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Poupança pública vs Superávit Primário

No documento FISCAL E O AJUSTE FISCAL NO BRASIL (páginas 32-35)

3. Uma agenda de pesquisa pós-keynesiana sobre a política fiscal 1 Algumas considerações preliminares

3.3. Poupança pública vs Superávit Primário

Os modelos ortodoxos, na maior parte das suas variantes, assumem que a elevação do superávit primário contribui não só para cobrir parcialmente o custo do endividamento, como também – via expectativas do mercado – para reduzir a taxa de juros e, com isso, o próprio custo de rolagem da dívida pública. As evidências empíricas, entretanto, sugerem que, com altas taxas de desemprego prevalecendo, qualquer tentativa de impor uma agenda de austeridade fiscal pode piorar significativamente as condições econômicas sem qualquer efeito apreciável sobre a taxa de juros (Tobin, 1993; Smithin, 1994), além dos possíveis custos sociais. Nesse sentido, é preciso repensar os objetivos da política fiscal.

Uma política fiscal que pretenda reduzir o nível do endividamento público e não deprimir a atividade econômica deve ter como meta principal a geração de poupança pública positiva e não superávit primário. Para Bresser Pereira (2004), “utilizar o conceito de poupança pública para as metas implica colocar a redução da taxa de juros como um dos objetivos explícitos da política econômica e liberar os investimentos públicos de uma restrição a priori”. Lembrando as identidades das Contas Nacionais, a poupança pública (Sg) é igual à receita corrente, líquida de transferências (Tg =TTr), menos a despesa corrente do governo (Eg), na qual estão incluídos os juros da dívida.

g g

g T E

S = −

A poupança pública distingue-se, assim, do déficit público nominal (Ng), que é igual à receita corrente do governo menos todos os seus gastos, inclusive os de investimento (Ig):

g g g g T E I N = − − −) (

Nesses termos, os investimentos do Estado são financiados por poupança pública ou por déficit público: Ig =Sg +Ng

Finalmente, temos o conceito de superávit primário (Dg), já definido anteriormente, sendo igual à receita do governo menos toda a despesa de investimento e de consumo, exceto juros (Jg): g g g g g T I C J D = − − −

Ao excluir parte dos investimentos das metas de superávit primário, como ocorre desde 2004 no Orçamento da União, o governo brasileiro deu um primeiro passo no sentido de se aproximar do conceito de poupança pública, mas inconcluso, por manter inalterada a administração da dívida pública e da política monetária, essenciais para determinar o custo fiscal dos juros. O ideal é que as próprias metas fiscais passassem a ser expressas em função da poupança pública, de modo a sinalizar um compromisso mais efetivo do governo em controlar a taxa de juros e os demais gastos correntes, em vez dos investimentos.

Enquanto no esquema macroeconômico convencional (Delfim Netto e Giambiagi, 2005), o superávit primário precisa ser elevado para melhorar as expectativas dos agentes do mercado quanto à inflação (o gasto público provoca crowding-out) e à trajetória da dívida pública, contribuindo para a redução da taxa de juros, na perspectiva heterodoxa é possível visualizar um outro tipo de inter-relação entre as variáveis, no qual a poupança e o investimento públicos – além da rearticulação da capacidade de financiamento do setor público – assumem um papel determinante. Eventualmente, a redução do superávit primário, se acompanhada na mesma medida por aumento de investimentos, pode inclusive contribuir não só para a expansão do PIB (denominador da relação de endividamento), quanto para a redução da própria taxa de juros, seja por aumentar os preços de demanda por ativos reais de capital, seja por melhorar a posição de liquidez dos que têm dívidas a saldar (Carvalho, 1999). Nesse esquema, ilustrado pela Figura 1, a poupança pública por ser elevada tanto previamente, via contenção de gastos correntes e redução da taxa de juros, quanto posteriormente, em decorrência dos efeitos dinâmicos dos investimentos. Para que essa redução da taxa de juros seja sustentável, entretanto, é recomendável partir da própria reestruturação da dívida pública e da despesa pública, como foi salientado na subseção anterior, quando fizemos a crítica da política de rolagem dos títulos públicos. Substituir dívidas caras por outras mais baratas e alongar o prazo de vencimento dos títulos púbicos tornou-se uma necessidade imperiosa para recuperar a capacidade de financiamento do setor público e reduzir a taxa de juros implícita na rolagem da dívida mobiliária.

“Se não estivéssemos submetidos à necessidade de rolagens significativas de curto prazo junto ao mercado financeiro, a magnitude absoluta da dívida pública e mesmo sua participação relativa (como proporção do PB) seria, na verdade, um problema de segunda ordem. Se este fosse o real problema, como explicar então a relação dívida- PIB de países como a Bélgica, Itália e Grécia, que são superiores a 100%?” (Biasoto Jr. e Higa, 2006)

Ao procedermos uma reestruturação da dívida pública, alterando os indexadores dos títulos e substituindo dívidas mobiliárias por bancárias, não só estaremos reduzindo o custo implícito da mesma e elevando ex-ante a poupança pública, como também estaremos abrindo novos canais de financiamento dos investimentos públicos no sistema bancário, público e internacional. Esses investimentos, pelo seu efeito multiplicador keynesiano, se bem planejado, poderá ativar um ciclo virtuoso para ampliar a poupança pública, seja de forma direta, via aumento da arrecadação, seja de forma indireta, pela redução da relação dívida/PIB, pela melhoria das expectativas dos agentes econômicos, da liquidez da economia e da conseqüente redução da taxa de juros, propiciando menor custo fiscal.

Além disso, o aumento dos investimentos públicos contribuiria para reduzir os conhecidos gargalos em infra-estrutura (TCU, 2005) e aumentar a capacidade produtiva do setor privado. Apesar dos modelos neoclássicos mais tradicionais continuarem trabalhando com a hipótese do crowding-out e do pleno emprego, atualmente uma vasta literatura empírica internacional atesta econometricamente uma forte relação de complementariedade entre os investimentos públicos e privados (Munnell, 1992; Aschauer, 1993; Fisher e Turnovsky, 1998), o que tem levado mesmo economistas ortodoxos a aceitarem uma relativa flexibilização das regras fiscais, como veremos na próxima subseção.

No documento FISCAL E O AJUSTE FISCAL NO BRASIL (páginas 32-35)