• Nenhum resultado encontrado

Capítulo I. O papel do treinador no desenvolvimento positivo dos jovens

1. Introdução

Hoje em dia, o desporto é uma parte importante da vida de milhões de indivíduos podendo originar diversos benefícios físicos, emocionais e também a nível relacional (Fuller et al., 2013; Hansen & Larson, 2007). Neste sentido, os clubes, a escola, tanto em contextos com objetivos de recreação como de competição, desempenham um papel relevante no processo de desenvolvimento de um número significativo de jovens que em todo o mundo participam neste tipo de atividades. O desenvolvimento positivo (DP) tem sido utilizado como uma abordagem em que os atributos dos indivíduos são valorizados e criam-se as condições contextuais necessárias para que os jovens possam florescer, adquirir competências interpessoais e atingir a vida adulta suficientemente preparados para os desafios relacionais do futuro (Damon, 2004; Vierimaa et al., 2012). Whitley, Forneris e Barker (2015) referiram o aumento de intervenções com o objetivo do DP e a necessidade de proporcionar contextos sustentáveis para que o DP possa ser mais efetivo ao longo do tempo. Assim, algumas características denominadas como os "cinco Cs" (i.e., competência, confiança, cuidar, conexões and carácter) têm sido consideradas componentes-chave que devem ser integradas nos programas de intervenção (Bowers et al., 2010; Lerner et al., 2005; Petitpas et al., 2005).

Assim, parece existir um consenso na comunidade científica na área das ciências do desporto acerca do potencial existente no desporto para promover o DP (Martinek et al., 2006).

2 Este capítulo originou um artigo aceite para publicação na revista International

44

Em diversos países têm sido desenvolvidos programas de intervenção neste domínio, sendo evidente a sua eficácia na promoção do DP através do desporto, como por exemplo no Canadá (Barker & Forneris, 2012), Nova Zelândia (Gordon et al., 2012), Coreia do Sul (Jung & Wright, 2012), Espanha (Escartí et al., 2012) e Estados Unidos da América (Hellison, 2011). Por exemplo, Ward, Parker, Henschel-Pellett e Perez (2012) analisaram as perspetivas de alunos que participaram num programa de intervenção com o objetivo do desenvolvimento da responsabilidade pessoal e social (DRPS) através de um clima positivo, de suporte e empowerment. Os resultados demonstraram que neste programa foram promovidas competências como a cooperação, trabalho em equipa, respeito, autonomia, sendo que os alunos reconheceram a importância de aprender a tomar decisões e aceitar as suas consequências. Em Portugal, esta linha de investigação ainda se encontra na sua fase inicial (Esperança et al., 2013), no entanto têm sido desenvolvidos alguns trabalhos, tanto ao nível de mestrados como de doutoramento que necessitam agora de aprofundamento e continuidade (Martins, 2014; Martins et al., 2015).

Os objetivos das investigações têm sofrido alterações, verificando-se uma preocupação em compreender as características das intervenções dos agentes desportivos com o objetivo do DP e a promoção de competências para a vida (Camiré et al., 2014; Vella et al., 2011; Vella, Oades, et al., 2013b). O desporto é visto como um meio privilegiado para facilitar estes resultados de aprendizagem. Contudo, o desporto não pode ser perspetivado como uma experiência transversalmente positiva. Apesar de poder ser um contexto para o DP, também pode originar resultados de aprendizagem negativos como a falta de desportivismo, comportamentos antissociais e causar stress aos atletas pela ambiente centrado unicamente no desempenho (Bean, Fortier, Post, & Chima, 2014; Merkel, 2013). Assim sendo, uma questão importante deve ser colocada: Quais os fatores e agentes que podem facilitar o DP através do desporto?

Os treinadores são um dos agentes inseridos neste sistema que podem servir como facilitadores do DP, ensinar competências para a vida e promover resultados de aprendizagem significativos (Gould et al., 2007).

45

A liderança transformacional é uma abordagem que tem sido usada para desenvolver os aspetos referidos previamente (Tenling & Tafvelin, 2014; Vella, Oades, et al., 2013a). De fato, ao compreendermos a liderança dos treinadores torna-se possível clarificar como é que as necessidades psicológicas dos indivíduos são consideradas (Macquet, Ferrand, & Stanton, 2015). Considerando a importância que o DP adquire no processo de treino desportivo, estudos anteriores têm corroborado a ideia de que os treinadores identificam um conjunto restrito de estratégias pedagógicas para promover o DP (McCallister et al., 2000). A investigação existente tem também demonstrado que as filosofias de treino dos treinadores de jovens integram o DP (Collins et al., 2009; Flett et al., 2012; Gould et al., 2007; Whitley et al., 2011). Por exemplo, Camiré, Trudel e Lemyre (2011) realizaram um estudo com 15 treinadores de desporto escolar e analisaram o perfil destes agentes, tendo-se tornado clara a necessidade de aprenderem a implementar a sua filosofia de treino e de desenvolverem competências para a vida. Harrist e Witt (2012) consideraram as perspetivas de treinadores e atletas de equipas de basquetebol e verificaram a importância dada ao prazer e ao ensino de competências para a vida. O desporto escolar tem sido um dos ambientes mais estudados neste contexto (Camiré, Trudel, & Bernard, 2013; Camiré et al., 2009a; Forneris et al., 2012).

No entanto, a informação acerca de contextos de competição (Morley, Morgan, McKenna, & Nicholls, 2014; Strachan et al., 2011) ainda é escassa. Os contextos de competição centram-se no desenvolvimento desportivo e na obtenção de vitórias (Cushion, 2007), devendo os treinadores inseridos nestes contextos também proporcionar oportunidades para os atletas interagirem positivamente, divertirem-se, envolverem-se numa prática desportiva que se pretende duradoura e desenvolver competência pessoais e sociais através de um clima positivo (Côté, & Gilbert, 2009). Estes investigadores conceptualizaram um modelo de eficácia do treinador baseado nas teorias do desenvolvimento em que é referido que todos os contextos desportivos podem criar oportunidades para o desenvolvimento pessoal, apesar de existirem diferentes exigências em termos de desempenho desportivo.

46

DP difere da expressão comummente usada ‘desenvolvimento positivo dos jovens’ pelo fato de ser entendida como uma abordagem ampla que não se encontra circunscrita a jovens atletas, sendo considerada válida em diversos domínios e grupos etários. Contudo, torna-se necessário desenvolver uma descrição mais detalhada acerca do modo como o DP é percebido no alto rendimento (Côté, & Gilbert, 2009). Existem diferenças entre o desporto para jovens e o alto rendimento que se refletem também na importância dada ao DP e ao desempenho desportivo em ambos contextos. Por exemplo, em projetos escolares o DP adquire uma preponderância mais efetiva, pois em contexto de competição impera a necessidade de desempenho desportivo (Holt, Tink, Mandigo, & Fox, 2008; Säfvenbom et al., 2014).

Gould, Collins, Lauer e Chung (2007) mencionaram a importância de compreender a filosofia de treino e as práticas dos treinadores, mas também a necessidade de promover a integração do DP com objetivos de desempenho. Estes autores realçaram que o DP não pode ser encarado como inatingível em contextos de competição. É urgente utilizar uma abordagem holística, segundo a qual os atletas podem superar-se a todos os níveis (e.g., psicológico, técnico, tático) (Flett et al., 2012; Gould et al., 2006). A crença de que a competição enviesa o DP é muitas vezes veiculada por diversos clubes desportivos (Coakley, 2016). A cultura vigente de unicamente valorizar os resultados desportivos exacerba a ideia de que o DP é um objetivo impossível de atingir no alto rendimento, sendo que os treinadores são muitas vezes pressionados a aceitar esta realidade se pretendem intervir a este nível (Coakley, 2016). Neste sentido, Strachan, MacDonald e Côté (2015) no âmbito da implementação do Projeto SCORE (recurso para ajudar os treinadores a promover o desenvolvimento positivo dos jovens através do desporto) referiram que "(...) os desafios identificados tinham mais a ver com a mudança das perceções individuais acerca da promoção do desenvolvimento positivo dos jovens como parte integrante da intervenção do treinador no desporto para jovens." (p. 18). Torna-se útil utilizar abordagens que ajudem os treinadores a compreender como podem integrar o DP em contextos de competição para atletas jovens e adultos.

47

Diversos estudos como o de Morley, Morgan, McKenna e Nicholls (2014) desenvolvido com treinadores e jogadores de futebol com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos demonstram que os treinadores desconsideram o DP, concentrando-se no desenvolvimento de habilidades desportivas e no desempenho na competição. Contudo, os treinadores envolvidos na alta competição ainda têm um papel a desempenhar no processo de desenvolvimento de jovens atletas e necessitam de suprir as diferentes carências dos atletas (e.g., atletas em diferentes fases de desenvolvimento) (Forneris et al., 2012; Strachan et al., 2011). Nesta medida, a seguinte questão deve ser colocada: Será que a intervenção com o objetivo do DP termina com a transição para o alto rendimento? Os investigadores têm alertado especificamente para a necessidade de facilitar o DP no alto rendimento, sendo evidente a falta de informação neste domínio (Strachan et al., 2011). Sendo assim, é necessário aprofundar o papel desempenhado pelo treinador de alto rendimento (Chinkov & Holt, 2015).

Com base no exposto depreende-se que, os treinadores apresentam dificuldades em articular estratégias com o objetivo do DP e implementar a sua filosofia de treino, podendo os cursos de treinadores proporcionar oportunidades para que estes agentes adquiram a informação necessária para facilitar o DP (Cushion et al., 2003; McCallister et al., 2000). Tem sido salientado que os treinadores aprendem a promover o DP através de diferentes contextos (e.g., situações de aprendizagem formais, informais) (Camiré et al., 2014), o que sugere a necessidade de iniciativas como o Projeto SCORE (Project SCORE, 2015) e outros recursos. Os treinadores devem ser expostos a experiências práticas para que possam aprender através de um contexto significativo e refletir sobre os seus erros e sucessos (Cushion et al., 2003; Koh, Mallett, Camiré, & Wang, 2015; Vella, Crowe, et al., 2013; Wright, Trudel, & Culver, 2007).

48

Os treinadores de alto rendimento podem aprender a facilitar o DP através de diferentes situações, sendo necessária mais informação acerca da utilidade dos cursos de treinadores.

Dado o exposto, o objetivo deste estudo foi, a partir das perceções de treinadores de futebol de alto rendimento, analisar a importância que é atribuída ao DP neste contexto. Quatro questões de investigação orientaram este estudo: (a) Como é que os treinadores definem a sua filosofia de treino?; (b) Quais os resultados de aprendizagem associados ao alto rendimento? (c) Qual o papel dos cursos de treinadores para a promoção do DP? (d) Como é que os treinadores se descrevem como líderes?; (e) Quais as estratégias utilizadas para facilitar o DP?