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Irreversibilidade numa descarga capacitiva

Nesta seção vamos considerar novamente o problema dos dois capacitores, mas em uma outra perspectiva. Iremos focar nos aspectos termodinâmicos do processo de descarga. Utiliza- remos o modelo do gás de elétrons livres para descrever os níveis de energia para os elétrons de ambos os capacitores no regime de baixas temperaturas. Veremos que o modelo do gás de elétrons impõe um limitante inferior para a variação de entropia do processo de descarga, isto é, mesmo que o resistor troque calor com o reservatório térmico isotermicamente, ainda temos uma variação de entropia positiva, o que corrobora a visível irreversibilidade do processo.

Sabemos que o conceito de entropia está intimamente relacionado à seta do tempo [44] e à irreversibilidade. Os livros didáticos costumam utilizar diversos exemplos para ilustrar o con- ceito de irreversibilidade, passando pelo resfriamento de uma xícara de café até exemplos mais "físicos", como a expansão livre de um gás ideal ou a mistura de dois gases [45]. Entretanto, a descrição termodinâmica de sistemas eletrostáticos é pouco usual.

Vamos considerar novamente o circuito da Fig. (3.1). Sabemos que o processo de descarga é irreversível: uma vez que fechemos a chave, as cargas fluirão do capacitor carregado para o descarregado, até que ambos possuam a mesma carga q0/2, e o sistema não volta para a

sua configuração inicial sem que algum agente externo realize trabalho sobre as cargas. Este processo de descarga é um análogo à expansão livre de um gás ideal, com a diferença que devemos levar em conta a estatística fermiônica para descrever os elétrons de valência.

Na referência [46] o autor mede experimentalmente a variação de entropia no processo inverso, o de carga capacitiva. O processo de carga é subdividido em n passos iguais, onde em cada um deles a voltagem aumenta por V/n. No limite em que n → ∞, há uma troca de calor isotérmica entre o resistor e o reservatório, o que implica que ∆SR+ ∆SRT = 0. Entretanto,

variação de entropia relacionada ao rearranjo de cargas nas placas dos capacitores.

Na próxima subseção mostraremos os cálculos relativos à variação de entropia. Para reali- zar os cálculos, vamos apresentar um procedimento quasistático que leva o sistema do mesmo estado inicial ao final. Mais uma vez, indicamos a referência original para mais detalhes [47]

3.2.1

Cálculo da Entropia

De acordo com a Segunda Lei da Termodinâmica, qualquer processo que ocorra em um sistema isolado é tal que ∆S ≥ 0. Deste modo, para obter ∆S, devemos obter a variação de entropia para todos os elementos do nosso sistema, uma vez que a entropia de Boltzmann é aditiva. Já vimos que a contribuição do reservatório térmico e do resistor é nula se a troca de energia via efeito Joule for isotérmica. Podemos conseguir isto de duas maneiras. Podemos considerar uma grande resistência R, que seja grande o bastante para fazer com que o resistor esteja sempre à mesma temperatura que o reservatório. Ao invés disso, vamos construir um processo quasistático de troca de cargas entre os capacitores. Para fazer isto, vamos subdividir a diferença de potencial inicial entre os capacitores, q0/C em 2n intervalos iguais, onde cada um

desses intervalos representa um reservatório de cargas (bateria) que será ligada individualmente a cada capacitor junto ao resistor. Deste modo, fazemos com que o capacitor 1 passe pela sequência de n estados de equilíbrio através de sucessivos contatos elétricos com as baterias, até que chegue à carga central q0/2. O capacitor 2, por outro lado, segue o caminho oposto,

subindo a escada de potenciais, também passa por n estados de equilíbrio e finalmente adquire como carga acumulada q0/2. Em cada um destes contatos, ligamos o capacitor em série com a

bateria e com o resistor, de modo a dissipar a energia via efeito Joule para o reservatório [veja a Fig. (3.4)]

Nessa construção, durante o processo de descarga do capacitor 1, o resistor produz, em cada passo, uma variação de entropia

∆s(1)R = CV0 2nT =

q2 0

Figura 3.4: Ilustração do processo de descarga quasistático.

Analogamente, o processo de carga do capacitor 2 tem como variação de entropia por passo

∆s(2)R = CV0 2nT =

q2 0

2Cn2T. (3.42)

Somando a contribuição para ∆S de cada passo para ambos os capacitores, obtemos a vari- ação de entropia devida ao resistor,

∆SR =

q2 0

2nCT. (3.43)

Assim, se fazemos n → ∞ a entropia produzida via efeito Joule se anula, e mesmo neste caso limite o processo ainda é irreversível devido ao rearranjo de cargas.

Uma vez que o modelo do gás de elétrons livres serve para se descrever qualitativamente algumas propriedades importantes dos metais, vamos utilizar a expressão para a capacidade térmica eletrônica obtida neste modelo [48, 49],

CV = NekBπ2 2 kBT F , (3.44)

onde kBé a constante de Boltzmann constant e F é a energia de Fermi que é dada por F = ~ 2k2 F 2m = ~2 2m  3π2 V 2/3 Ne2/3, (3.45)

onde Ne é o número total de elétrons livres, ~ é a constante de Planck dividida por 2π, m é a

massa do elétron, e V é o volume total da amostra macroscópica.

A expressão (3.44) resulta da expansão de Sommerfeld para a capacidade térmica, que é razoável contanto que a temperatura seja pequena quando comparada à temperatura de Fermi. Essa condição é satisfeita para a temperatura ambiente, onde T /TF ∼ 10−2.

Utilizando a seguinte relação termodinâmica

CV = T  ∂S ∂T  V , (3.46)

no modelo de elétrons livres, fica claro que a entropia S é igual à capacidade térmica [50]:

S = NekBπ 2 2 kBT F . (3.47)

Como nós assumimos que o processo de descarga é isotérmico, podemos escrever a Eq. (3.47) como S(T, V, N ) = A(T, V )Ne1/3, (3.48) onde A(T, V ) ≡ k 2 Bπ2m ~2  V 3π2 2/3 T. (3.49)

Veja que a função A(T, V ) é sempre positiva.

Deste modo, a variação de entropia total do sistema é a soma de ∆S para os dois capacitores,

∆S = ∆S1+ ∆S2 = (S (1) F − S (1) I ) + (S (2) F − S (2) I ). (3.50)

Temos que ter em mente que o número de elétrons livres disponíveis em cada uma das placas metálicas é igual à Ne = N a, onde N é o número de átomos da amostra e a é a contribuição

de elétrons de cada átomo (tipicamente, a é 1 ou 2). No caso de uma placa descarregada, temos que a carga dos íons cancela-se com a dos elétrons, embora ainda haja elétrons livres.

As placas podem estar carregadas positiva ou negativamente. A carga q acumulada tipica- mente é tal que q  Nee. Primeiro vamos considerar o capacitor 1. Uma das placas tem um

excesso de cargas q0e a outra, −q0. Como a carga elétrica é quantizada, q0 = N0e, onde N0 é o

número de elétrons excedentes na placa. Lembrando que o número total de elétrons na placa é Nemais o excesso de cargas, temos

∆S1 = A(T, V )   N a + q0 2e 1/3 +  N a − q0 2e 1/3 −N a + q0 e 1/3 −N a −q0 e 1/3 , (3.51) uma vez que na situação de equilíbrio o excesso de carga em cada placa é ±q0/2, como discutido

anteriormente.

Analogamente, para o capacitor 2 temos

∆S2 = A(T, V )   N a + q0 2e 1/3 +N a − q0 2e 1/3 − 2 (N a)1/3  . (3.52) Agora, para obter ∆S nós substituímos as Eqs. (3.51) e (3.52) em (3.50)

∆S = A(T, V )(N a)1/3h2 (1 + x)1/3+ 2 (1 − x)1/3− (1 + 2x)1/3− (1 − 2x)1/3− 2i, (3.53) onde nós definimos x ≡ q0/2N ae como a razão entre o excesso de carga e o número de elé-

trons de valência na amostra neutra. A expressão obtida para ∆S em (3.53) é sempre positiva, conforme mostrado na Fig. (3.5).

Podemos ainda expandir a Eq. (3.53), usando a expansão binomial para todos os termos. Fazendo isto, e coletando apenas os termos de segunda ordem, encontramos

∆S = 4A(T, V )x 2(N a)1/3 9 = A(T, V )q2 0(N a)−5/3 9e2 . (3.54)

S /A (T ,V )( N a) 1 /3 Δ

Figura 3.5: Variação de entropia como função da razão entre o excesso de elétrons e o número total de elétrons de valência.

o primeiro termo se anula.

Poderíamos continuar a descrição termodinâmica do sistema calculando a expressão para a energia dentro da aproximação do modelo do gás de elétrons livres. Entretanto, acreditamos que o cálculo de ∆S, que determina um limitante inferior para a variação de entropia no problema dos dois capacitores, já é interessante o bastante. Deixamos mais uma vez o artigo original [47] para o leitor que quiser ver a derivação da energia, além de comparações entre as variações de entropia das Eqs. (3.43) e (3.54).

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