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Orçamento corrente vs Orçamento de capital

No documento FISCAL E O AJUSTE FISCAL NO BRASIL (páginas 35-37)

3. Uma agenda de pesquisa pós-keynesiana sobre a política fiscal 1 Algumas considerações preliminares

3.4. Orçamento corrente vs Orçamento de capital

Nosso modelo fiscal, como já foi assinalado, parte da proposição de Keynes para a distinção entre orçamento corrente e de capital. Contabilmente, pela Lei 4.320/64, o orçamento público brasileiro já é dividido entre receitas/despesas correntes e de capital. Contudo, essa divisão formal – que na origem pode lembrar alguma inspiração keynesiana – não tem qualquer relação com a política ou as regras fiscais em vigor no país, ao menos até recentemente.

Aparentemente, a constatação de que os investimentos foram demasiadamente sacrificados no processo de ajuste fiscal (no Brasil e na América Latina) tem feito crescer, mesmo no seio da ortodoxia econômica, uma preocupação com a criação de regras fiscais alternativas, que ofereçam um tratamento diferenciado às inversões em infra-estrutura.15 Para Servén (2004), por exemplo, as regras fiscais deveriam se balizar não por metas de déficit ou endividamento, mas de “riqueza líquida” e “sustentabilidade fiscal”. Conceitualmente, entretanto, mantêm-se a idéia de que a política fiscal precisa respeitar uma restrição orçamentária intertemporal, na qual os investimentos entram na equação simultaneamente como um gasto primário e um ativo capaz de elevar as receitas futuras, que devem ser trazidas a valor presente para avaliar a real sustentabilidade fiscal.

Tal concepção influenciou, por exemplo, a introdução de regras intertemporais de “riqueza liquida” na Nova Zelândia e de metas para o déficit corrente (excluindo investimentos) no Reino Unido, também denominada “regra de ouro”. No Brasil, desde 2005, tentou-se criar um mix das duas regras na elaboração do Projeto Piloto de Investimentos (PPI), um rol de projetos na área de infra-estrutura e modernização tributária que – por sua suposta rentabilidade potencial futura – não seriam contabilizados como despesa na apuração do resultado primário acima da linha.

Em 2005 e 2006, fixou-se em cerca de 0,15% do PIB o limite de investimentos do PPI a ser deduzido da meta fiscal; em 2007, essa margem foi inicialmente fixada em 0,20% do PIB, mas, com o lançamento do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), foi ampliada para 0,45%; para 2008, a Lei de Diretrizes Orçamentárias prevê um espaço fiscal de 0,50% do PIB. Na prática, o PPI introduz uma flexibilização ex-ante da meta de superávit primário, permitindo que o Orçamento da União seja organizado prevendo um nível de gasto superior ao que seria possível sem ele.

Antiga Nova Antiga Nova Antiga Nova Antiga Nova Antiga Nova 2002 3,75% 3,42% 3,89% 3,55% 0,14% 0,13% 2003 4,25% 3,89% 4,25% 3,89% 0,00% 0,00% 2004 4,25% 3,87% 4,59% 4,18% 0,34% 0,31% 2005 4,25% 3,83% 0,15% 0,13% 4,83% 4,35% 0,06% 0,06% 0,64% 0,57% 2006 4,25% 3,80% 0,15% 0,14% 4,32% 3,88% 0,13% 0,12% 0,20% 0,20% 2007 4,25% 3,80% 0,20% 0,45% 4,45% 3,98% 0,22% 0,19% 0,41% 0,37%

Fonte: Elaboração Própria (Dados primários: BACEN e STN)

Tabela 2

Comparação das metas e resultados primários depois da criação do PPI (% PIB)

Exedente (C+D-A) PPI Executado (D)

Meta (A) PPI (B) Superávit (C) Ano

Até hoje, entretanto, o volume de recursos efetivamente aplicados no PPI tem sido bem inferior ao autorizado, e o governo não tem utilizado o espaço garantido por lei para reduzir de fato o superávit primário. Ao contrário, nos últimos anos as metas de superávit têm sido inclusive superadas, como se pode ver na Tabela 2, que compara as metas e resultados pela antiga e nova série do PIB. Em 2005, por exemplo, o superávit chegou a 4,35% do PIB (ou 4,83% considerando a antiga série do IBGE, quando a meta era de 4,25%), o maior do período, apesar de ser justamente o ano inaugural do PPI.16 Em 2006, o superávit primário caiu para 3,88% do PIB (ou 4,32% pela antiga série), refletindo uma inflexão na política fiscal ou simplesmente o calendário eleitoral. Já em 2007, o superávit ficou em 3,98% do PIB, enquanto a LDO possibilitava que fosse de 3,61% (3,80% da meta menos 0,19% efetivamente aplicado no PPI).17

Ou seja, o PPI só tem sido utilizado como instrumento de flexibilização no momento de planejamento da execução orçamentária. Sobre isso, é interessante observar o teor do comunicado que o FMI emitiu em 22 de fevereiro de 2005 sobre a iniciativa brasileira:

“Esse programa irá fornecer recursos financeiros adicionais, equivalentes a cerca de US$ 1 bilhão ao ano pelos próximos três anos (2005-2007) para investimentos em infra-estrutura e em outros projetos de investimento público com retorno macroeconômico e fiscal potencialmente forte a médio prazo, consistente com uma posição de sólida sustentabilidade fiscal. O programa-piloto não implica mudanças na forma como as receitas fiscais são computadas nem implica a exclusão de gastos específicos do balanço fiscal.” (TCU, 2005)

16 Em 2005, lembremos, foi o ano em que houve a proposição de aumentar o superávit primário em função da

política monetária, o que acabou neutralizando o movimento pró-flexibilização.

17 O valor a ser deduzido do cálculo do superávit primário, ex-post, é o efetivamente desembolsado para o PPI,

Apesar da inércia inicial do governo brasileiro em relação ao PPI, o lançamento do PAC, em fevereiro de 2007, sinalizou ao mercado uma disposição de efetivamente ampliar os investimentos em infra-estrutura reclamados pelo próprio setor privado. A princípio, essa simples sinalização já pode ter surtido efeitos concretos, pois, como salienta Carvalho (1999, p. 274), “o sucesso dos planos não seria necessariamente medido pelo volume de investimentos realmente feito pelo governo, nem muito menos pelo tamanho do déficit, mas pela capacidade de mostrar aos agentes privados que o governo é capaz de intervir”.

Em 2007, o volume de investimentos federais efetivamente cresceu, atingindo seu mais alto nível desde o início do governo Lula (0,75% do PIB); e em 2008, pela primeira vez, há a possibilidade de que os mesmos atinjam 1% do PIB, sendo pelo menos 0,3% no âmbito do PPI. Ou seja, teoricamente o governo federal poderia reduzir o superávit primário para pelo menos 3,50% do PIB em 2008, mas o noticiário recente indica que o governo federal estuda justamente o contrário: uma elevação do superávit primário acima da meta, de modo que o excedente seria destinado a financiar o Fundo Soberano do Brasil (FSB).18

De acordo com as exposições do Ministério da Fazenda, esse fundo funcionaria como uma espécie de “poupança fiscal anti-cíclica”, já que em 2008 espera-se obter uma arrecadação bem acima do projetado. Mas não ficou claro ainda como funcionaria esse dispositivo anti-cíclico, ou seja, quando e como seria gasto a poupança agora acumulada: em inversões financeiras, em investimentos públicos ou em reduções futuras da carga tributária.

No documento FISCAL E O AJUSTE FISCAL NO BRASIL (páginas 35-37)