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6. Resultados

6.2. Os itinerários terapêuticos

6.2.4. Itinerário Terapêutico de Lírio

Lírio é um adulto jovem de 43 anos, casado e pai de duas filhas adolescentes, uma de 14 e outra de 12 anos. Está desempregado há um mês e relata fazer “bicos” para ganhar algum dinheiro. Trabalhou como vigilante nos últimos dez anos. Sua esposa é atendente em uma padaria. O casal veio da Bahia e reside em São Carlos há 16 anos.

Lírio foi à Unidade Básica de Saúde (Unidade Azul) próxima da sua residência para tentar um encaixe com dentista. Na verdade, a consulta que deseja é para sua filha mais nova. Ela estava junto do pai. A menina é portadora de uma oclusopatia e precisa colocar aparelho ortodôntico para corrigi-la.

Relata que sempre pagou tratamento odontológico para suas filhas, porque não quer que elas sofram com dor de dente. Diz orgulhoso que as meninas nunca tiveram cárie.

Não quero que sofram com dor de dente. Isso é terrível! Mas elas cuidam bem, nunca tiveram cárie. Sempre que vão é para fazer limpeza.

Relembra que quando criança na Bahia não teve a oportunidade de cuidar dos seus dentes. De família humilde, não tinha recursos, sofreu muito com dor de dente e sempre que passava por atendimento era para extrair o dente que estava doendo.

Lá na Bahia era muito difícil. Lá não tem dentista igual aqui. Sempre ia para “arrancar” o dente que doía muito.

Na última visita da sua filha ao dentista, foi orientado a procurar por tratamento ortodôntico para corrigir a má oclusão. A dentista lhe explicou que esta oclusopatia poderia provocar consequências mais sérias no futuro, caso não fosse tratada. Indicou uma colega para que ele fosse fazer um orçamento.

Agendou a consulta e acompanhou a filha, mas diante do custo do tratamento e da manutenção mensal do aparelho, percebeu que não poderia pagar. Assim, a dentista pediu que procurasse a Associação Paulista dos Cirurgiões Dentistas (APCD). Explicou que quando a APCD oferta curso de Ortodontia para a especialização de cirurgiões-dentistas, fazem o atendimento de pacientes e colocam aparelhos com um custo bem menor.

Assim, Lírio foi na APCD se informar e conseguiu agendar uma avaliação para sua filha. Ela fez a avaliação e o dentista pediu que fizesse a documentação ortodôntica. Nesta época, Lírio ainda estava empregado e conseguiu pagar a documentação ortodôntica. Agora, nesta fase do tratamento, o ortodontista solicitou a exodontia de alguns dentes para que pudesse prosseguir com o tratamento. Mas, neste intervalo, Lírio ficou desempregado e agora não poderá pagar as exodontias. Preocupado, não quer perder o tratamento da sua filha, já que não foi fácil consegui-lo.

Agora que perdi meu emprego tudo está mais difícil. Não quero perder a vaga na APCD. Foi tão difícil conseguir a vaga dela lá. Agora que já começou. Já paguei uma parte.

Então, com o encaminhamento do cirurgião-dentista da APCD solicitando a exodontia dos dentes para a realização do tratamento ortodôntico, Lírio foi à Unidade Azul.

Conversou com a auxiliar de saúde bucal que lhe explicou que o agendamento para dentista acontece sempre no final do mês, na última segunda-feira do mês. Como já havia passado, deveria retornar no próximo mês para tentar a vaga. Então, Lírio

tentou argumentar que a próxima consulta da sua filha na APCD estava agendada para o fim do mês, ou seja, seria antes do dia de agendamento na Unidade Azul. Sendo assim, a auxiliar ficou com o encaminhamento e pediu que aguardasse para verificar o que poderia ser feito.

Ela ficou com o papel lá e disse que ia ver, mas que não garantia nada. Pediu para esperar

Diante desta resposta, resolveu ir a UPA para verificar se poderia extrair os dentes da sua filha lá. Foi orientado que como não se trata de um caso de urgência, não poderiam atendê-la; deveria procurar a unidade de saúde mais próxima da sua residência.

Lírio retornou à Unidade Azul para conversar, mas de novo ouviu que o agendamento é sempre no fim do mês e que as agendas dos dentistas já estavam com todos os pacientes marcados. A única opção seria esperar.

Eu voltei para perguntar, mas aí a moça falou que a agenda estava lotada, não tem

mais vaga. Teria de esperar.

Então, Lírio decidiu ir ao CEO para contar sua história, quem sabe conseguiria fazer as extrações de sua filha. Conversou com a supervisora, que foi muito atenciosa e lhe explicou que o CEO não faz este tipo de procedimento, que as cirurgias que são feitas no CEO são as mais complexas, principalmente as de terceiro molar inclusos ou semi-inclusos e que os pacientes que passam por atendimento no CEO são encaminhados das unidades de saúde.

Lírio não sabia mais o que fazer, para quem recorrer. Foi quando sua vizinha o orientou a procurar a Secretaria Municipal de Saúde.

Minha vizinha falou que eu devia procurar a Secretaria de Saúde para reclamar Foi aí que eu resolvi ir. Não podia ficar esperando. A menina ia perder o tratamento

Sendo assim, Lírio conversou com a gestora de nível central. Imediatamente, ela ligou na Unidade para conversar com a auxiliar de saúde bucal. Ao verificar a agenda, a auxiliar conseguiu encaixar a filha de Lírio na vaga de um paciente que havia desistido do tratamento.

No dia da entrevista, eles estavam na Unidade para fazer a exodontia dos dentes. Ele estava aliviado, afinal tinha conseguido a consulta da sua filha.

Graças a Deus deu tudo certo! A menina tirou dois dentes hoje e agora foi marcada para os outros dois.

Agora ela não vai perder a vaga lá na APCD.

Relata ainda que a equipe de saúde bucal da Unidade Azul não gostou muito da sua atitude de ir conversar com a gestora. Afirma que eles argumentaram que apenas estavam cumprindo as regras da unidade.

Eu percebi que eles não gostaram de eu ter ido conversar com a responsável. Eles falaram que estavam cumprindo as regras. E a regra é agendar no fim do mês. Mas tá bom. O que importa mesmo é a menina não perder o aparelho.

Fig. 6 Itinerário Terapêutico de Lírio.