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1.1 – DE COMO SER HOMEM NA SOCIEDADE COMPLEXA

1.2.2 V IUVEZ MASCULINA NA ATUALIDADE

Para o senso comum, na cultura ocidental moderna, o homem sofre menos com a morte da esposa, “consolando-se” rapidamente e logo entrando em novo casamento. No Brasil, dados demográficos apontam para um maior contingente de viúvas do que de viúvos na população geral (Berquó, 1998: 416 e 429;), aqui e lá fora13, onde, entre outros fatores, o recasamento do viúvo constituiria um componente não desprezível dessa diferença numérica, o que poderia trazer algum respaldo à assertiva anterior. Porém, convém não esquecer, como bem colocou Muraro (2001: 8-9), que “toda teoria estatística foi construída a partir de fenômenos físicos, e não se adapta à complexidade do comportamento humano. (...) Portanto, a estatística dá uma

13 Estudos de autores como Segalen (1993), Stroebe, Stroebe & Hansson (1999) e Moore & Stratton (2003)

afirmam a maioria numérica de viúvas na maior parte das sociedades urbanas ocidentais - ver bibliografia final para referências completas.

visão distorcida e homogeneizante da realidade”. Isto me parece mais importante ao se considerarem os indivíduos de camadas médias, onde, como mostrou Gilberto Velho (1989: 53; 1999b: 14), a heterogeneidade de comportamentos e pensamentos é uma característica. A experiência da viuvez, nesse estrato social, é altamente individualizada quanto ao processo de pesar, ajustamento e autodefinição. Então, há que se ver e ouvir os sujeitos de pesquisa, conhecê-los inclusive em sua subjetividade, de forma a apreender seu pensar, sentir, viver - o relato social que fazem em suas histórias14.

Uma outra observação deve ser acrescentada. Campbell & Silverman (1987) demonstram que, de acordo com a American Association of Retired Persons, nos Estados Unidos, a taxa anual de mortes, na população geral, mostra que, “num dado ano, a taxa de mulheres que perdem seus maridos para a taxa de homens que perdem suas esposas é 3:2” (p. 1). Os homens vivenciam a mesma situação de separação por morte de cônjuge que as mulheres, com todos os comemorativos que a acompanham; eles são menos visíveis ou estatisticamente inferiores na população maior por algumas razões, uma das quais é o recasamento, outra é a maior mortalidade. Considerando apenas os dados estatísticos populacionais, pareceria que os homens passam menos pela experiência da viuvez, o que não é verdade. Quer dizer, mesmo que representem pequena parcela censitária, os viúvos existem. Tanto Felix Berardo (1970: 12) quanto Britto da Motta (2002: 1) destacam a pouca atenção que os cientistas sociais têm dado aos problemas das pessoas enviuvadas. Com uma distância de mais de 30 anos entre os artigos científicos desses dois sociólogos, a observação tem a mesma pertinência. De qualquer forma, alguns trabalhos concernentes à problemática em pauta podem ser apresentados.

1.2.2.1-ALGUNS ESTUDOS RELACIONADOS COM VIUVEZ MASCULINA

Uma das primeiras referências da literatura sócio-antropológica ao fenômeno da viuvez é feita pelo sociólogo francês Emile Durkheim (2000) nos seus estudos sobre o suicídio. Afirma esse autor que o estado de viuvez é muito mais penoso para o homem do que para a mulher, pois ele perde mais com a morte da esposa que o contrário (p. 234). Na sua visão, a

14 Penso que a análise qualitativa oriunda da narrativa, por exemplo, pode deslindar os motivos e ações que estão

anomia doméstica que se instala decorre menos da morte da esposa do que da cuidadora do lar, pois a sociedade conjugal seria mais benéfica para o homem, e este suportaria menos o estado de viúvo. Afirma também que a mortalidade dos viúvos é muito maior que a das viúvas, como também a nupcialidade. Entretanto, é bom atentar para o fato de que essas declarações de Durkheim emergem em plena era evolucionista, cuja defesa ferrenha do patriarcado e supremacia masculina eram a regra, e onde as competências básicas da mulher estavam quase sempre restritas aos afazeres domésticos e cuidados para com marido e filhos. Penso que muita coisa mudou, mas quanto mudou realmente? De qualquer forma, estudos mais recentes parecem seguir a mesma argumentação de Durkheim quanto aos benefícios conjugais serem maiores para os homens, e cuja perda levaria os viúvos a se recasarem rapidamente. Voltarei a isto adiante.

Também no Brasil, pesquisas com pessoas idosas, principalmente mulheres, são freqüentes nas áreas da Psicologia e da Gerontologia, mas também estão crescendo na Sociologia, como já referido, e de forma incipiente na Antropologia, onde espero que esta tese possa contribuir. Entretanto, não é apenas na fase da velhice que a viuvez ocorre, e não sendo objeto específico de atenção naquelas pesquisas, a questão é apenas pontuada como achado incidental.

Em alguns estudos com idosos, Britto da Motta (2002a) encontrou um número muito reduzido de viúvos. Segundo a autora, a vida cotidiana desses homens, passada a fase de choques afetivo e representacional, transcorre entre a desvalia doméstica e o recurso aos saberes e ajudas de outras mulheres do grupo familial. Afirma ainda que a maioria deles recasa logo, geralmente com mulheres mais jovens que a esposa morta (p. 6). Os meus dados mostram algumas justificativas dadas pelos viúvos para que novo casamento ocorra, como é apontado no decorrer deste meu texto.

Pesquisas sugerem que o recasamento reduz as chances do cônjuge sobrevivente de declínio do seu bem-estar físico/saúde e emocional e de padrão econômico-financeiro de vida. Um estudo realizado por Ken R. Smith e Cathleen D. Zick (University of Utah) e Greg J. Duncan (University of Michigan), publicado em 1991, buscou avaliar os modelos de recasamento, nos cinco primeiros anos de viuvez, apontando variações específicas de sexo e idade. Os autores dizem que as taxas de recasamento para ambos os sexos ascendem no período inicial da viuvez e depois caem (p. 369). Viúvos com idade inferior a 60 anos têm três

vezes mais chance de casar do que os acima dessa idade. Em todas as idades, os viúvos têm oportunidades maiores de constituir nova união conjugal do que as viúvas; mas a diferença de gênero mais dramática é vista na do grupo de idosos, onde há 15 vezes maior probabilidade de recasamento para os enviuvados do que para as enviuvadas (p. 366).

Outros dados que emergem dessa investigação: a urbanidade influi negativamente, de modo que viúvos que vivem em grandes cidades têm chances diminuídas de recasar pela menor oportunidade de encontrar parceiras em perspectiva; o nível educacional do viúvo não parece influir na taxa de recasamento, embora os idosos sejam mais exigentes neste item; a existência de filhos tende a diminuir as chances de novo casamento (pp. 369-370). Além disso, a pesquisa sugere que viúvos que preferem não casar ou que, por qualquer motivo, não podem fazê-lo, terão mais a perder, como indicado por suas taxas mais altas de mortalidade seguindo a viuvez (Smith, Zick & Duncan, 1991: 371-372). “As taxas de mortalidade para viúvos que recasam são muito mais baixas do que as dos que não o fazem” (Stroebe & Stroebe, 1999: 185).

Isto parece concordar com o que Durkheim (2000a) disse a respeito do suicídio. Ele criou o coeficiente de preservação de vida, um indicador das chances de morte por suicídio nos diversos grupos populacionais. Em relação à viuvez, Durkheim defendeu que o homem usufrui mais vantagens do que a mulher, como vimos acima, sendo a sociedade doméstica “um potente preservativo contra o suicídio” (p. 242). Para o autor, não é pelos laços que unem pessoalmente marido e mulher que o casamento confere proteção ou imunidade ao suicídio; o benefício não advem da sociedade conjugal, mas sim da sociedade doméstica, pela presença da prole, e quanto maior for o número de pessoas que constitui a família, quanto melhor for a integração no agregado social, maior será a proteção conferida, pois “ele é tanto mais unido e tanto mais resistente quanto mais ativo e contínuo é o intercâmbio entre seus membros” (p. 249). Cotejando esses argumentos, não concordo com a posição de Durkheim no que concerne a essa proteção ser dependente do número de indivíduos que formam o grupo familial - pode ser que fosse assim na época em que ele escreveu sobre o tema. Hoje, com os novos modelos de família e de estratégias para seu desenvolvimento, os laços afetivos que unem o casal são considerados tão importantes, pelos próprios parceiros, como aqueles que os ligam aos filhos. A força da família não está no valor numérico dos indivíduos que a compõe, mas na qualidade afetiva da inter-relação que se estabelece entre eles. Para aprofundamento dessa questão,

remeto a Anthony Giddens (1993: 68; p. 72) e seu conceito de relacionamento puro e amor

confluente.

Uma publicação recente, intitulada Resilient widowers: older men adjusting to a new

life, é resultado de um trabalho conduzido por duas norte-americanas, citadas acima, a doutora

em Psicologia Social Alinde J. Moore e a assistente social Dorothy C. Stratton (2003). Embora seja um texto de pesquisa em base psicológica, como denuncia o título, além de fazer um recorte para viúvos idosos, alguns achados de representações sociais podem ser sacados. As autoras alertam para algumas crenças comuns sobre viúvos idosos que devem ser reavaliadas: - se maridos morrem primeiro, há poucos viúvos; - viúvos resolvem seu pesar casando-se rapidamente e com uma mulher mais jovem; - viúvos se tornam depressivos porque não podem cuidar de si próprios (p. 1). Todos estes estereótipos devem ser revisados na atualidade, quando as contingências e enfrentamento da vida dos/pelos homens mudaram, nas últimas décadas, especialmente no caso de viúvos mais jovens, que o meu estudo inclui.

Voltando a Moore & Stratton (2003), essas autoras listam as características que indicariam reorganização bem-sucedida da vida de um homem viúvo: sensação de bem-estar geral, perceber-se com boa saúde, ter uma renda adequada que lhe proporcione independência financeira, desenvolver pensamento positivo e perspectivas para o futuro, ter envolvimento formal ou informal com uma religião, perceber realisticamente suas próprias necessidades, ter alguma ocupação produtiva (trabalho formal ou voluntariado), ter pelo menos um amigo íntimo, viver no presente mas mantendo suas conexões com o passado (p. 10). As adaptações à viuvez, dizem as autoras, foram bastante positivas para muitos dos viúvos, mas em todos os casos percebiam-se resíduos traumáticos subjacentes à essa experiência (p. 17).

Na mesma obra, as autoras apontam as mulheres falecidas sendo referenciadas como boas esposas, boas mães e/ou avós, boas cozinheiras, boas donas de casa, etc. Tipicamente, os enviuvados descreviam as suas mulheres como tendo sido muito prestativas e cuidadosas com todos, mas especialmente com eles próprios (p. 20). A maioria delas não trabalhava fora do lar, mas tinha uma firmeza que lhes dava poder dentro da família e que lhes angariava o respeito dos maridos (p. 30) - eis a matrifocalidade em ação.

O período de casamento foi quase sempre referido como “bom” e “feliz”, onde havia interesses sociais comuns e tarefas compartilhadas (p. 25). No entanto, pela análise das

histórias, Moore & Stratton (2003) percebiam graus diversos de desentendimentos, especialmente em relação aos filhos (p. 28). Alguns maridos tenderam a “santificar” a esposa falecida. A “santificação” parecia vir do conhecimento que o homem tinha de que ele se comportara mal na relação conjugal, e o fato dela ter agüentado e permanecido casada provava que ela era uma mulher de qualidades incomuns (p. 29-30).

Quanto ao recasamento, 17 dos 51 viúvos, entrevistados pelas autoras, fizeram-no legalmente, enquanto 14 tinham ligações amorosas sem vínculo legal. Muitos dos homens entrevistados afirmaram que a cena social é de uma sociedade de casais, onde uma pessoa sozinha está fora. É possível pensar que este seja um dos motivos que leve ao recasamento. O mesmo tipo de comentário eu também encontrei nos enviuvados da minha pesquisa. Outros achados das pesquisadoras em pauta sobre os suportes acionados por esses viúvos serão apresentados nos capítulos correspondentes, adiante.

Mais informações sobre viúvos podem ser sacadas de outros estudos e pesquisas. Alguns resultados, inclusive, são mesmo surpreendentes para os seus autores. Lund, Caserta e Dimond (1999: 249), por exemplo, dizem que alguns fatores que eles supunham ter grande influência na recuperação dos separados por morte, não foram confirmados na sua pesquisa. Gênero, idade, educação, renda, religiosidade, estado de saúde, felicidade conjugal, foram considerados de pouca ou nenhuma importância nos ajustamentos dos sobreviventes idosos. No entanto, eles advertem que em outros contextos [e culturas] tais fatores podem ser mais influentes do que eles encontraram. Certamente, que sim, como os meus dados vão mostrar. Além disso, argumentos e resultados de outros autores serão acrescentados e comentados em todo o transcorrer desta tese.

Outras considerações são feitas por Kohn & Kohn (1978) que permanecem bastante atuais. Para esses autores, “o trauma que um homem experiencia quando sua esposa morre e o deixa, [ficando a lidar] com a grande responsabilidade de uma casa e freqüentemente filhos para cuidar, é grande” (p. 155). O tempo de ajustamento à perda do cônjuge pode ser mais curto ou mais longo, dependendo das circunstâncias e necessidades individuais. Muitos encontram conforto na família, nos velhos amigos, na fé religiosa. Com o passar do tempo,

novos amigos e envolvimentos/contatos sociais15 vão aparecendo. Pode até voltar a se

interessar por outra mulher, recasando ou não. Enfim, reestruturar a vida em outros moldes. Em linhas gerais, assim é descrita a viuvez masculina em tempos modernos, em outros lugares. A forma como isso acontece aqui no Nordeste do Brasil, com homens de camadas médias pernambucanas, é o que veremos nas páginas que se seguem. Mas, antes de prosseguir, ainda dentro deste capítulo, estou antecipando algumas informações preliminares da minha pesquisa.

1.3 – INFORMAÇÕESINICIAISDAPESQUISA

Um fato social total: é assim que me parece que deva ser tratado o tema viuvez. Marcel Mauss (1974: 179) criou a expressão “fato social total” para designar um acontecimento que põe em movimento a sociedade e/ou suas instituições, ou apenas um grande número de instituições, particularmente quando as trocas e compromissos ou obrigações estabelecidas concernem preferencialmente ao indivíduo. No meu entender, à experiência da viuvez pode ser atribuída a designação de fato social total, na medida em que articula pessoal e coletivamente fenômenos diversos cujas relações se pautam na solidariedade e na reciprocidade, onde rituais e outros suportes são postos em ação, onde o dar-receber-retribuir é efetivado, mostrando os vínculos que ligam as pessoas e as comprometem umas com as outras, às vezes para sempre. Na sociedade ocidental complexa, a mobilização do entorno social do indivíduo atingido por doença e morte é uma das situações de maiores transtornos que podem ocorrer, colocando em ação as diversas redes de relações que se ligam a esse indivíduo. Isto tudo será visto nas páginas que se seguem.

Os dados da pesquisa que embasa esta tese foram coletados entre setembro de 2006 e dezembro de 2007, sendo que uma das entrevistas só foi concluída em novembro de 2008, devido a reiteradas dificuldades em reencontrar um informante. O percurso trilhado no campo,

15 Para Jane B. Kohn (1978: xiii), “Certamente o viúvo, tanto quanto a viúva, é forçado a encontrar novo

significado na vida. Ambos devem restabelecer novos relacionamentos sociais, (...) rejeitar parte do passado é difícil porque a personalidade de alguém está sempre ligada ao passado”.

as características dos informantes, a experiência com a doença e morte das esposas, os reajustes para a vida subseqüente são apresentadas nos capítulos que compõem este trabalho. Entretanto, quero antecipar alguns dados da viuvez masculina coletados por mim e plotados no Quadro 1.0.

Vinte foram os viúvos entrevistados. A grande maioria (18 homens) enviuvou no primeiro casamento, e apenas em um caso a ocorrência se deu na terceira união. Também apenas um homem se tornou viúvo duas vezes. Neste último, a história narrada é referente à segunda esposa, com quem o marido viveu por mais de 40 anos, enquanto a primeira união durou poucos meses, não parecendo ter grande expressão na vida do mesmo, visto que foi sobre a perda da segunda esposa que decidiu falar.

Quadro 1.0 - Alguns dados relacionados à instalação da viuvez

Tempo de convivência total Tempo decorrido desde a morte

Idade dos cônjuges no momento da morte Nº Informante Casamento do qual enviuvou

anos

Ano da morte da

esposa

anos meses marido esposa

01 Roberto 1º casamento 28 2002 04 48 47 02 Anísio 1º casamento 23 1991 16 43 40 03 Josué 1º casamento 09 1978 29 28 30 04 Renato 1º casamento 18 2002 05 44 34 05 Josias 1º casamento 10 1981 26 32 28 06 Elísio 1º casamento 27 1988 19 51 52 07 Rui 1º casamento 46 2002 05 70 68 08 Artur 1º casamento 11,6 1973 34 28 28

09 Gerson 2 vezes (informa o 2º) 45 1997 10 72 64

10 Adonias 1º casamento 34,6 2003 04 61 68 11 Jonas 1º casamento 41,6 1991 16 63 63 12 Hélio 3º casamento 3,6 1994 13 38 36 13 Élcio 1º casamento 27 1991 16 52 57 14 Adolfo 1º casamento 49 2002 05 64 61 15 Valter 1º casamento 24,6 2006 01 07 56 55 16 Ivan 1º casamento 21,6 1992 15 45 43 17 Tácio 1º casamento 10 1995 12 35 29 18 Petrônio 1º casamento 38 2007 06 62 54 19 Éder 1º casamento 06 2001 06 30 35 20 Plínio 1º casamento 16 2007 06 41 42

Analisando ainda o Quadro 1.0, vê-se que, em relação ao tempo de viuvez e realização da entrevista, os espaços temporais mais curtos pertencem a Petrônio e Plínio, que tinham seis meses de separação por morte das esposas, quando foram entrevistados. O tempo mais longo era de 34 anos. Para outros intervalos temporais, havia dois informantes com mais de 25 anos de viuvez; entre 15 e 19 anos transcorridos, havia cinco viúvos; entre 10 e 14 anos, encontrei três; com menos de seis anos, havia sete entrevistados. É importante salientar que um período de tempo maior ou menor de viuvez não interferiu na decisão do viúvo participar da pesquisa, pois os que foram indicados primeiramente foram os que contatei, sendo suas respostas positivas para engajamento nessa investigação.

Quanto às idades, vê-se que dois homens, Josué e Artur, enviuvaram aos 28 anos. Seis homens se tornaram enviuvados com 35 anos e menos. Os viúvos que atingiram a mesma condição em idade mais avançada foram Rui e Gerson, respectivamente com 70 e 72 anos. Na discussão que é encetada nos capítulos seguintes, são vistas as repercussões que a ocorrência da viuvez mais cedo ou mais tarde trazem para as vidas dos homens estudados.

Em relação às esposas falecidas, as mais jovens eram Josefa e Ártemis, que tinham 28 anos, e Taciana, com 29. As mulheres mais velhas tinham a idade de 68 anos, ao óbito. Entre as demais, havia seis esposas mais velhas que os maridos e duas da mesma idade. Uma outra mulher era dez anos mais jovem que o marido; duas, oito anos; e as restantes tinham entre um a quatro anos a menos que seus respectivos companheiros. As diferenças nas idades entre os membros de cada par conjugal podem indiretamente sugerir que os padrões sociais já estavam em mudança, na época dos namoros e casamentos dessas pessoas, escapando da “norma” cultural que recomendava haver dois ou três anos a menos na idade da mulher em relação ao marido.

Os casamentos tiveram duração variável, mas todos moravam juntos quando a morte se deu. Lidar com doença prolongada ou com a morte súbita, encarar problemas como a dor e a solidão, fazer ajustamentos e reassumir/adquirir novas competências e habilidades: essas são realidades descritas pelos entrevistados. Os tempos de o viúvo viver sozinho foram enfrentados de forma similar em alguns pontos, enquanto outros guardaram especificidades individuais. Para quase todos, conservar retratos e alguns objetos que pertenceram à esposa falecida fazem parte das lembranças do passado: são os sinais concretos da vida vivida.

Alguns permaneceram nas mesmas casas, mantendo a mesma decoração; outros modificaram tanto uma coisa como a outra. Alguns guardam a aliança da esposa; apenas um usava sua própria aliança após seis meses da separação por morte.

A vida que continua trouxe o confronto com situações para as quais alguns viúvos não sabiam estar preparados. Administrar a moradia, desempenhar tarefas domésticas, criar os filhos, estão entre as ações que tiveram que dar conta. Como isto tudo se deu, é do que falo nesta tese. Então, vamos adiante.