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3. METODOLOGIA

3.3. O PONTO DE CHEGADA : UM ESQUEMA PRAXEOLÓGIO CRÍTICO

3.3.1. Nivel B: Investigação

3.3.1.2. Investigação disposicional (habitus)

A análise disposicional (BOURDIEU; WACQUANT, 1992) é um momento analítico essencial do nosso percurso, visto que prova, contraria ou complementa o que foi descoberto na etapa anterior sobre a estrutura social e simbólica da fração do subcampo. O habitus inclui tanto a dimensão temporal como informal das relações organizacionais, destarte, é nessa etapa que se tem uma análise factual dos mecanismos e estruturas “invisíveis” do ambiente real (OZBILGIN; TATLI, 2005).

Ademais, como bem colocam Emirbayer e Johnson (2008), ao analisar os habitus e os esquemas disposicionais (além das posses de capital, as quais serão investigadas com mais afinco posteriormente) que operam em contextos organizacionais, é possível identificar informações sobre as posições e posturas dos agentes dotados desses habitus específicos. Em outras palavras, é o habitus que estrutura a percepção que o indivíduo tem sobre as posições e decisões que são mais apropriadas ou desejáveis do que outras, dado que as práticas emergem de um senso prático orientado por tendências, propensões e inclinações determinadas por um “porvir provável que ele [ator] antecipa e contribui a fazer porvir porque o lê diretamente no presente do mundo presumido” (BOURDIEU, 2009, p. 106). Ainda, analisar as disposições emocionais, nesse caso, possibilitaria encontrar informações sutis, como os esquemas motores e automatismos emocionais e axiológicos que os consultores comportamentais empregam ao agir e sentir o porvir nas práticas emocionais que influenciam em suas posturas e possibilidades de deslocamento.

Como explica Thiry-Cherques (2008), a análise disposicional envolve duas vertentes: a inercial, relacionada principalmente ao habitus primário dos agentes que definiram modos de ser duráveis, e a dinâmica, a qual corresponde às estratégias e à conduta do presente, definindo o habitus secundário (WACQUANT, 2016). Ambas vertentes serão consideradas, mas a segunda assume um papel mais crucial segundo os objetivos da pesquisa, posto que, conforme foi devidamente discutido no referencial teórico, o habitus secundário (híbrido) considera a fluidez atual do espaço social contemporâneo e a multiplicidade de instâncias socializadoras secundárias que são incorporadas pelos indivíduos. A segunda vertente busca apurar também como os agentes incorporam as práticas sociais e sua dimensão emocional que são estruturadas pelas condições do subcampo e de suas frações. Condições essas que envolvem adestramentos, representações, condutas estratégicas, valores, regras e normas de sentimento, etc.

Desse modo, as técnicas de pesquisa adotadas visam compreender aspectos vividos posteriormente pelos informantes em diferentes ambientes organizacionais e em seus ofícios atuais, se for o caso, aspectos esses relativos às suas trajetórias, atitudes, crenças, emoções e escolhas, posto que os indivíduos pertencem, sequencialmente e simultaneamente, a uma

pluralidade de organizações e instituições, como famílias, igrejas, grupos políticos, sindicatos, esportivas, educacionais e assim por diante (VAUGHAN, 2008). É diante dessas informações que visamos identificar também os possíveis desajustes entre habitus e campo nas trajetórias pessoais e profissionais dos informantes e, por conseguinte, como essas histereses se manifestam em disposições e práticas emocionais que impactam diretamente a estrutura do capital emocional.

Para fins de investigação, iremos considerar que o habitus é estruturado por três dimensões: ethos, eidos e héxis, as quais estão inevitavelmente entrelaçadas nas atividades práticas dos agentes (PETERS, 2013). Apesar de Bourdieu (1983, p. 104) afirmar que essa divisão do habitus gera o risco de reforçar uma visão realista e pensar em termos de instâncias separadas, proceder-se-á desse modo, posto que, como comenta Swartz (1997, p. 109), a “própria versatilidade conceitual muito atraente [do habitus] às vezes deixa ambíguo o que exatamente o conceito designa empiricamente”.

Everett (2002), Rosa et al. (2009) e Misoczky et al. (2009) recomendam para investigar o habitus em contextos que envolvem organizações a análise das práticas discursivas através de entrevistas, técnica que o próprio Bourdieu utilizou diversas vezes (HARDY, 2018). Porém, como buscamos compreender não somente as disposições sociais do habitus, mas sobretudo as emocionais, serão realizadas entrevistas semi-estruturadas (BAUER; GASKELL, 2008; HOLSTEIN; GUBRIUM, 2004) para investigar as “semioses incorporadas” dos agentes, as quais serão analisadas a partir dos princípios das práticas afetivo-discursivas (WETHERELL, 2012) e da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 2001).

A dimensão corporal das disposições (héxis) descreve os princípios incorporados pelos agentes, isto é, maneiras duráveis de se portar, falar, andar, sentir e pensar (BOURDIEU, 2009) que se ajustam às regularidades do subcampo e suas frações e permitem aos indivíduos agirem por um senso prático diante dessas estruturas. As disposições emocionais, nesse contexto, representam os roteiros relacionados à linguagem e a atuação emocional que os indivíduos empregam nas práticas para responder emocionalmente de modos específicos a certas situações. Essa é uma etapa preliminar para identificar a configuração e volume de capital emocional que os agentes possuem, etapa essa que será complementada com uma posterior análise dos capitais e suas relações no subcampo. Ademais, a investigação da héxis durante as entrevistas também será fundamental para a análise crítica das semioses incorporadas, etapa que será efetivamente realizada no nível C do percurso metodológico.

As duas outras dimensões (eidos e ethos) representam, respectivamente, como os agentes aprendem a realidade intelectualmente e axiologicamente, isto é, qual lógica de conduta

adotam perante as relações simbólicas que se estabelecem no espaço que estão inseridos e quais os esquemas práticos e axiológicos que empregam segundo a moral cotidiana do campo (THIRY-CHERQUES, 2008). Como bem lembra Voronov (2013), em se tratando de emoções, a investigação do ethos permite-nos entender quais emoções são mais valiosas e quais não são em um determinado contexto, pois essas refletem os julgamentos morais e valores que são legítimos nesse contexto. Essas duas dimensões, por revelarem um conjunto de pressupostos cognitivos e avaliativos tacitamente e “naturalmente” aceitos e praticados pelos agentes, representam a illusio e a doxa do campo, ambas ligadas às “regras do jogo” (BOURDIEU, 2007), as quais também estão relacionadas aos aspectos estruturais do campo que orientam as práticas emocionais.

ETAPA 2 – HABITUS PRIMÁRIO E SECUNDÁRIO DOS AGENTES

Questões Relações teoria (Bourdieu) e

pesquisa Objetivo das perguntas

Como é o dia a dia do seu trabalho? Sua rotina?

Refletir sobre a cumplicidade

habitus-campo; dimensões disposicionais do habitus,

principalmente a héxis; posturas dos agentes.

Entender o cotidiano dos agentes e suas atividades práticas.

Qual a sua escolaridade? Investigar qual o volume e composição do capital cultural e seus subtipos dos agentes; avaliar princípios de distinção e diferenção do campo, assim como as disposições do habitus.

Avaliar o capital cultural e capital cultural incorporado e institucionalizado dos

consultores.

Há quanto tempo você

trabalha nessa área e nessa empresa (se for o caso)?

Trajetória social e profissional dos agentes e o quanto incorporou do campo; relações entre disposições adquiridas e posições ocupadas no campo; deslocamentos transversais ou verticais; nível de incorporação das estruturas no habitus.

Compreender a antiguidade do consultor no campo.

Você se sente realizado(a) profissionalmente hoje?

Compreender a motivação e interesse dos agentes no campo.

Investigar a relação dialética entre disposições e posições;

avaliar a illusio e interesse dos agentes; disposições do habitus,

principalmente eidos e

disposições emocionais. Qual a sua maior motivação

e/ou fonte de prazer nesse trabalho? O que te gera desprazer e/ou insatisfação?

Compreender a motivação e interesse dos agentes no campo,

assim como fatores de

desmotivação.

Investigar a relação de cumplicidade habitus-campo;

aspectos estruturais e

simbólicos do campo; volume e configuração do capital emocional; quais os aspectos relacionados aos clientes. Você saberia me dizer quais

são os valores mais

importantes que você segue na sua profissão e vida pessoal?

Investigar aspectos mais subjetivos dos habitus dos agentes e a relação desses com a fração de subcampo.

Confirmar a illusio do campo; disposições (eidos e ethos) do

habitus; interesse dos agentes;

aspectos relacionados ao capital emocional; nível cumplicidade

habitus-campo

Quadro 4 – Questões para compreensão das disposições (habitus) no campo Fonte: elaborado pelo autor

As questões do Quadro 2 representam um momento essencial do nosso percurso, visto que é nessa etapa que nossa atenção é direcionada para as subjetividades socializadas, isto é, para a compreensão das estruturas mentais e esquemas disposicionais dos consultores comportamentais. Como dito anteriormente, essa etapa complementa a anterior assim como as próximas, visto que as práticas são resultantes das relações entre nossas disposições e capitais dentro das atuais circunstâncias do jogo de disputas sociais históricas (campo). Nesse sentido, na próxima etapa descrevemos como serão investigados os capitais que circulam no espaço da consultoria comportamental.