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6. Resultados

6.2. Os itinerários terapêuticos

6.2.10. Itinerário Terapêutico de Jasmim

Jasmim é divorciada, tem 40 anos e possui um filho, de nove anos, autista e com síndrome de Down. Mora com sua mãe e o filho. Conta, emocionada, que o marido pediu a separação logo após o nascimento do filho e foi a mãe quem sempre a auxiliou.

Trabalha em casa fazendo doces e salgados para vender. Desta forma, consegue ficar mais perto do filho.

Relata que passa por dificuldades financeiras, pois o ex-marido, na maioria das vezes, atrasa o pagamento da pensão e as encomendas de doces e salgados variam de um mês para o outro. Assim, a única renda fixa é a aposentaria da mãe de Jasmim.

Nós passamos muitas dificuldades. Meu menino é especial e requer maiores cuidados. O meu marido pediu a separação logo que o menino nasceu. Eu não posso trabalhar fora. Preciso cuidar dele. Por isso, trabalho em casa. Faço bolos, salgados e vendo. O pessoal lá do bairro me conhece e sempre acabam comprando alguma coisinha para me ajudar. Ainda para ajudar, meu ex-marido não paga a pensão certinho. Sempre atrasa e tem mês que não paga. Diz que é difícil pagar, pois tem outra família para sustentar. Nós vamos fazendo o que dá. Se não fosse a minha mãe não sei o que seria de mim. Ela, ainda por cima, me ajuda com a aposentaria.

Jasmim mora próximo a uma Unidade de Saúde da Família (Unidade Púrpura). Sua família é cadastrada nesta unidade e todos passam por consulta com a médica, quando necessário. Afirma que é a primeira vez que está procurando por atendimento odontológico. O filho está queixando-se de dor em um dente.

Eu nunca passei no dentista aqui no postinho. A gente sempre passa com a médica. Mas meu menino está reclamando de dor de dente.

Jasmim foi a Unidade Púrpura acompanhada do filho para passá-lo na vaga de urgência. Porém, ao chegar, foi informada que a equipe de saúde bucal estava realizando uma visita domiciliar. Ela teria de voltar no período da tarde.

Desta forma, retornou no período da tarde, conforme havia ficado combinado. No entanto, a dentista afirmou que iria encaminhá-lo ao CEO, pois se tratava de um paciente especial que deveria ser atendido por um especialista. Disse, ainda, que o encaminhamento não é muito rápido, mas, caso fosse necessário, poderia ir até a UPA.

Ela foi muito atenciosa, mas não atendeu o meu filho. Nem olhou! Me falou que não é especialista. Que as crianças especiais são atendidas lá no CEO. Lá tem um especialista. Ela me explicou que para encaminhar demora um pouquinho, mas que ia tentar o mais rápido possível. Mas, se eu precisasse podia ir na UPA para um atendimento de urgência.

Passaram-se dois dias e a equipe de saúde bucal da Unidade Púrpura ainda não havia entrado em contato com Jasmim para informá-la a respeito do encaminhamento. O filho começou a queixar-se com mais frequência da dor, inclusive chorando para se alimentar. Então, Jasmim resolveu levá-lo a UPA.

O postinho não me ligou para falar do encaminhamento. Já faz dois dias que eu estou esperando. E o menino reclamando do dente. Agora começou a chorar na hora de comer. Decidi procurar a UPA.

O dentista da UPA também não atendeu o filho de Jasmim. Afirmou que os pacientes especiais devem ser atendidos no CEO, por um especialista. E quem realiza o encaminhamento é a unidade de saúde na qual o usuário é cadastrado.

Assim, Jasmim retornou à Unidade Púrpura. Ela estava nervosa querendo uma solução para o problema do seu filho. Foi neste momento que nos encontramos.

Desta vez, a dentista da Unidade Púrpura ligou no CEO e conversou com a supervisora. Queria que o filho de Jasmim fosse atendido no mesmo dia, pois estava com dor e precisava de uma consulta de urgência.

No entanto, a supervisora explicou que o CEO não faz atendimento de urgência. Este deveria ser realizado na Atenção Básica ou na UPA. Todos os pacientes que iriam passar por atendimento no CEO naquele dia estavam confirmados e, inclusive, dois já estavam na sala de espera. Também seria atendido, naquele dia, um paciente de Ribeirão Bonito, que depende do transporte municipal. Não seria possível desmarcar nenhum deles para atender o filho de Jasmim.

Diante da recusa do CEO em atendê-lo no dia, a dentista da Unidade Púrpura exaltou-se no telefone.

Este foi um dia muito tenso. Jasmim estava exaltada. Ela estava nervosa e preocupada com a dor do filho. Queria uma solução para o seu problema. A dentista também se exaltou com a supervisora do CEO no telefone, exigindo uma consulta de urgência. Era possível ouvir da sala de espera (Diário de campo).

Desta forma, a supervisora do CEO disse que iria confirmar a agenda do próximo dia e, caso algum paciente não confirmasse a sua consulta, ela entraria em contato para colocar o filho de Jasmim no lugar.

E foi assim que Jasmim conseguiu que seu filho fosse atendido. Ao confirmar a agenda, um dos pacientes estava hospitalizado e não poderia comparecer à consulta no CEO.

Foi muito difícil conseguir que meu filho fosse atendido. Por causa da condição dele, ninguém quer atender. Mas, graças a Deus, agora ele foi atendido e não está mais com dor. Como ele tem mais coisas para fazer, vai começar o tratamento no CEO. Já marcaram um retorno.

No dia da consulta no CEO, conversamos novamente. Agora, Jasmim estava mais calma e feliz (Diário de campo).

Fig. 12 Itinerário Terapêutico de Jasmim.