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Investimentos públicos: há razões para não usar a margem de redução do superávit primário na execução do Projeto Piloto?

No documento FISCAL E O AJUSTE FISCAL NO BRASIL (páginas 80-87)

Gráfico 1 Evolução da Necessidade de Financiamento do Setor Público com desvalorização cambial (% do PIB)

Cenário 1: Projeção das despesas primárias do governo central (em % do PIB):

4.3. Investimentos públicos: há razões para não usar a margem de redução do superávit primário na execução do Projeto Piloto?

Como já foi assinalado anteriormente, o Brasil convive desde 2005 com uma regra fiscal alternativa, prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O dispositivo legal permite ao governo federal somar ao superávit primário um valor equivalente ao gasto efetivo com o Projeto Piloto de Investimentos (PPI), desde que o mesmo não ultrapasse os 0,5% do PIB. Na prática, a regra funciona como se os investimentos do PPI não fossem contabilizados como despesa primária para fins de verificação do cumprimento das metas fiscais.

Até hoje, entretanto, o volume de recursos efetivamente aplicados no PPI sempre ficou abaixo do autorizado, e o governo nunca utilizou o espaço garantido por lei para reduzir de fato seu superávit primário. Em 2008, pela primeira vez, foi cogitada a possibilidade de que o governo federal realmente utilizasse parcialmente a margem do PPI para justificar um resultado primário inferior à meta de superávit de 3,80% do PIB. Na prática, isso significa que o superávit poderia convergir para 3,30% do PIB.

Como mostramos no Gráfico 3, é plenamente possível reduzir o superávit para este patamar (e até abaixo dele) e manter a trajetória de queda do endividamento, não se justificando os temores expressos pelos porta-vozes do mercado sobre a solvência fiscal. As simulações foram feitas a partir do modelo simplificado de Goldfajn (2002), descrito no capítulo anterior, no qual a trajetória da dívida pública é dada por:

t t t t t

b

d

y

r

b

+

+

=

*

−1

1

1

,

onde b representa a dívida, r a taxa real de juros, y a taxa de crescimento da economia e d é o nível de superávit primário como proporção do PIB. Simulamos a trajetória da dívida para diferentes superávits primários, supondo, como parâmetros, que a taxa de crescimento da economia seja de 4,5% em 2008 e 3,5% nos demais anos, além de taxa real de juros de 9% ao ano para todo o período.

Teoricamente, o superávit poderia ser reduzido até 2,30% do PIB ao ano e, ceteris paribus, a dívida líquida permaneceria estabilizada em proporção do PIB. Essa hipótese só foi incluída nas simulações para mostrar que, entre a atual meta de 3,80% e esse patamar de 2,30%, há várias combinações possíveis de superávit compatíveis com a manutenção de queda do nível de endividamento público.

42,8% 33,8% 29,7% 22,6% 36,6% 33,8% 29,0% 38,2% 36,2% 32,9% 42,1% 42,0% 41,8% 0,0% 5,0% 10,0% 15,0% 20,0% 25,0% 30,0% 35,0% 40,0% 45,0% 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017

Gráfico 3 - Trajetória da dívida/PIB para diferentes níveis de superávit (% PIB):

Primário=3,8% Primário=3,3% Primário=3,0% Primário=2,3%

É claro que existem outros fatores (esqueletos fiscais e ajustes da dívida decorrentes do câmbio, por exemplo) que também influenciam essa trajetória, assim como os demais parâmetros do modelo também são passíveis de choques, de modo que deve haver sempre uma margem de segurança na meta fiscal. Mas o essencial é perceber que a redução do superávit primário para 3,3% do PIB não implica qualquer risco à solvência intertemporal do setor público, principalmente se essa flexibilização for acompanhada por outras medidas de incentivo aos investimentos, melhoria do perfil do gasto público e de redução da taxa de juros.

Como bem assinala Bresser Pereira (2004, p.26), “o objetivo da política fiscal não pode ser apenas o de aumentar o superávit primário, ou seja, o déficit público deduzidos os juros, como pretende a ortodoxia convencional. É preciso também eliminar o déficit público, e alcançar poupança pública positiva com a qual se possam financiar os necessários investimentos públicos.”

Reproduzindo as palavras de Biasoto Jr. (2006), “talvez o problema crucial a ser enfrentado para uma maior solidez dos indicadores de déficit público seja a compreensão de que não há uma medida de síntese possível. Vários conceitos devem conviver, respondendo a questões particulares e indicando aspectos distintos das contas de um conjunto que é, por sua natureza, heterogêneo.”

5. Conclusões

Este capítulo mostrou que o ajuste fiscal colocado em prática no Brasil dede 1999 foi baseado no aumento da carga tributária, por um lado, e no corte de investimentos e absorção de recursos das empresas estatais, por outro, e que no período mais recente teve como característica adicional uma aceleração do ritmo de expansão das despesas previdenciárias e assistenciais. A expansão dessas despesas, determinada por reajustes do salário mínimo acima da inflação e ampliação dos programas de transferência direta de renda, como o Bolsa- Família, se deu em tal magnitude que absorveu parte substancial dos acréscimos de receita, de modo que a carga tributária líquida permaneceu relativamente estabilizada.

Dessa forma, pelo lado das receitas, é a expansão dos recursos provenientes de dividendos das estatais e de royalties que explica o aumento do superávit primário no governo Lula. Do lado das despesas, por outro lado, acelerou-se no atual governo a mudança de composição da despesa pública, com os investimentos caindo de uma proporção de 6,1% em 1998 para apenas 2,9% na média de 2002 a 2006, enquanto as despesas previdenciárias e assistenciais subiram nos últimos 10 anos de 40,3% para 50,3% do total.

Num segundo momento, testamos a dinâmica das despesas públicas e a sustentabilidade da atual política fiscal no plano federal, com elevação dos investimentos da União para a casa de 1% do PIB a partir de 2008, num cenário em que a carga tributária se estabilize. A conclusão é que a manutenção dos superávits primários dependerá da taxa de crescimento da economia e de que alguns limites sejam respeitados, como o da despesa de pessoal crescer no máximo 2,5% acima da inflação por ano e o salário mínimo ser reajustado no máximo pela taxa de crescimento do PIB, como é a meta do governo até 2011.

Se a economia crescer a menos de 3,5% ao ano a partir de 2009 ou se houver algum choque sobre a taxa de crescimento vegetativo das despesas, a atual política fiscal não se sustenta e, possivelmente, os investimentos serão novamente sacrificados. Porém, se o crescimento for maior do que 3,5% ao ano, cria-se inclusive uma folga fiscal para a carga tributária ser reduzida abaixo do nível atual, o que seria bom para a dinâmica econômica e também para a política fiscal, na medida em que poderíamos esperar menores demandas pela rede de proteção social dos programas de transferência de renda e da seguridade.

Para que esse caminho de maior crescimento e melhoria na qualidade do gasto público seja trilhado, entretanto, é preciso que efetivamente os investimentos públicos sejam elevados, o que depende em parte da utilização da margem de redução do superávit primário

possibilitado pelo Projeto Piloto de Investimentos (PPI). Mostramos que a redução do superávit primário de 3,80% do PIB para 3,30% do PIB não oferece riscos à solvência fiscal do setor público, uma vez que, dada a situação atual da economia brasileira, seria compatível com uma trajetória de queda da dívida pública de 42,8% do PIB em 2007 para 29,0% do PIB em 2017.

Ou seja, do ponto de vista puramente fiscal, não há razões para o governo não reduzir o superávit primário e sua dívida bruta, como apontado no capítulo anterior, mas há indícios de que a política fiscal tem sido dominada pela política monetária. A questão fundamental é saber até que ponto as forças que atuam sobre o governo Lula serão capazes de produzir uma inflexão na atual política econômica, que na essência segue aprisionada pelo paradigma ortodoxo. O lançamento do PAC, a recente elevação dos investimentos públicos e a manutenção da política de aumentos reais do salário mínimo sugeriam que o governo estava tentando se livrar da camisa de força em 2007, mas a crise internacional e o recrudescimento das pressões inflacionárias em 2008 deram novo alento ao conservadorismo do Banco Central.

No curto prazo, entretanto, é possível que o governo consiga manter esse intrincado equilíbrio de forças antagônicas, uma vez que o crescimento inesperado das receitas tributárias em 2008, muito acima de qualquer projeção, podem propiciar simultaneamente a manutenção dos planos de investimento do governo para o ano e ainda gerar um excedente de superávit que agrade ao mercado. No médio prazo, entretanto, é provável que os dilemas da política fiscal se tornem mais agudos e exijam do governo uma definição mais clara sobre sua opção de política econômica.

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III – INVESTIMENTOS PÚBLICOS: UM NOVO MODELO DE ANÁLISE DA

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