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b) Itacira – Nova Conquista

Nova Conquista é um dos cinco núcleos27 que constituem o PA – Projeto de Assentamento Açaí, localizado no Município de Açailândia, Maranhão. Distante aproximadamente 40 quilômetros da sede do município, na margem esquerda da rodovia que dá acesso à cidade de Rondon no Pará, é

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Quando chegamos aqui muitos não gostavam da gente. Antes que os terrenos fossem liberados, fizemos um barracão aí

na beira da estrada e ficamos vigiando para ninguém tomar a área. Quase todos os que passavam pela avenida olhavam para o nosso barracão com cara feia, como se fôssemos pessoas que gostam de criar confusão, bagunça. Isso mudou um pouco. Pelo menos aí no Parque Vitória está mudando porque a gente está fazendo uns trabalhos com o pessoal de lá. O pessoal de lá, da união dos moradores, do centro comunitário e nós daqui estamos contribuindo para dar uma amenizada nesse conflito. Têm algumas mulheres daqui que trabalham nas casas aí do Parque Vitória. Inclusive tem gente que estava morando lá e agora está por aqui. A gente vai se misturando e eles estão vendo que não somos aquilo que eles pensavam da gente [Maria José – Canudos].

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Quando estávamos acampados lá no Maranhão Novo contamos com o apoio de várias pessoas que nos ajudavam e

contribuíam com a nossa luta. Lembro que tinha pessoas que passavam lá e levavam roupa, comida. Às vezes nós mesmos íamos buscar comida nas casas dos vizinhos, nos restaurantes. O jeito era pedir e em muitos lugares éramos bem acolhidos. Pedíamos também às entidades que contribuíssem com a gente. Depois que viemos para cá ainda recebemos algumas ajudas [Eduardo – Canudos]

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Os núcleos que, com Nova Conquista, formam o Projeto de Assentamento Açaí são: Conquista da Lagoa, Macaúba, Nova Vitória e Sudelândia. A previsão inicial do INCRA era assentar na área 479 famílias. Uma vez que sete famílias já moravam na região, o assentamento propriamente dito contemplaria 472 famílias que constavam do cadastramento realizado no acampamento dos sem-terra de Itacira, antiga fazenda Criminosa. Fonte: INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, Superintendência Regional no Estado do Maranhão – SR(12), Divisão de Suporte Operacional, Relação dos Projetos de Assentamento Criados; mimeo: s/data.

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formado por uma vila, onde os assentados residem, e pelos lotes rurais em sua volta. A proposta inicial previa o assentamento de 166 famílias.28

Sua existência, assim como a de outros assentamentos, resultou de mobilizações de sem-terra cujas ações concorreram e continuam contribuindo na redefinição da questão fundiária e da questão agrária, bem como das relações sociais e políticas que constituem e regulam os arranjos institucionais e de classe no Brasil.

No dia 26 de março de 1996, um grupo de 150 famílias de sem-terra ocupou a fazenda Califórnia29, localizada na margem da rodovia Belém – Brasília, entre as cidades de Açailândia e Imperatriz, no município de Açailândia. A ação tinha sido planejada durante muito tempo. Os sem- terra tinham inclusive recolhido informações relativas à condição física e jurídico-financeira da fazenda. Sabiam, portanto, que as terras se encontravam em situação de semi-abandono e que seus proprietários estavam em situação irregular por não terem executado serviços acordados em contratos de financiamento. Na concepção dos membros do movimento, estas razões conferiam legitimidade à ação de ocupação. Apesar disso, tinham consciência de que iriam enfrentar a ordem legal.30

Retomando os tradicionais princípios da propriedade e da ordem a mídia, expressão dos interesses dominantes, não tardou a se manifestar. O objetivo era chamar à responsabilidade os poderes públicos a fim de que restabelecessem a unidade e harmonia social conturbada pela ação de movimentos que não respeitavam a lei – ordem social fundada na legalidade. Desqualificar o adversário é uma forma de negar a legitimidade de seu ponto de vista e a pertinência das questões por ele propostas. Assim, as reiteradas tentativas empreendidas por setores das classes dominantes para desarticular e desmoralizar publicamente o movimento dos sem-terra se fundam, essencialmente, no

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O projeto de Assentamento Açaí se inscreve no contexto das lutas sociais realizadas pelos movimentos sociais de base rural e, de maneira singular, pelo MST – Movimento dos Sem-Terra, e das respostas, em termos de políticas oficiais relativas à reforma agrária, planejadas e implementadas pelos Governos Federal e Estaduais. Um visão desta política desenvolvida no Maranhão contribui para a contextualização e compreensão de Nova Conquista. Somando os Projetos de responsabilidade do INCRA, Cédula da Terra, Iterma (Instituto de Terras do Maranhão), Projeto Casulo e Prefeitura Municipal / Colone / Ministério da Aeronáutica, eram 520 os Projetos de assentamentos rural no Maranhão no ano de 2002. Ocupavam uma área de 2.610.463,4336 hectares, possuíam uma capacidade de assentamento de 78.107 famílias, ao passo que o número de famílias cadastradas era de 70.216. Fonte: INCRA – SR(12) – Divisão de Suporte Operacional SR(12) O.

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Quando os sem-terra ocuparam a fazenda Califórnia, encontraram: a) pastagens que, às vezes, eram alugadas: b) uma serraria desativada; c) um gerente que tomava conta da fazenda e vivia da extração da madeira. Os donos não moravam no local.

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Sabíamos em que terreno estávamos pisando e sabíamos também que mais tarde teria vindo a ordem de despejo. Para

evitar enfrentamentos, então, fizemos a ocupação durante a noite. Lembro que entre nós havia muito medo e nervosismo

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preceito da propriedade, princípio sobre o qual é instituída toda a ordem social moderna. Analisadas nesta perspectiva, as ocupações31 desestabilizam não somente uma ou outra propriedade, mas o próprio princípio que funda a propriedade.32 Trata-se, na realidade, de um artifício ideológico mediante o qual tentam esvaziar, senão negar, o caráter social e político do conflito. Portanto, se não há conflito estrutural, resulta que o pobre é responsável por sua pobreza e o sem-terra ou o sem-teto por sua condição. Constitui uma inversão que permite escamotear qualquer tentativa de análise dos processos e das estruturas sociais e induz a se fixar exclusivamente nos produtos. Desta forma, a vítima é responsabilizada pelos danos que sofre. Com efeito, a condição de sem terra resulta de um processo histórico de construção do latifúndio, de impedimentos jurídicos, econômicos e sociais que bloquearam toda possibilidade de acesso à terra aos antigos escravos, homens pobres livres e setores populares de um modo geral, de reiteradas expulsões de posseiros, arrendatários, meeiros e outros e da constante reprodução das desigualdades sociais e estruturais. Por causa disso, os sem-terra são um produto social. Sua existência não resulta de uma deliberação própria, mas de condições materiais, sociais e políticas originadas no processo de formação e estruturação da sociedade brasileira. Nesta perspectiva, o acesso à terra passa necessariamente pela redefinição destas estruturas e pela capacidade de colocar na agenda política novos princípios distributivos que rompam com a lógica da excludência. Como o movimento não existia antes das relações que o geraram, não pode ser responsabilizado pelo processo que lhe deu vida.

Pelo exposto, então, conclui-se que o movimento dos sem-terra é produto de conflitos, surge em situações de conflito, constrói sua identidade no enfrentamento e se redefine com o próprio conflito.

A imagem construída e veiculada pela mídia apresenta os sem-terra como um movimento constituído por bandos de desordeiros, avessos à sociabilidade, violentos e destruidores da propriedade alheia. Outra é a percepção e diferente a concepção construída a partir de uma análise interna do movimento. Os acampados, mais tarde assentados, construíam e regulavam suas relações orientados por valores que visavam a coesão e sociabilidade do grupo. Seus procedimentos e comportamentos pautavam-se em princípios éticos que produziam um profundo respeito para com os

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Enquanto os setores dominantes concebem as ações dos sem-terra como “invasões”, estes mobilizam o conceito de “ocupação”, repondo a questão da função social da terra.

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É discutível a idéia de que o movimento dos sem-terra estaria, com suas ações, minando o princípio da propriedade. De um modo geral as mobilizações objetivam a redistribuição das terras e o acesso à propriedade por parte de seus membros. Deste modo, são questionadas as formas de apropriação e reprodução da propriedade e não o princípio em si.

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valores e normas que constituíam e regulavam a convivência social. Em seu universo, o princípio da dignidade de vida devia prevalecer sobre outros ordenamentos. Neste sentido, faziam questão de ressaltar que as ações de ocupação visavam a melhoria das condições de vida e que não pretendiam criar situações embaraçosas para outros.33

Despejados34 três dias após a ocupação da fazenda com base numa ordem judicial executada pela polícia militar, os sem-terra acamparam à beira da Belém-Brasília, nas terras de um assentamento próximo.35

Durante os meses em que ficaram acampados, outras famílias procedentes de municípios próximos e regiões longínquas foram se juntando ao grupo. Em pouco tempo o acampamento cresceu e ganhou maior visibilidade, uma vez que estava localizado à beira de uma rodovia federal. O cadastramento realizado pelo INCRA em fins de maio e início de junho de 1996 contabilizou 572 famílias. Levando em consideração que a Fazenda Califórnia, em caso de desapropriação, possibilitaria o assentamento de 186 famílias, o movimento viu-se na incumbência de ampliar seu raio de ação. Deste modo, articulado e assessorado pelo MST36, incluiu em suas reivindicações outra área localizada nas proximidades da fazenda e sem domínio particular: a Gleba Quatorze.

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A nossa luta não era invadir a terra, era conquistar o pedaço de terra para gente trabalhar e poder plantar o que

precisávamos para comer. Nós não partimos para a luta um contra o outro; nós partimos sobre a justiça. Nós queríamos uma terra que estava lá abandonada. Nós não podíamos ficar quietinhos vendo os nossos filhos passando fome e lá, bem ao lado, aquela terra toda que não era trabalhada. Também não queríamos confusão com o gerente e com outros capangas que os fazendeiros tinham colocado lá na área. A nossa luta era por terra; nós não queríamos confusão [José

Carlos - Nova conquista].

Na reconstituição dos fatos que precederam o assentamento foram entrevistadas somente pessoas que tinham participado das mobilizações da Fazenda Califórnia e do acampamento nas terras do assentamento Itacira.

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O despejo era previsto pelos próprios sem-terra como conseqüência do embate entre a legitimidade de sua ação e a legalidade da ordem.

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Pedimos pros companheiros que apoiassem ou pelo menos agasalhassem a gente lá na estrada enquanto era resolvida

a questão da Califórnia. Nós não tínhamos para onde ir e nem era nosso propósito voltar para trás. Então pedimos para eles lá que já eram assentados e tinham um espaço, para agasalhar todo mundo. Disseram que se quiséssemos ir para a vila tudo bem, se não quiséssemos podíamos escolher um lugar qualquer dentro da área deles. Aí a gente escolheu a beira da estrada, onde ficamos acampados durante os meses de abril e maio [Raimundo Nonato – Nova Conquista].

É prática comum os movimentos dos sem-terra colocarem as bases de seus acampamentos em lugares estratégicos - beira da estrada, proximidades de grandes propriedades, assentamentos mais antigos, entre outros – e, enquanto aguardam a liberação de novas áreas para efeito de assentamento, viverem de trabalhos temporários nas fazendas próximas ou nas terras dos assentados e da ajuda e solidariedade de outros movimentos e setores organizados da sociedade.

Os sem-terra despejados da Fazenda Califórnia acamparam nas terras do assentamento Itacira, antiga fazenda Criminosa. O Projeto de Assentamento foi criado pela Portaria 082/95 em novembro de 1995, está localizado no Município de Imperatriz, tem uma extensão de 5.024 hectares e é constituído por 136 famílias assentadas.

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As relações entrea antiga liderança do assentamento Nova Conquista e o MST – Movimento dos Sem Terra, era de consideração, respeito e gratidão. Aí nós devemos ser gratos ao MST que foi quem nos botou na batalha para poder

conseguir isso. Aí conseguimos um pedaço dessa terra [Ricardo – Nova Conquista]. E ainda: Eu já morava aqui na região há mais de 20 anos e nunca tinha conseguido um pedaço de terra. Então eu dou graças a Deus, ao Movimento dos Sem-Terra e aos companheiros que enfrentaram a luta. Eu entrei na batalha junto com eles para poder conseguir um pedaço de terra [Francisco – Nova Conquista].

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Em termos cronológicos, o acampamento coincide com os acontecimentos de Eldorado do Carajás37. A convergência de acontecimentos e as cobranças de organismos nacionais e internacionais direcionadas aos poderes públicos também contribuíram para acelerar os trâmites de desapropriação da Fazenda Califórnia e de arrecadação de parte da Gleba Quatorze para fins de assentamento. Os assentados em Nova Conquista atribuíam parte do mérito de sua conquista aos companheiros

assassinados em Eldorado do Carajás.38

Entretanto, medidas tomadas em contextos de pressão reforçam a idéia de que os assentamentos têm por fim, em última instância, aliviar tensões sociais. Admitida esta hipótese, torna-se difícil sustentar a outra, ou seja, que os assentamentos fazem parte de uma política que visa reordenar a sociedade com base em princípios de justiça distributiva em vista de uma maior igualdade social.39

Assim, no mês de junho daquele mesmo ano, as 572 famílias acampadas na beira da rodovia Belém – Brasília puderam deixar o acampamento e sair em direção àquele que se tornaria seu novo hábitat: o assentamento.40 Não era apenas um deslocamento espacial. Iniciava um processo de redefinição de sua identidade; uma outra socialização estava em marcha.

Uma vez que o acampamento era único e no horizonte estavam destinos diferentes - a Fazenda Califórnia e os cinco núcleos do P.A. Açaí -, era necessário proceder à formação de grupos em conformidade com as possibilidades de assentamento de cada unidade. A constituição dos grupos e a

Contudo, a relação é também de “dependência”, sobretudo quanto às questões de organização dos acampamentos e dos assentamentos. No movimento de construção do projeto, essas relações passarão por um processo de redefinição.

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Em 17 de abril de 1996, 19 sem-terra foram mortos e mais de 60 pessoas ficaram feridas durante a desobstrução feita por duas tropas da Polícia Militar da rodovia PA-150, bloqueada pelos camponeses, em Eldorado do Carajás. Esse acontecimento, que vinha se somando a outras chacinas, no campo e na cidade, expunha ao mundo a maneira como no Brasil era enfrentada a questão social e como eram tratadas as classes subalternas pelos poderes públicos quando, reivindicando o direito de acesso a bens sociais, questionavam e desafiavam a ordem dominante. Mais tarde, organizações camponesas de 67 países articuladas na Via Campesina decidiram transformar o dia 17 de abril em Dia Internacional da Luta Camponesa.

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A nossa conquista maior foi por causa daquele massacre que teve em Eldorado. A morte daqueles companheiros

parece que alimentou a nossa caminhada aqui. Então nós devemos agradecer a Deus, não porque perdemos

companheiros, que Deus ponha o nome deles em bom lugar, mas por causa da nossa conquista [José Antonio – Nova

Conquista].

Foram vários os relatos que faziam referência ao massacre de Eldorado do Carajás para explicar a aceleração na criação dos projetos de assentamento.

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A questão será retomada e discutida em outro capítulo.

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Enquanto a Portaria de criação do Projeto de Assentamento Açaí (082/96) data de 26.9.96, portanto, na época

subseqüente aos acontecimentos relatados, os acampados que tinham escolhido como destino a antiga Fazenda Califórnia tiveram que aguardar mais de um ano para que a Portaria (055/97) tornasse oficial o projeto (7.10.1997).

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escolha dos núcleos de assentamento obedeceram ao critério da preferência individual / familiar.41 Desta forma, entre os cadastrados ninguém foi obrigado a integrar determinado grupo ou assentamento contra a sua vontade. Um elemento que favoreceu a operacionalidade desse critério foi a abundância de terras disponíveis. Supõe-se que relações de parentesco, vizinhança e amizade tenham influenciado a composição dos grupos. Ao mesmo tempo, é possível inferir que constituíam valores de importância relativa uma vez que os constantes deslocamentos tinham provocado a dispersão dos núcleos tradicionais e, às vezes, das próprias unidades familiares e o acampamento tinha agregado pessoas oriundas dos mais diversos lugares.42

Ao eleger determinado grupo, portanto, os sem-terra também escolhiam o lugar de assentamento. Ou vice-versa, ao dar preferência ao lugar, constituíam o grupo de destino. Não havendo escassez de terra, não se colocava o problema distributivo.43 Pelo contrário, a abundância permitia que novas famílias fossem integradas ao processo. Tratava-se, por conseguinte, de estabelecer alguns critérios básicos que regulassem sua incorporação, uma vez que não tinham participado das mobilizações.44

Além de pressionar para a liberação das áreas, os sem-terra tiveram que se mobilizar também para impedir que outros interesses prevalecessem. Por isso, quando souberam que as terras seriam finalmente disponibilizadas, organizaram dois grupos que, percorrendo caminhos diferentes, cercaram a área e instalaram postos de vigilância.45

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Então, quem queria ficar na Califórnia ficava, quem queria vir para cá, para a região do trinta, vinha para cá, quem

queria ir lá para Conquista da Lagoa ia para lá. E assim foi dividido nas cinco vilas. Não teve problema para essa divisão das vilas, das agrovilas. Um dizia, eu vou para lá, para a Lagoa; aí outro dizia que ia também e outro também e, daí a pouco, o grupo estava formado [Zé Dalena – Nova Conquista]

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Quando estávamos lá no acampamento nós fazíamos muita coisa juntos. Praticamente tudo era feito em conjunto,

discutido no coletivo. Por isso, lá era todo mundo unido e existia muito companheirismo. Agora, de conhecer as pessoas eu conhecia muito pouco. Chegava gente de todo canto e não tinha como conhecer todo aquele mundão. A gente participava dos grupos e dava para conhecer um pouco das pessoas daquele grupo [José Carlos – Nova Conquista].

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As áreas disponibilizadas contemplavam 658 lotes e as famílias cadastradas no acampamento eram 572.

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Mais famílias que não estavam lá no berço da estrada, depois conseguiram um pedaço de terra que ia sobrando da

quantidade de terra. A gente foi colocando pessoas que estavam lá fora e precisavam de um pedacinho de terra. Chegavam aqui e pediam. Alguns eram trabalhadores de fazendas como o Chico, a Dona Maria e o Raimundo. Outros estavam lá encostados na cidade, mas eles não eram da cidade. Estavam lá porque não tinham onde ficar. (...) Lembro que tinha também um grupinho de pessoas das fazendas daqui, da vizinhança, que queriam entrar para receber um pedaço de terra. Queriam porque diziam que as terras onde estavam eram da família, dos pais e eles queriam criar sua própria família e precisavam construir alguma coisa para si. Aí nós não deixamos porque eles já estavam em cima do que era deles [Zé Dalena – Nova Conquista].

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Eu vim na frente, com um grupo de vinte pessoas, porque tínhamos a informação que um pessoal ligado ao prefeito e

aos fazendeiros estava querendo colocar pessoas de Imperatriz e de outras regiões, pessoas que não tinham sofrido nenhum problema no berço da estrada e não estavam nem se ligando para a caminhada. Nós viemos, um grupo de vinte pessoas, para esse lado daqui e outro grupo foi para o lado de lá. Fizemos uma barreira para que não entrasse ninguém

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A base do movimento descobre aos poucos que as conquistas nunca estão definitivamente garantidas e as pressões, tensões e antagonismos reaparecem constantemente, em outros níveis e com outras características, ao longo do processo. Com efeito, são sempre múltiplos e díspares as relações e os projetos referidos à terra. Ao lado dos sem-terra há fazendeiros, especuladores, grupos empresariais, políticos, agentes administrativos, entre outros.46

Constituídos os grupos em conformidade com a capacidade de assentamento de cada núcleo, os acampados iniciaram a viagem que, como ressaltado, teria sido simultaneamente geográfica e social.

Ao chegar ao local de destino, os assentados de Nova Conquista levantaram um novo acampamento às margens da área de assentamento. Uma vez que os lotes ainda não tinham sido demarcados, de início trataram a terra como um bem coletivo. Assim, respeitando normas estabelecidas de comum acordo, cada família podia cultivar aquilo que precisasse para o sustento.47 Enquanto isso, escolheram o lugar onde a vila seria construída. Organizaram-se, limparam a área e começaram a dividir os lotes de 20 por 30 metros. Feito isso, sortearam entre si os terrenos e cada família, de acordo com as próprias possibilidades, começou a construir a casa / barraco. Passaram a morar definitivamente na vila após terem ficado mais de um ano no acampamento. Somente dois anos