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O urbano e o rural: similaridades e diferenciações

O conceito de “acampamento”, utilizado para descrever mobilizações de sem-teto e de sem- terra, configura-se, desde o início, numa categoria interpretativa que visa realçar as similaridades

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existentes entre os dois processos. Na realidade, os sem terra falam de “acampamento” e os sem-teto usam a expressão “área de ocupação”. Constituem, como indicado pela narrativa dos acontecimentos, dois fenômenos que se desenvolvem em situações sociojurídicas distintas. Com efeito, enquanto o movimento dos sem-teto se constrói com base nas áreas de ocupação e, quando são despejados, restam-lhes duas alternativas, reconstruir a agregação no mesmo espaço físico ou dispersar-se, o movimento dos sem-terra acampa em pontos estratégicos, como beira de rodovias, entrada de fazendas ou outros assentamentos. Esta condição caracteriza o conflito e o próprio assentamento. Na realidade, para manter sua unidade o movimento urbano deve reproduzir a situação de “ilegalidade” jurídica56 reocupando as áreas das quais o sem-teto foi despejado e, em decorrência disso, vive em permanente e crescente tensão, enquanto o movimento rural acampa em situação de aparente “legalidade jurídica”, ainda que o problema social permaneça. Resulta, então, que para o movimento dos sem-teto não existe possibilidade de separação / distinção entre “área de ocupação” e área de “acampamento”. Deste modo, os sem-terra despejados da Fazenda Califórnia se estabeleceram no assentamento Itacira. Recusaram o convite de levantar o acampamento na vila e ficaram na beira da estrada.57 Pelo contrário, reorganizado na área de despejo o acampamento dos sem-teto torna-se o espaço da confrontação. As formas violentas que assume o conflito marcam a vida de seus membros. Mais tarde, as principais referências à época do acampamento priorizam os despejos, a violência sofrida, o pelotão da polícia e dos jagunços contratados pela construtora, a destruição dos barracos, as prisões de membros do movimento e a morte de um deles. O acampamento dos sem-terra é uma forma de agregar e chamar a atenção pública para o problema. Em geral não é um espaço de violência, sofrida nas ações de ocupação e despejo, e sim de organização, formação e planejamento. As recordações focalizarão a unidade e solidariedade do grupo.

Não obstante estas diferenciações, ambos trazem a denúncia da excludência que está em sua própria natureza.

Apesar das diversidades apontadas, é possível afirmar que a conjunção e articulação das relações, tensões e processos que produziram os acampamentos dos sem-teto e dos sem-terra são

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Barreira escreve: “É importante, nesse sentido, lembrar que a ocupação de terras, que é o ponto inicial do habitar na cidade, acontece em grande parte dos casos, na condição de não legalidade, o que torna inicialmente a relação com os órgãos públicos plena de desconfiança e medo. Acrescido a esse fato, o próprio beneficiamento de serviços de água, luz e saneamento é feito de modo precário pelos moradores, através de recursos próprios que, inclusive, burlam as regras de controle urbano de tais serviços”. In NASCIMENTO, Elimar Pinheiro e BARREIRA, Irlys Alenar F. (org.). Brasil

urbano. Cenários da ordem e da desordem. Rio de Janeiro: Notrya, 1993. Citação p. 171.

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As razões alegadas foram essencialmente duas: a) a vila ficava afastada de pontos estratégicos, tornando mais difícil a pressão política; b) a permanência na vila podia criar a ilusão de uma convivência harmoniosa com os assentados e favorecer a acomodação do movimento. Como será aprofundado mais adiante, o acampamento e o assentamento resultam e expressam formas de socialização distintas.

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essencialmente as mesmas. Com efeito, a investigação58 mostra que as condições que geram os movimentos e as mobilizações por meio das quais estes se constituem são muito parecidas. Ou seja, não há separação e sim aproximação entre o movimento social rural e o urbano. E a aproximação não se limita às formas organizativas e às estratégias de encaminhamento das ações dos movimentos, mas contempla a natureza das mobilizações e o caráter das questões envolvidas. Em outras palavras, a proximidade: a) não é geográfica, uma vez que os processos se desenvolvem a aproximadamente 600 quilômetros de distância; b) não é fruto da vontade dos movimentos, pois nunca estabeleceram nenhum tipo de contato, e o conhecimento recíproco, caso exista, foi mediado pelos meios de comunicação; c) não assenta na identificação do bem reivindicado, uma vez que as bases materiais de produção de suas vidas são diferentes: mundo do trabalho e terra. Isto leva a trabalhar com a hipótese de que os movimentos sociais surgem, se desenvolvem e se transformam em consonância com o movimento da sociedade. As proximidades e similaridades percebidas entre diferentes movimentos sociais são, portanto, produto e expressão das transformações que redefinem a questão social. Ao mesmo tempo em que resultam do processo de redefinição do social, os movimentos sociais também são construtores da sociedade. Por isso, seu caráter deve ser buscado no interior da questão social e não a partir de sua radiografia interna. Estão integrados à unidade social como processos que explicitam e redefinem o campo do conflito. Importa lembrar que sua existência contém a denúncia de sua excludência. Neste sentido, o caráter da questão social, assim como dos movimentos sociais, está no processo que institui e redefine o conflito. Em outras palavras, a compreensão das questões sociais e dos próprios movimentos sociais depende da investigação relativa ao caráter dos conflitos sociais. Conseqüentemente, a hipótese ventilada é que os movimentos sociais tentam retirar os conflitos do campo do privado a que foram relegados pela ordem social dominante, torná-los públicos e, com isso, conferir-lhes um caráter social e político. É o que pode ser definido como processo de alargamento do campo do conflito que contribui para construir novos espaços públicos e, com isso, redefinir a sociabilidade. Neste sentido, os movimentos sociais têm um caráter instituinte.

Conclui-se, então, que os movimentos sociais são parte constitutiva da unidade social e devem ser apreendidos e investigados com base nos processos sociais e não enquanto unidades ou processos autônomos. Seu estudo exige uma interpretação da questão social fundada em novas bases que

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“... exercita-se o método comparativo, enquanto experimento mental ou ideal, por meio do qual a reflexão apreende continuidades e descontinuidades, recorrências e seqüências, integrações e rupturas; em geral expressas em relações, processos e estruturas de dominação e apropriação, compreendendo sempre os contrapontos soberania e hegemonia, alienação e emancipação”. IANNI, Octávio. “A sociologia e as questões sociais na perspectiva do século 21”, in IX

Congresso Brasileiro de Sociologia, Sociedade Brasileira de Sociologia, Porto Alegre, 30 de agosto a 3 de setembro,

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contemplem a redefinição e o alargamento dos conflitos e a ampliação dos espaços públicos que propiciam a socialização e politização das questões sociais. As questões sociais adquirem outro caráter.

Deste modo, é a disputa pela definição e alargamento do conflito que caracteriza o surgimento e desenvolvimento dos movimentos sociais investigados. É esta também a questão central nas interpretações e explicações do social.59 Conclui-se, então, que os assentamentos e respectivos movimentos devem ser apreendidos e analisados no contexto das transformações que redefinem as relações coletivas, individuais e institucionais. Estas constituem processos sociais que desenraízam e enraízam em outros espaços físicos e sociais, desestruturam e reestruturam, destroem e reconstroem, excluem e incluem, enfim, minam os ordenamentos instituídos e abrem para novas composições. As novas configurações dependem das propostas em disputa e da correlação das forças proponentes. O conflito, então, é um espaço de disputa e é dele que surgem os movimentos sociais. Infere-se, por conseguinte, que os movimentos sociais são forças sociais que produzem a mudança, e não expressam desordem. Também não constituem fenômenos marginais e antiinstitucionais, expressão de disfunções do sistema.60 Pelo contrário, ao retirar as questões da esfera privada para que sejam debatidas e equacionadas publicamente, revelam-se portadores de uma nova proposta de integração e emancipação. Por isso, na perspectiva da produção da mudança social, os movimentos sociais carecem de novas interpretações e formulações teóricas.

Alguns esclarecimentos teórico-metodológicos se fazem necessários, uma vez que o propósito é interpretar os acampamentos / movimentos em termos de similaridades e diferenciações.

a) Um primeiro ponto a ser destacado é que as similaridades e as diferenciações são relações sociais e estão articuladas no mesmo processo social de tal forma que não se negam. Por causa disso, ao acentuar ou privilegiar determinadas dimensões ou características do social, a

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A tentativa de compreender a natureza das mudanças funda as diferentes interpretações da sociedade brasileira. Fernandes coloca a questão nestes termos: “Quais são as características da mudança numa sociedade como a brasileira? Por que o controle da mudança é tão importante para o poder político das classes sociais dominantes?” E mais adiante explica: “Os processos de mudança são, com freqüência, fenômenos de poder, na evolução das sociedades. E o controle da mudança, por sua vez, quase sempre aparece como fenômeno político. (...) Nas condições peculiares da sociedade de classes dependente e subdesenvolvida, a mudança e o controle da mudança são, com maior razão, fenômenos

especificamente políticos”. FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. Aspectos do desenvolvimento da

sociedade brasileira. 3ª edição. São Paulo - Rio de Janeiro: DIFEL, 1979. Citações p. 23 e 49.

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RUGGIERO,Vincenzo. Movimento nella città. Gruppi in conflitto nella metropoli europea. Torino: Bollati Boringhieri, 2000. Referência à p. 56.

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investigação não pretende menosprezar ou negar outras. Neste sentido, quando são apontadas as similaridades entre os movimentos sociais urbanos e rurais, não estão sendo encobertas ou suprimidas as especificidades, peculiaridades e diferenciações. Ao mesmo tempo, enfatizar as similaridades não induz a concluir que ocorram por igual em todos os movimentos sociais e em todos os lugares. Portanto, falar de similaridades e diferenciações de movimentos sociais é discorrer sobre similaridades e diferenciações de processos sociais. Com isso, o núcleo dos processos dos quais nascem e se desenvolvem as similaridades e as diferenciações não se encontra somente no interior dos movimentos e não depende unicamente da vontade política de seus membros. Todas as dimensões estão contidas no movimento do social para o qual contribuem determinações múltiplas e diferentes e do qual os movimentos são uma manifestação. Deste modo, similaridades e diferenciações não existem em universos ou movimentos diferentes; compõem e estão no mesmo processo. São expressões de tensões e conflitos mediante os quais os grupos, movimentos e classes se organizam e operam.

b) Outro aspecto a ser salientado é que tanto as similaridades como as diferenciações não constituem dados empíricos objetivados. São conceituações, interpretações teóricas que permitem decompor e reorganizar as relações sociais que compõem os acampamentos e imprimem movimento à sociedade. Em outras palavras, as similaridades e as diferenciações são construídas e não apreendidas a olho nu.

c) A comparação entre os acampamentos dos sem-teto e dos sem-terra permite decifrar as articulações, as tensões, os conflitos, as tendências, os arranjos de um mesmo processo social e não a constituição de realidades que se configuram e se movem de forma autônoma e independente. Com isso, a análise das relações de similaridades e diferenciações que configuram aqueles processos objetiva apreender e compreender o movimento do social, detectar seus traços constitutivos, os elementos que operam com maior intensidade e configuram tempos, espaços, grupos e povos a um movimento de socialização que é unitário. O concreto é unidade na diversidade.

Caso a reconstituição das mobilizações que resultaram nos acampamentos dos sem-teto de São Luís e dos sem-terra de Imperatriz ocultasse alguns dados relativos à localização e aos objetivos propostos e se fixasse na dinâmica dos acontecimentos, a narrativa permitiria a troca das posições

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sem, com isso, alterar o conteúdo dos processos. Com efeito, as estratégias e formas de mobilização são muito próximas: agregação, ocupação, despejo, organização do acampamento, redefinição do problema em termos sociais, articulação com outros grupos, movimentos e organismos da sociedade e, finalmente, assentamento.

De início, seria possível sugerir que as proximidades resultam da presença ou “interferência” do Fórum da Moradia61 e do MST62 presentes nas mobilizações e que, de certa forma, contribuem para uni-las a outras ações similares em curso em outras áreas e regiões. Com efeito, articulados regional e nacionalmente, estes organismos possuem estruturas organizativas e estratégias de luta similares e, de certa forma, padronizadas. Em decorrência disso, as formas de mobilização voltadas para a conquista da casa e da terra, independentemente do lugar geográfico, acabam assumindo os mesmos traços: ocupação, acampamento, assentamento. Contudo, se de um lado há uma proximidade que se manifesta em termos organizativo e estratégico, do outro há também uma unidade processual que resulta das transformações ocorridas e que redefiniram a questão social. Em outras palavras, as similaridades e convergências estão nas condições sociais que geram os diferentes movimentos, na transformação de problemas locais e de grupos em questões sociais, nos processos sociais que transformam os atores envolvidos e seus movimentos em atores políticos.

No processo delineado, os movimentos sociais apontam para: a) a existência de grupos sociais e espaços físicos não integrados, ou seja, não institucionalizados - os acampamentos são evidências disso; b) a exigência de redefinir o conflito e alargar o espaço público e; c) a necessidade, ainda que não explicitada, de uma nova institucionalização.

Como o caráter das relações, das tensões, dos atores e das mobilizações está contido nas articulações, configurações e arranjos do social, as similaridades e as diferenciações devem ser buscadas no interior do processo de instituição e redefinição da sociedade e não na vontade dos

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O nome oficial do chamado Fórum da Moradia é, na verdade, Sociedade Maranhense em Defesa da Moradia. Trata-se de uma entidade civil sem fins lucrativos. Seu objetivo primordial consiste em apoiar as articulações dos movimentos de luta pela moradia, estimulando sua unificação e procurando fortalecer a conquista de uma política habitacional condizente com os direitos da população. A entidade é filiada ao Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM. A

organização estadual é regida por uma coordenação composta de 18 membros e uma executiva de 7 membros. Os coordenadores regionais representam o Fórum nas instâncias municipais. Entre as atividades desenvolvidas destacam-se: a) capacitação e; b) assessoria jurídica. Fonte: Sociedade Maranhense em Defesa da Moradia.

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Para um estudo do Movimento dos Sem-Terra, entre outras obras, pode-se consultar: FERNANDES, Bernardo Monçano. MST: formação e territorialização. São Paulo: Hucitec, 1999; A formação do MST no Brasil. São Paulo: Vozes, 2000; Questão agrária, pesquisa e MST. São Paulo: Cortez, 2001. GOHN, Maria da Gloria. Os sem-terra,

ONGs e cidadania. São Paulo: Cortez, 1997. ZANDER, Navarro. “Sete teses equivocadas sobre as lutas sociais no

campo: o MST e a reforma agrária”; in São Paulo em Perspectiva, vol. 11, nº 2, São Paulo: Fundação SEADE, abr-jun de1997.

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movimentos ou de seus coordenadores. Por isso, como indicado, pensar os movimentos sociais hoje requer uma nova definição do problema social.

A primeira característica similar entre os dois processos investigados está assentada nas condições sociais de seus membros. É possível dizer que o elemento que funda os acampamentos é a “carência” de um bem social: casa e terra. As origens dos acampados e assentados, urbanos e rurais, são muito parecidas. Os indicadores sociais permitem afirmar que pertencem às mesmas classes sociais. Diferenciações maiores resultarão do desenvolvimento dos assentamentos. Os acampamentos, assim como os assentamentos em fase inicial, expressam um grau maior de homogeneidade. Os dados coletados em Canudos e Nova Conquista63 mostravam que 59,36% do assentados urbanos tinham nascido no interior do estado, em pequenos povoados ou na zona rural, e 64,96% dos que foram contemplados com um lote no projeto de assentamento rural, ainda que esporadicamente, tinham morado em povoados e cidades. Outro dado significativo: enquanto 69,23% dos assentados de Nova Conquista declararam ter sempre trabalhado a terra, apenas 5,98 já tinham sido proprietários. Dos que foram assentados em Canudos, uma pequena minoria, ou seja, 12,56% do total, declarou ter possuído casa própria em São Luís antes de residir naquele bairro. Por isso, quando surgiu o acampamento e, mais tarde, o assentamento, parcela significativa teria deixado o aluguel, 25,81%, e a casa de parentes ou amigos, 41,14%.

Características comuns, portanto, são: a) a mobilidade espacial; b) a condição material de sua produção socioeconômica: “não proprietários”, de casa e de terra, e; c) os limites de sua reprodução social como trabalhadores beneficiários dos “recursos” colocados à disposição de parte da população. Desta base decorre a convergência dos processos ensejados. Com efeito, casa e terra representam: a) o lugar a partir do qual é possível construir a vida; b) a possibilidade de manutenção e reprodução, ainda que ilusórias, da unidade familiar e dos valores tradicionais e; c) o lócus a partir do qual o entorno ganha forma e sentido. Daí a importância da organização social dos acampamentos e assentamentos que configuram o espaço da vida.

As características apontadas mostram que os movimentos sociais não estão mais no campo da produção. Por isso, para decifrá-los é necessário construir novas categorias interpretativas. Nesta

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Torna-se necessário frisar que os dados mobilizados para as considerações aqui elaboradas são relativos a uma fase da pesquisa empírica realizada entre os meses de outubro de 2001e fevereiro de 2002. Não retratam, portanto, as condições dos assentados e as relações “lote ou casa e proprietário” na época da criação dos assentamentos. É preciso, então, levar em consideração que Canudos já tinha três e Nova Conquista cinco anos de existência e o levantamento não captou eventuais desistências e substituições ocorridas naquele período.

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perspectiva, Martins afirma que a categoria “exclusão” não é apropriada para entender e explicar a nova questão social.64

A composição dos assentamentos com base na faixa etária dos responsáveis pelos domicílios contribui para traçar o perfil e caracterizar os acampamentos e assentamentos, bem como os próprios movimentos sociais. Em Canudos os responsáveis pelos domicílios eram assim distribuídos: 42,98% tinham entre 21 e 30 anos, 35,67% entre 31 e 40 anos e 11,99% entre 41 e 50 anos. Em Nova Conquista a situação era a seguinte: 18,80% tinham entre 21 e 30 anos, 29,06% entre 31 e 40 anos e 26,50% entre 41 e 50 anos.

Merece reparo o elevado número de jovens responsáveis por domicílios. No que diz respeito ao assentamento rural, ainda que os índices sejam inferiores àqueles registrados no assentamento urbano, concorrem para desfazer a idéia, de senso comum, de que os jovens estariam, indistintamente, deixando o campo e migrando para as cidades. No assentamento investigado existe uma parcela considerável de pessoas com idade entre 20 e 40 anos que são responsáveis pelos domicílios e “proprietários” dos lotes rurais.65 Pode-se trabalhar com a hipótese de saturação das cidades, da transformação por que está passando o mundo do trabalho e da dificuldade de conseguir emprego, sobretudo por parte daqueles que possuem um baixo nível de escolaridade.66 De todo modo, os dados permitem inferir que os movimentos sociais que deram origem aos acampamentos e assentamentos eram constituídos por parcelas significativas de jovens. Trata-se de um aspecto relevante, uma vez que contribui na caracterização dos movimentos sociais e reforça a tese da reprodução. As gerações mais jovens colocam as questões sociais e políticas em outros níveis, o que redefine os próprios movimentos.67

Ao mesmo tempo em que descortina uma base social comum, a composição dos acampamentos também revela diferenciações. Uma delas diz respeito à representação em termos de gênero. Com efeito, enquanto o acampamento dos sem-terra é constituído por uma maioria de homens, acompanhados, em muitos casos, pelas respectivas famílias, no movimento dos sem-teto é elevado o

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MARTINS, José de Souza. A sociedade vista do abismo: novos estudos sobre exclusão, pobreza e classes sociais. Petrópolis, Vozes, 2002.

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Enquanto o PA – Projeto de Assentamento não for emancipado, os assentados não são proprietários com plenos direitos – jurídicos – das terras.

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Os depoimentos dos assentados de Nova Conquista retomarão alguns destes aspectos.

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Os coordenadores e diretores dos organismos e instâncias de representação dos movimentos referidos são, em grande maioria, jovens. O que está em causa não é apenas uma questão de idade, mas sobretudo de compreensão dos processos e de estratégias de mobilização. As tensões aparecem também nas relações que estes movimentos estabelecem com os organismos de caráter mais tradicional e institucionalizado: sindicatos e partidos, entre outros.

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número de mulheres.68 Em Canudos 55,55% dos proprietários dos terrenos eram mulheres e representavam 36,96% do total dos responsáveis pelos domicílios. Situação bem diferente foi encontrada em Nova Conquista, onde as mulheres representavam 12,82% dos responsáveis pelos domicílios, índice que, grosso modo, correspondia às mulheres proprietárias dos lotes. Os dados do