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No nosso entendimento, as pequenas frases fazem parte de uma categoria mais ampla: a aforização. No capítulo 01, foi possível perceber que o enunciado aforizado não obedece a uma lógica do texto nem do gênero do discurso. De acordo com Maingueneau (2011b), as enunciações que são constituídas de uma única frase podem receber diferentes classificações, como slogans, máximas, provérbios, títulos de artigos de jornais, títulos, citações famosas, etc. O autor divide essas frases em duas categorias distintas: aquelas que são, por natureza, independentes de um texto em particular — é o caso, por exemplo, dos provérbios, slogans, etc.— e aquelas que são resultantes da extração de um fragmento de um texto, em que obedece à lógica da citação. As pequenas frases se enquadram nesse segundo grupo. Para o estudioso, essa extração não é feita de maneira indiscriminada: esses fragmentos já se apresentam como destacáveis, isto é, fadados ao destaque. Essa destacabilidade é feita pelo próprio autor da frase, ocupando uma posição que Maingueneau (2011b) denomina de sobreasseverador e/ou aforizador. Conforme também foi visto no capítulo 01, o sobreasseverador e/ou aforizador, ao construir seu enunciado, pode estar contribuindo para que ele esteja fadado ao destaque, podendo ser fragmentado e retextualizado, praticando a sobreasseveração:

La surassertion est une modulation de l‘énonciation qui formate un fragment du texte comme candidat à une dé-textualisation. Cette operation de mise en relief par rapport à l‘environnement textual s‘effectue à l‘aide de marqueurs divers: d‘ordre aspectual (généricité), typographique (position saillante dans une unite textuelle), prosodique (insistence), syntaxique (construction d‘une forme pregnant), sémantique (recours aux tropes), lexical (utilization de connecteurs de reformulation)… (MAINGUENEAU, 2011b, p. 44)6

6 Sobreasseveração é uma modulação da enunciação que formata os fragmentos de um texto como um candidato

para uma retextualização. Esta operação de ênfase do ambiente textual é realizada utilizando vários marcadores: ordem aspectual (genérico), tipográficos (saliente posição em uma unidade textual) e prosódicos (insistência), sintático (construção uma forma pregnante), semântica (uso de alegorias), lexical (utilização de conectores de reformulação)... (tradução nossa)

50 Como vimos, essa ação de colocar em relevo um enunciado pode ser feita de várias formas. Abaixo iremos exemplificar e melhor explicar as formas que Maingueneau trouxe para mostrar o trabalho do sobreasseverador para edificar um enunciado destacável:

 Salienta-se a posição do enunciado: ele pode ser colocado no início ou no final do período, recebendo um destaque maior;

 Ação prosódica: faz-se um encadeamento musical, utilizam-se sílabas fortes e fracas, como em um refrão, por exemplo;

 Trabalho sintático: constroem-se frases de fácil memorização, que trabalham com uma forma que impregna o espírito;

 Ação aspectual: o autor pode dar um aspecto diferente, algo que ele escolhe. Essa ação é genérica, como colocar a frase no final do parágrafo;

 Trabalho com a semântica: uso de metáforas, alegorias, etc.

Trabalho com o léxico: utilização de conectores de reformulação (isto é, ou seja) dando um maior destaque ao que é falado.

Com esses recursos semióticos, vemos que a sobreasseveração marca um fragmento, fornecendo a ele um estatuto de destacabilidade, de forma que possa ser deslocado do texto. Isso se aplica às pequenas frases, uma vez que elas assumem tal estatuto a partir do momento em que o sobreassevedor e/ou aforizador as coloca em evidência a partir das ações descritas acima.

Os enunciados, a partir do momento em que são destacados, adquirem um estatuto pragmático específico, pertencendo ao regime da aforização. A partir das reflexões feitas no capítulo 01, elencamos alguns pontos importantes no trabalho da aforização:

O aforizador assume o ethos do locutor;

 O aforizador afirma a sua verdade, não estando sujeito a negociações;  O locutor deve ser colocado além das limitações específicas do gênero;

 O aforizador se apresenta como responsável pelo enunciado, afirmando valores e princípios;

Quem extrai um fragmento do texto para fazer uma aforização assume a posição de locutor aforizador.

51 Na compreensão acerca do funcionamento das pequenas frases, esse último ponto é essencial. Mais adiante, quando estivermos analisando de fato as pequenas frases, iremos retomar essas afirmações para melhor refletir sobre elas. Por ora, vemos que além de a pequena frase receber um trabalho formal e ser disposta no texto de uma maneira destacável, ela também precisa ser retirada do contexto original e começar a ser usada em outros discursos. Essa fragmentação não é feita de forma aleatória: ela traz consequências ao sentido do enunciado, um ethos se engendra para locutor da frase que recebe um estatuto de locutor aforizador.

No caso das pequenas frases advindas do campo político, o trabalho de aforização é feito, pontuam Krieg-Planque e Ollivier-Yaniv (2011), com o auxílio dos jornalistas e dos profissionais da mídia, já que eles podem ser vistos como coprodutores do fenômeno, uma vez que ajudam a difundir e estabilizar essa forma em diferentes momentos. Nesse sentido, o funcionamento das pequenas frases se dá,

Dans le discours et les pratiques professionnelles des journalistes, les emplois de ―petites phrases‖, témoignent de l‘existence de routines consistant à sélectionner et à distinguer un fragment d‘um discours, sans que les règles ni les conditions de ce processus em soient explicitées. (KRIEG- PLANQUE E OLLIVIER-YANIV, 2011, p. 17-18)7

Com base na afirmação das autoras é possível dizer que as frases podem ser destacadas de acordo com os interesses de quem destaca, isto é, dos jornalistas, dos próprios políticos e seus assessores que distinguem um fragmento de um discurso sem explicitar ou explicar as regras ou condições dessa seleção e postam essas pequenas frases nas mídias.

Krieg-Planque (2011) chama a atenção para a questão de a pequena frase fazer parte dos fatos da comunicação. A autora define comunicação como: ―Um ensemble de savoir-faire relatifs à l‘anticipation des pratiques de reprise, de transformation et de reformulation des énoncés et de leurs contenus‖ (KRIEG-PLANQUE, 2006, p. 34 apud KRIEG-PLANQUE, 2011, p. 23-24)8. Para a autora, a produção das pequenas frases pode ser considerada como uma competência de política pessoal em suas funções de comunicação. O estudo das pequenas frases, revela a autora, contribui para um projeto maior que visa apreender as práticas dos atores políticos e sociais por intermédio das diferentes formas de coágulos que

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No discurso e nas práticas profissionais dos jornalistas, o trabalho das pequenas frases testemunha a existência de rotinas de seleção e distinção de um fragmento de um discurso, sem que as regras ou condições deste processo sejam explicadas. (tradução nossa)

8 Um conjunto de conhecimentos relativos a antecipação de práticas de retomada de transformação e de

52 moldam seus discursos, isto é, essas formas fixas, sólidas que são utilizadas por esses atores sociais, e nisso se inclui o estudo das fórmulas, dos slogans ou dos lugares discursivos.9