• Nenhum resultado encontrado

3. METODOLOGIA

3.3. O PONTO DE CHEGADA : UM ESQUEMA PRAXEOLÓGIO CRÍTICO

3.3.1. Nivel B: Investigação

3.3.1.3. Investigação dos capitais

A análise disposicional permite compreender quais os capitais incorporados pelos agentes, como o cultural e alguns de seus subtipos (por exemplo, o capital linguístico e organizacional) e o capital emocional (subtipo mais incorporado do capital cultural). Contudo, é a análise sobre a composição dos capitais e sua relacionalidade que permitirá entender a estrutura e funcionamento da fração do sub-campo e como as disposições são praticadas no

social, principalmente pela relação dialética que essas estabelecem com as posições e estratégias dos atores no campo, além das relações de poder. Como bem lembram Bourdieu et al. (2007), é necessário que

seja construído o sistema das relações objetivas nas quais os indivíduos se encontram inseridos e que se exprimem mais adequadamente na economia ou morfologia dos grupos do que nas atitudes, opiniões e aspirações individuais que tem a possibilidade de proporcionar o princípio explicativo do funcionamento de uma organização, mas a apreensão da lógica objetiva da organização é que conduz ao princípio capaz de explicar, por acréscimo, as atitudes, opiniões e aspirações (p. 29)

Lembrando que o espaço das posturas simbólicas é subjetivo e pessoal, e “suas estrururas são derivadas de atitudes individuais, disposições mentais e incorporadas e outras ‘distinções’ pessoais – todas as propriedades simbólicas que são definidas como habitus” (HARDY, 2018). Esse espaço de posturas simbólicas se constitui pelo conjunto e pela varidade do habitus de cada indivíduo. Os profissionais se distinguem entre si por estratégias e ações simbolicamente significativas, como por exemplo aquelas relacionadas à serviços, tarefas, atos, argumentos, os quais derivam seu significado semiótico de forma relacional com a diferença entre outras posturas. Porém, as pesquisas organizacionais têm dedicado maior atenção em explicar essas diferenças principalmente por capitais em sua forma econômica, social, política e humana, e não através de outras formas de capital, como o cultural, emocional e simbólico.

O capital social, por exemplo, tem sido alvo de pesquisa organizacional porque geralmente se evidencia como um recurso de poder que explica o sucesso dos atores naquele espaço (ADLER; KNON, 2002). Nesse contexto, como discutem Emirbayer e Goldberg (2005), a análise desses princípios de diferenciação nas organizações tem sido mais tipicamente focalizada sobre os contextos sócio estruturais e culturais, o que os leva a propor as emoções (no estudo trataram sobre emoções coletivas) como uma terceira dimensão potencialmente capaz de explicar um espaço de relações de oposição e diferenciação50.

Nessa etapa retornamos novamente o foco de investigação sobre os princípios de diferenciação e distinção que regem o a fração do subcampo analisada, dessa vez pelas informações que desvendam a dinâmica de capitais, logo a dinâmica de poder. Com bem explica Grenfell (2018), “os princípios primários mais importantes de diferenciação devem ser atribuídos tanto ao volume quanto à configuração particular de capital” (p. 282). Como afirma

50 Os autores sugerem, nesse contexto, que é um caminho promissor e necessário para a pesquisa organizacional é

considerar as emoções como um domínio analítico nas organizações seguindo o quadro teórico relacional de Bourdieu (EMIRBAYER; GOLDBERG, 2005)

Thiry-Cherques (2006; 2008), essa é uma etapa dificultosa do método de Bourdieu, posto que exige uma compreensão daquilo que é pouco evidente e não imediato, principalmente no que tange o exercício do poder simbólico e o desconhecimento dos agentes dessa relação.

Além disso, a partir do momento que nossa análise se realiza mediante etapas anteriores e posteriores, visa transcender uma limitação comum das pesquisas em estudos organizacionais que utilizam da noção de capital, a qual Emirbayer e Johnson (2008) descrevem como a não apreensão plena da natureza relacional do capital, isto é, a não consideração dos usos passados e presentes dos capitais, a estrutura do campo em que se inserem e suas diferenças diante de outras espécies de capital51. Assim sendo, a análise se dará inicialmente sobre três questões fundamentais: quais os capitais efetivos; o que se pretende ao investir; qual a configuração dos capitais efetivos e operacionais (THIRY-CHERQUES, 2006; 2008).

O primeiro passo, lembrando que todos ocorrem de modo simultâneo na prática, visa listar os capitais específicos e operacionais da fração do subcampo. Esses capitais específicos são aqueles que são vistos como “objetos” de disputa reconhecidos por todos os agentes do campo. São recursos de poder que garantem a reprodução das estruturas sociais ou sua subversão, a partir da manutenção de posição ou do deslocamento entre posições. Historicamente cada campo possui seus conhecimentos e capitais efetivos, como o científico é para o campo acadêmico ou o cultural é para o artístico, além de outros tipos que também são relevantes em cada espaço. Em se tratando de subcampo e suas frações, podemos supor que esse contexto reflete diretamente o campo social maior que a engloba, como o campo econômico, logo, o capital global é significativamente efetivo naquele contexto, o que seria nesse caso o capital econômico ou social, no entanto, numa organização cultural, por exemplo, é inegável a especificidade e valor do capital cultural. Nesse sentido, a proposta dessa etapa do percurso metodológico é identificar o(s) capital(is) mais relevante(s) na organização objeto de estudo e como o capital emocional está associado à essa espécie dominante.

O segundo passo envolve verificar como se dá a distribuição de poder relacionada aos capitais. Assim esperamos desmitificar o que os agentes buscam ao investir (seguir o senso do jogo) no campo, complemetando as etapas anteriores e revelando as formas de poder que ali podem ocorrer. A distribuição desigual de poder ou de outros fatores, no caso de contextos organizacionais, podemos citar esses outros fatores, por exemplo, rentabilidade,

51 Como discutido no capítulo referente às conversões entre capitais, existem alguns avanços teóricos e empíricos

que desvendam essas relações entre capitais em contextos organizacionais. No entanto, como também discutido no capítulo sobre capital emocional, há poucos estudos na literatura que investiguem as relações entre esse último e as demais formas de capital.

reconhecimento, responsabilidade, etc., é incorporada pelos indivíduos e produz pensamentos, sentimentos e comportamentos correspondentes (THIRY-CHERQUES, 2008). Os investimentos dos agentes inserem-se nessa lógica configurada pelo meta-campo do poder, sempre visando ou a manutenção de uma posição ou a mobilidade para outra melhor a partir do acúmulo, aquisição ou conversão entre capitais. Ainda, diante das informações obtidas pelos passos anteriores, serão investigadas as correlações entre os capitais e as suas conversões.

Como exemplos na literatura organizacional podemos citar o trabalho de Gomez e Bouty (2011) e Kerr e Robinson (2009), em que os primeiros, ao estudarem o campo da haute

cuisini francesa identificaram os capitais efetivos desse campo, assim como o capital simbólico,

técnico e social, que consistia, respectivamente, na avaliação por estrelas do guia turístico Michelin, na habilidade relacionada inovação, criatividade e domínio técnico na prática gastronômica e na cobertura da mídia e redes de relações ou parentescos. Enquanto que os segundos autores, ao analisarem uma organização britânica pelo método da observação participante, verificaram a relevância do capital social, representando pela rede de relacionamentos, do capital cultural, ligado a qualificação individual e do capital acadêmico, relacionado à qualificação acadêmica. Nesse estudo o capital social e cultural se convertia em capital político no âmbito daquela organização e o capital acadêmico era desvalorizado, não sendo considerando, portanto, um dos capitais dominantes.

No caso do capital emocional, supõe-se que agentes dominados geralmente têm uma estrutura e volume desse capital mais especializada, reproduzindo assim suas posições frente ao meta-campo do poder. No entanto, dependendo da quantidade e composição do capital emocional, o indivíduo pode convertê-lo em estoques de capital dominante e simbólico e almejar deslocamentos verticais naquele subcampo. Para McAvoy (2014), a compreensão subjetiva própria dos agentes, suas representações e práticas como indivíduos que se sentem felizes, tristes, desesperados, responsáveis, competentes, adequados, etc., não são inatas, mas elaboradas a partir de aspectos ideológicos disponíveis e dominantes. Nesse sentido, espera-se que a coleta de dados dessa fase e das anteriores explique as hierarquias afetivas presentes no campo e, desse modo, proporcionem as informações necessárias para compreender as qualidades emocionais que configuram o capital emocional como um recurso de poder. As técnicas e procedimento empregado para a coleta de dados na etapa de exame dos capitais é a mesma da etapa anterior: entrevistas semi-estruturadas (BAUER; GASKELL, 2008; HOLSTEIN; GUBRIUM, 2004).

ETAPA 3 – CAPITAIS

Questões Relações teoria (Bourdieu) e

pesquisa Objetivos das perguntas

Vou citar alguns recursos e qualidades e gostaria que você comentasse, se possível em ordem de importância, quais desses fatores você acha que representam os motivos pelos quais os clientes procuram seu serviço. Quais você considera que são mais importantes na profissão de consultor.

*Conhecimento; cultura

elevada; estilo de vida; boa comunicação e apresentação em público; decoro. *Qualificações e títulos acadêmicos; certificados de estudo e cursos. *Networking e rede de contatos. *Prestígio profissional; reputação; crédito; confiança; status. *Marketing; publicidade; equipe de vendas. *Procedimentos; atitudes; competências técnicas.

Identificar quais são os capitais operacionalizados e valorizados na fração de subcampo; capital

cultural incorporado,

institucionalizado e objetivo; capital simbólico; capital social; capital comercial; capital organizacional; capitais são

resultantes da própria

consultoria comportamental ou dos imperativos de outros campos; princípios de distinção e diferenciação relacionados ao volume e composição dos capitais; estratégias e interesses dos agentes; grau de autonomia da fração de subcampo.

Compreender quais os capitais específicos e efetivos da fração de subcampo e como eles são estruturados.

CAPITAL EMOCIONAL O seu trabalho, ao longo dos

anos, influenciou no modo como você lida com as suas próprias emoções? Se sim, como?

Investigar as estruturas emocionais da fração de subcampo; entender como o capital emocional se configura; disposições emocionais; capital

Investigar como a consultoria comportamental influencia e influenciou nos modos de experienciar, lidar e gerenciar as emoções dos agentes.

emocional incorporado; acúmulo de capital emocional; princípios de distinção e diferenciação ligados ao capital emocional.

Com base em suas vivências e experiência, quais modos de gerenciar e mobilizar as emoções você considera que foram fundamentais para você avançar na carreira de consultor? Por que?

Como o capital emocional se configura como um recurso de poder e pode garantir vantagens sociais; qual a configuração do capital emocional dominante;

processos de conversão

relacionados ao capital emocional; princípios de distinção e diferenciação ligados ao capital emocional; posse, acúmulo, investimento capital emocional incorporado; disposições do habitus e trajetória social e profissional dos agentes; aquisição, volume, acúmulo e investimento de capital emocional.

Compreender como as formas de experienciar, mobilizar e

gerenciar as emoções

funcionam como recurso.

Para você, quais emoções e formas de gerenciá-las são

mais valorizadas pelas

organizações atualmente? O

que funciona como

competência nesse cenário?

Disposições emocionais;

estruturas emocionais da fração de subcampo; capital emocional incorporado; conversão de capital emocional em capital

simbólico e econômico;

configuração e reconhecimento do capital emocional; relações de poder simbólico; princípios de diferenciação e distinção ligados ao capital emocional.

Entender como as emoções e as formas de experiênciá-las se configuram como um recurso de conhecimento e poder.

Você saberia me dizer como você adquiriu ou desenvolveu esses “modos”?

Processos de aquisição primária e secundária de capital

emocional, assim como

Investigar as formas de aquisição de capital emocional

acúmulo e investimento; princípios de diferenciação e distinção ligados ao capital emocional; trajetória social e profissional dos agentes.

em socializações primárias e secundárias.

Como você transmite isso aos seus clientes? Organizações e pessoas isoladas. Investigar as estruturas emocionais da fração de subcampo; entender os processos de transferência e circurlação de capital

emocional entre consultor- cliente; configuração do capital

emocional; natureza do

conhecimento na consultoria comportamental; processos de conversão do capital emocional; relações de poder simbólico.

Entender de que modo os consultores operacionalizam o conhecimento relacionado às

emoções na prática da

consultoria comportamental.

Quadro 5 – Questões referentes aos diversos tipos de capital (social, cultural simbólico, emocional) do campo

Fonte: elaborado pelo autor

Pelas informações dispostas anteriormente e de acordo com o Quadro 5, deixamos claro que nosso objetivo nessa etapa é identificar quais são os capitais específicos e operacionais na fração do subcampo analisada. Em outras palavras, cada capital tem seu valor definido de acordo com as estruturas do campo, logo, esperamos compreender quais são esses capitais valiosos que estão em jogo na consultoria comportamental. Ainda, esperamos obter informações nessa etapa que expliquem a forma como o capital emocional é estruturado e ativado no contexto da consultoria comportamental e qual a composição e volume desse recurso de poder de posse dos agentes. Com a realização dessa etapa e das anteriores podemos compreender os detalhes da pluralidade de práticas sociais e emocionais das quais os consultores comportamentais fazem parte e que constituem o universo da consultoria comportamental. É com base nessas descobertas que a próxima etapa tem como objetivo identificar quais as lógicas das práticas envolvidas e de que modo elas operam.