendo em conta a quantidade exportada por mercado de destino (Monitor Group, 2003). Revela um setor ainda bastante concentrado no mercado interno e com fortes debilidades em termos de distribuição1, colocando o produto a um preço premium baixo, ou abaixo dos outros vinhos importados em mercados cruciais. Diversos estudos desenvolvidos no setor (Sousa, 2000; Maçães, 2000; Macedo, 2004; Passinhas, 2006; Valente, 2006), têm chamado a atenção para a falta de dimensão das unidades produtivas, aliada à fraca aposta na vertente comercial (principalmente no que ao mercado externo diz respeito), bem como à opção de exportação

1 Mesmo a empresa Sogrape (a empresa líder do setor em Portugal) não tem dimensão suficiente para controlar e deter redes de distribuição nos

para uma grande diversidade de países, originando insuficiente capacidade de resposta face a produtores concorrentes, geralmente de maior dimensão e mais preparados.

Neste quadro competitivo, as empresas enfrentam enormes desafios com as decisões a serem alvo de forte incerteza.

Perante este cenário, justifica-se uma análise/reflexão sobre a orientação estratégica a seguir e a transformação de estruturas a empreender nas empresas do setor, na sua abordagem ao processo de internacionalização.

Assim, pretende-se com este estudo explorar e encontrar respostas para as questões que a seguir se apresentam e que consubstanciam a problemática deste trabalho:

 Que estilo(s) de reflexão/ação estratégica privilegiam as empresas do setor vitivinícola para responder às exigências do contexto num processo de internacionalização?

 Que fatores contingentes lhe(s) estão associadas? Qual o perfil de cada estilo de reflexão/ação estratégica?

 O(s) estilo(s) de reflexão estratégica identificado(s) adequa(m)-se ao contexto? Que empresas apresentam melhores performances económicas?

 Existem diferenças entre as empresas cooperativas e privadas?

 Quais as linhas de ação a desenvolver para o reforço da competitividade nos mercados internacionais?

Tendo em conta as respostas que um estudo desta natureza pode proporcionar, definem-se como seus objetivos:

 Identificar os tipos de reflexão e ação estratégica mais relevantes nas empresas do setor vitivinícola em Portugal, num contexto de internacionalização;

 Identificar as variáveis contextuais associadas;

 Analisar a relação entre o estilo de reflexão/ação estratégica e o grau de internacionalização das empresas e o crescimento da internacionalização;

 Analisar a relação entre o estilo de reflexão/ação estratégica e a rendibilidade das empresas;

 Verificar se existe uniformidade entre as empresas cooperativas e privadas;

 Propor linhas de ação para o reforço da competitividade nos mercados internacionais.

Considerando estes objetivos, apresenta-se de seguida a hipótese geral de investigação e as hipóteses operativas:

HIPÓTESE GERAL:

O contexto competitivo internacional implica o desenvolvimento de orientações estratégicas contingentes que induzem performances diversas.

Hipótese Operativa 1

O contexto internacional de concorrência acrescida confere maior complexidade às iniciativas de internacionalização.

Hipótese Operativa 2

Existem diversos estilos de reflexão/ação estratégica em função das características contextuais das empresas.

Hipótese Operativa 3

Existem diversos níveis de performance em função dos estilos de reflexão/ação estratégica adotada no processo de internacionalização.

A presente pesquisa justifica-se pelo contributo teórico, metodológico e prático que pretende dar no âmbito da estratégia empresarial, em geral, e das estratégias de internacionalização em particular, no âmbito do setor vitivinícola português.

Sendo a temática da estratégia de internacionalização de empresas ainda uma temática relativamente recente, os trabalhos de investigação nesse campo não abundam e os que existem focalizam-se essencialmente nos determinantes do desempenho exportador e na dimensão interna das empresas (Gaitán & Cruz, 2008). Constata-se, por isso, grande lacuna de pesquisa ao nível da dimensão envolvente das organizações e na análise da forma como estas podem condicionar a estratégia de internacionalização, assim como os resultados obtidos (Idem). Se

cruzarmos tudo isto com o setor vitivinícola, então ainda se torna mais notória a reduzida pesquisa realizada.

Face ao exposto, o presente trabalho de investigação assume pertinência acrescida pelos contributos teórico-práticos que pode dar. Com efeito, identificar estilos de reflexão estratégica em contexto de internacionalização, traçar o seu perfil em termos de variáveis contextuais associadas e cruzar tudo isso com níveis de performance no setor vitivinícola, constitui um empreendimento original e potencialmente rico em termos de criação de conhecimento. A originalidade estende-se à vertente metodológica, traduzida na aplicação de um referencial desenvolvido por Sousa (2000) - designado de Grelha Integrada de Reflexão Estratégica (GIRE) – adaptada, agora, ao contexto de internacionalização e aplicada num âmbito geográfico diferente (Portugal Continental).

Acresce ainda o facto deste estudo ter um âmbito nacional, quando até agora a maior parte dos estudos no setor foram de âmbito regional.

De forma a atingir os objetivos traçados para a pesquisa foi, tal como referido acima, desenvolvida uma variante da metodologia GIRE – Grelha Integrada de Reflexão Estratégica, desenhada inicialmente por Sousa (2000), que agora toma a designação de GIRE(i) - Grelha Integrada de Reflexão Estratégica para a internacionalização. A investigação desenvolveu-se, assim, a dois níveis: num nível preliminar fez-se uma caracterização genérica das empresas quanto aos seus recursos organizacionais, de informação, tecnológicos e comerciais; e num nível central foi explorada a vertente estratégica das empresas, mediante a articulação de três componentes estudadas sistematicamente – fatores Contingentes externos e internos, o estilo de Reflexão estratégica e a Performance económica (consubstanciando o designado estudo C-R- P).

O trabalho de investigação implicou a recolha de dados primários e dados secundários. Os dados primários foram obtidos mediante a aplicação de um questionário, especialmente

desenvolvido para o efeito, implementado via correio (com RSF) aos

empresários/gestores/diretores de exportação do setor vitivinícola (cooperativas e não cooperativas), com sede em Portugal Continental (1520 empresas). O processo de recolha decorreu entre junho e dezembro de 2010 e permitiu apurar 164 respostas (correspondendo a uma taxa de respostas de 11%), sendo 13% cooperativas e 87% não cooperativas (estão representadas todas as regiões vitivinícolas de Portugal Continental e em proporção bastante

auxílio do software SPSS recorrendo a técnicas de Análise Fatorial, Análise de Clusters, Análise Discriminante, Análise de Variância Simples (ANOVA) e Multivariada (MANOVA). Nos casos em que os pressupostos de análise para as técnicas paramétricas não se verificaram, recorreu-se à alternativa não paramétrica Kruskal Wallis e no caso do estudo das variáveis nominais ao teste do Qui-quadrado. Os dados secundários, de natureza documental, consistiram essencialmente num conjunto de documentos e relatórios relacionados com a problemática e permitiram obter uma visão mais ampla da evolução e do desempenho do setor, das empresas, do processo de internacionalização e legislação referente à produção e exportação de vinho. Tais elementos foram decisivos na análise de natureza qualitativa do setor, com base na qual foi possível desenvolver uma análise contextual (análise PEST) e transacional (Modelo das 5 forças de Porter).

Este trabalho foi estruturado da seguinte forma: o capítulo introdutório apresenta o contexto do trabalho, as questões e objetivo da pesquisa, as motivações da escolha do tema e os principais aspetos metodológicos.

O segundo capítulo evidencia as teorias mais relevantes no âmbito da internacionalização em dois grandes grupos de abordagens: as económicas (teorias clássicas e teorias de imperfeição dos mercados) e as comportamentais (a teoria incremental e a teoria das redes).

No terceiro capítulo traça-se uma revisão da literatura no âmbito das estratégias de internacionalização, desde a abordagem ao ambiente internacional, processo de internacionalização das empresas, caracterização dos diferentes modos de entrada, o processo de decisão subjacente (bem como os fatores associados, numa perspetiva essencialmente contingencial).

No quarto capítulo faz-se um breve resumo da investigação desenvolvida no setor, no âmbito da estratégia empresarial e numa escala global.

No quinto capítulo serão apresentados os procedimentos metodológicos que serviram de base à pesquisa, nomeadamente: as escolhas em termos de método de pesquisa, campo global de observação, fases do processo de investigação e fontes de informação. Será exposta a metodologia de abordagem estratégica – GIRE(i) e serão identificadas as variáveis e o desenho do questionário. Apresenta-se também a estratégia de análise de dados, quer de caráter qualitativo, quer quantitativo.

No sexto capítulo apresentam-se e discutem-se os resultados obtidos a partir dos questionários, caracterizando as empresas em termos gerais e ao nível dos recursos humanos, organizacionais e de informação, técnico-produtivos e comerciais.

No sétimo capítulo explora-se a vertente estratégica das empresas em que será analisado o contexto do setor em termos mundiais e nacionais, elaborando um breve enquadramento genérico, de forma a desenhar um diagnóstico do seu contexto de ação, recorrendo aos modelos PEST e Modelo das 5 Forças. Identificam-se, com base na aplicação de diversas técnicas estatísticas, os tipos de reflexão estratégica adotados e o seu perfil em termos de variáveis contextuais, assim como as performances económicas subjacentes. Analisam-se e discutem-se os resultados e testam-se as hipóteses de investigação.

Por fim o oitavo capítulo, com as conclusões do trabalho, evidenciando os principais resultados da pesquisa, os contributos da tese, as limitações e as pistas para novas investigações.

2. ABORDAGENS TEÓRICAS