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Inversão na representação dos gêneros

Negociação e negação em relações contraditórias

5.4 Inversão na representação dos gêneros

Tanto na fala de Aluízio como nas demais, há uma positivi- zação da mulher. A mulher (em nenhum momento eles disseram “a minha mulher”, mas “a mulher”) é representada como símbolo de garra, de vontade, de sensibilidade, de energia, de força de vontade, de firmeza e determinação. Com relação à representação que fazem dos homens, acreditam que eles têm muito que aprender com as mulheres, traçando um quadro de “pobreza espiritual” dos homens. O que é valorizado como algo que deve ser seguido é o modelo femi- nino. Não se trata de “elogiar a diferença”, pensando-a como comple- mentaridade, ou seja, o que o homem não tem, a mulher tem. Isto também não se limita à esfera da casa (uma boa mãe, companheira). As qualidades femininas são bastante ressaltadas tanto nos aspec- tos referentes à subjetividade, quanto na interação no ambiente de trabalho.

A mulher é mais sensível, é mais aberta. Eu tenho apren- dido demais com a mulher. Dessa sensibilidade que é mais aguçada. Na minha formação anterior, talvez eu achasse que a mulher é um sexo frágil. Mas hoje, eu não tenho a menor dúvida. Tanto que eu busco isso – talvez despertar esse lado feminino meu. Com certa dificuldade, mas cada vez com mais certeza de que eu tenho que experimentar e descobrir a potencialidade que tem esse lado. Até porque meu outro lado não me mostrou muita coisa não (Otávio).

Eu acho que a mulher é melhor do que o homem. A mulher tem mais habilidade do que o homem. Para te ilustrar, do ponto de vista profissional, isso está acontecendo com uma frequência muito grande. Sinto que as mulheres estão tomando conta das posições masculinas com muito mais competência. Principalmente em termos de liderança, de

garra até profissional mesmo. Muito sério. O SEBRAE hoje é uma instituição em que as mulheres estão tomando conta totalmente de todas as áreas. Lá, equipes inteiras são for- madas por mulheres. Os homens são exceções. São gatos pingados (Cícero).

O homem manda mais. Aí é que tá o negócio. Você trabalha com a mulher sem ter a sensação de estar sendo mandado. Já aconteceu no começo da minha carreira profissional ser chefiado por uma mulher. Houve um período em que as mulheres, para se firmarem, adotaram uma posição muito radical e tiveram que fazer isso porque não tinha chance delas entrarem. E nessa época eu senti isso. Eu também era mais novo, compreendia menos essas coisas. E que eu fui chefiado por uma mulher. Hoje, minha ideia, minha imagem é completamente diferente. Eu não sinto nenhum problema de ser chefiado por uma mulher. Ser dirigido. Eu acho que elas são mais cooperativas. Elas trabalham mais com a liderança do que com o mando. São mais cooperati- vas (Aluízio).

Eu não acho que a mulher seja frágil, não. Chegaram a dizer que emocionalmente as mulheres são mais fortes que o homem nesse momento. Eu não sei se eu estou me espe- lhando nisso, mas eu acho que a mulher é mais forte que o homem (Olavo).

Tais falas coincidem com a afirmação de Nolasco71, segunda a

qual houve uma inversão na representação social do homem. Em um curto espaço de tempo, apenas 30 anos, o homem (provedor material e chefe da família), que era representado através de seriados como

“Papai sabe tudo”, passou a ser representado por personagens como Homer Simpson, do seriado “Os Simpsons”, ou Dino, o dinossauro- -pai do seriado “A Família Dinossauro”. Homer e Dino têm alguns traços em comum: são alheios a tudo que diz respeito aos filhos e a casa, não gostam de pensar e trocam qualquer coisa por uma cerve- jinha72. “O poder é ter o controle remoto da televisão”73. Enquanto

as mulheres construíram modelos positivos, o homem está carente deles. É como se o masculino deixasse de agregar valor ao indiví- duo. Isto faz alguns homens buscarem outro campo de representação (identificado socialmente com feminino) para denominar vivências não classificáveis como pertencentes ao padrão comportamental masculino.

Ao contrário das falas dos homens, as mulheres definem seus companheiros como exceção, na definição do jeito do homem agir74.

Para elas, o padrão de masculinidade é aquele que vê a mulher como inferior, como frágil, que está mais preocupado com o “gozo” dele.

Os outros homens que eu conheci, os outros namorados, principalmente os mais novos, é uma imaturidade, uma coisa que não aprendeu ainda a ser. Não desenvolveu ainda. Eu já tive uns namorados que “meu Deus do céu!”, eram broncos de tudo. Possessivos, não sabem o que é o aconchego, não sabem o que é namorar. Já tive relações

72 Em um dos episódios de “A Família Dinossauros”, a filha pergunta à mãe: “– Mãe, os machos já nascem nojentos?

– Essa pergunta já vem sendo feita há milênios. Eles já nascem nojentos, mas têm que conviver com os outros para se tornarem insuportáveis”.

73 Fala de Dino, em um dos episódios exibidos pela Rede Globo.

74 Algumas telenovelas oferecem um rico material para análise das mudanças nas representações dos gêneros. Fernando de Barros e Silva, na Tvfolha de 25 de janeiro de 1998, afirma que na novela “Por amor”, do autor Manoel Carlos, não há personagens masculinos, mas apenas mulheres e “bananas”. Eles não passam de escadas ou penduricalhos funcionais. Os homens não atuam, constam na tela, são homens de cera, “fantoches falantes”.

que contrastam drasticamente com a que eu tenho hoje (Cleonice).

Homens e mulheres reconstroem a imagem do seu gênero e do outro gênero à medida que novas concepções de relação são construídas. A concepção igualitária propicia uma desconstrução da imagem da mulher associada a valores considerados negativos (tais como emoção, fragilidade, resignação, incapacidade das mulheres em usar a razão, incapacidade de lutar contra ocorrências adversas, conformada com seu destino de ser dona de casa, insegura etc.) não corresponde à realidade para os entrevistados. Modelos comporta- mentais tidos como tipicamente femininos, como a sensibilidade e a afetividade são positivados, ao mesmo tempo em que outros, como a racionalidade, a garra, a obstinação, a determinação, são alocados no feminino.

Esse processo de redefinições da imagem que se produz dos gêneros vincula-se às mudanças que estão sendo gestadas nas rela- ções de gênero. A valorização do feminino e uma crítica aos modelos comportamentais vinculados ao masculino podem significar uma redistribuição de poder nas esferas sociais que agregam valor ao indi- víduo, no caso, a esfera pública. Para verificar tal relação, acredita- -se serem necessários estudos que vinculem o estudo das relações de gênero a contextos específicos e não mediante generalizações.

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A ideologia individualista e