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Masculinidade hegemônica e outras masculinidades

3.1 Masculinidade e homofobia

Para Kimmel, o fato dos homens provarem sua masculini- dade perante outros homens é tanto uma consequência do machismo como um de seus principais sustentáculos. No entender do homem, é tão baixa a posição que a mulher ocupa na sociedade, que é inútil a tentativa de definir a si próprio em relação à mulher. A mulher torna-se uma espécie de moeda que o homem usa para melhorar sua colocação na escala social masculina. A masculinidade é um processo de aprovação social masculina: “we test ourselves, perform heroic feats, take enormous risks, all because we want other men to grand us our manhood”51 (KIMMEL, 1994, p. 129). Admitindo-se

que a masculinidade é uma aprovação social, sua emoção dominante é o medo. Medo em ser confundido com mulher, medo que os outros homens percebam a sensação de insuficiência.

A homofobia é um princípio lógico fundamental em nossa definição cultural de masculinidade. A homofobia é mais do que o medo irracional de gays, mais do que o medo de ser considerado gay. A homofobia é o medo de que outros homens desmascarem, emas- culem, revelem aos próprios homens como ao mundo, que aqueles que se dizem homens não são dignos, não são homens de verdade. Medo de deixar outros homens verem este medo. O medo provoca também uma sensação de vergonha, pois o reconhecimento do medo é uma prova para os próprios homens de que não são tão másculos quanto simulam ser.

Kimmel cita uma “armadilha” que os adolescentes fazem para saber se o colega é homem ou gay: pedem ao garoto que olhe para as unhas dos dedos das mãos. Se ele virar a palma da mão para o rosto

51 “Nós nos testamos, falamos dos feitos heróicos, de assumir riscos enormes, tudo porque queremos que outros homens engradeza nossa humanidade” (Tradução livre).

e dobrar os dedos para olhar, passa no teste: ele é homem. Mas, se esticar o braço e deixar a mão espalmada para mirar as unhas são imediatamente ridicularizados. É como se houvesse uma polícia sexual entre os próprios homens, que controla a forma como os cole- gas estão andando, que deve ser com passadas largas e pernas separa- das; como seguram os livros, se os levarem muito apertados contra o peito pode levantar suspeitas; nas cores das roupas; no modo de con- versar. Todo trejeito, todo movimento transmite um código sexual52.

A maior parte dos rapazes internaliza essa norma social e adota maneiras e interesses masculinos, tendo como custo, frequentemente, a repressão dos seus sentimentos. Esforçar-se de forma demasiadamente árdua para corres- ponder à norma masculina pode levar à violência ou à crise pessoal e a dificuldades nas relações com as mulhe- res (CONNELL, 1995, p. 190).

Nesse sentido, a homofobia, o medo de se ser considerado gay53, faz com que os homens exagerem em todas as regras tradicio-

nais de masculinidade, inclusive na prática de se procurar ter relações

52 Nas páginas anteriores (Capítulo I), referindo-me à experiência de geração dos entrevistados, citei Winick (1972, p. 32), segundo o qual estava sendo gestada uma “despolarização comportamental entre os sexos”. Ao fazer tal afirmação, não estava propondo uma generalização para toda sociedade brasileira. Na ver- dade, acredito que, ao mesmo tempo em que há uma despolarização em alguns setores da sociedade, há diversas reações às mudanças. Entre elas destaco o res- gate, às vezes de forma violenta, da homofobia.

53 Um caso de homofobia marcante aconteceu no povoado de Santo Antonio dos Barreiras, no estado do Rio Grande do Norte, no dia 23 de maio de 1997. O comerciante e ex-soldado Genildo Ferreira matou 15 pessoas a tiros ao longo de 22 horas consecutivas. Ao ser capturado, disparou um tiro no próprio peito. A ira do comerciante foi provocada pelos boatos espalhados na cidade, que colo- cavam dúvidas sobre sua virilidade. Para provar que não era gay, Genildo utili- zou um dos principais qualificadores do “ser homem” na sociedade brasileira: a violência.

sexuais com quantas mulheres for possível. Homofobia e machismo caminham de mãos dadas.

Os homens ficam deprimidos devido à perda de prestígio e poder no universo masculino. Não se trata da perda de dinheiro ou dos bens materiais que o dinheiro poderia comprar. Estes não geram o desespero e, potencialmente, a autodestruição. Trata-se da “vergo- nha”, da “humilhação”, da sensação de “fracasso” pessoal. O homem entra em desespero quando deixa de ser homem entre os homens, quando outros homens riem dele.

A homofobia está intimamente ligada tanto ao machismo quanto ao racismo. O medo, que pode ser consciente ou não, de que outras pessoas possam considerá-los homossexuais obriga-os a acei- tar todo o exagero de algumas formas de comportamentos e pontos de vista masculinos, para ter a garantia de que não haja a possibili- dade de alguém fazer uma ideia equivocada ao seu respeito.

One of the centerpieces of that exaggerated masculinity is putting women down, both by excluding them from the public sphere and by the quotidian put-downs in speech and behaviors that organize the daily life of the American men. Women and gay men become the “other” against which heterosexual men project their identities, against whom they stack the decks so as to compete in a situation in which they will always win, so that by suppressing them men, can stake a claim for their own manhood54

(KIMMEL, 1994, p. 134).

54 “Uma das peças fundamentais da masculinidade é colocar as mulheres para bai- xo, tanto por excluí-las da esfera pública, e pelo cotidiano coloca-lás para baixo nas falas e comportamentos que organizam a vida diária dos homens america- nos. Mulheres e homens gays se tornaram o “outro” contra o qual os homens heterossexuais projetam suas identidades, contra quem empilham seus bara- lhos para competir na situação em que eles vão ganhar sempre, de modo que, suprimindo-os, podem apostar na reivindicação de sua própria masculinidade” (Tradução livre).

A homofobia é uma das forças motrizes da definição de mas- culinidade hegemônica; a definição de masculinidade prevalecente é um esforço defensivo para se evitar ser emasculado. Com os esforços dos homens para reprimir ou superar medos, a cultura dominante cobra um preço alto daqueles considerados não plenamente más- culos: os gays, os homens negros, os homens sensíveis, os homens bissexuais, os homens pobres. Esta perspectiva poderá ajudar a escla- recer um paradoxo na vida dos homens, um paradoxo no qual os homens têm praticamente todo o poder e ainda assim não se sentem poderosos.

A dimensão de poder é agora reinserida na experiência do homem não apenas como o produto da experiência individual, mas também como o produto das relações com outros homens. Neste sentido, a experiência de impotência do homem é real – o homem a sente de fato e nela certamente age – mas ela não é legítima, isto é, ela não é exata ao descrever sua condição. Em contraste com a vida da mulher, a do homem é estruturada com base em relações de poder e no acesso diferenciado que o homem tem ao poder, bem como o acesso diferenciado ao poder do homem visto coletivamente.

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A emergência de uma