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3 O MINICONTO E A FOTOGRAFIA

E. J Bellocq Série de As prostitutas de Storyville Nova-Orleans (1912)

Dubois (1994) explica a terceira série com a coleção de prostitutas de Storyville de 1912. Conforme as pesquisas de Henrique Marques Samyn (2006), o fotógrafo norte-americano (1873) trabalhou em Nova Orleans, nas primeiras décadas do século XX, fotografando barcos para ganhar a vida. Bellocq será reconhecido, internacionalmente, vários anos após a sua morte. Os negativos de Bellocq foram descobertos, casualmente, pelo fotógrafo Lee Friedlander; são fotografias que retratam as prostitutas que trabalhavam nos bordéis de Storyville e que revelam um fascinante mundo paralelo e oculto do início do século XX. Storyville era uma região de Nova Orleans confinada à prostituição. Ainda que o fotógrafo tenha se dedicado à fotografia comercial, provavelmente, aproveitava as horas livres para fotografar as mulheres de Storyville, que, a avaliar pela cumplicidade que se observa nas fotografias, não se incomodavam muito com a presença do fotógrafo.

De acordo com Samyn (2006)4, as fotos são um “testemunho visual” da

ambiência da época, dos bordéis transpirando cor e vida, decorados com tapetes orientais, candeeiros de cristal, muitos espelhos e animados pelos músicos de jazz da



4 http://www.carcasse.com/revista/anfiguri/bellocq/index.php 

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época. Por outro lado, configuram-se, também, como retratos da intimidade: mulheres sem vergonha da sua nudez em frente à câmara; vestidas ou despidas em variadas poses, sem mostrarem atos sexuais ou retratarem qualquer cena na presença de um homem. Foi, pois, com estas fotografias que Bellocq produziu uma considerável coleção de fotografias com “valor histórico”. Infelizmente, ressalta Samyn (2006), grande parte das suas fotografias foram destruídas após a sua morte, restando somente cerca de uma centena de negativos, salvos por Friedlander. Apenas em 1970, quando o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque tomou conta da existência de suas fotografias, foi que a coleção do artista foi editada, inclusive em livro.

A quarta e última série de que nos fala Dubois (1994), o fora-de-campo por incrustação, são todas as fotos com superfície refletora: “em todos os casos, trata-se de inserir, pelo jogo do reflexo, dentro do espaço ‘real’ enquadrado pelo aparelho (o campo), um (ou alguns) fragmento(s) de espaços ‘virtuais’, exteriores ao primeiro quadro, mas contíguos e contemporâneos a ele” (DUBOIS, 1994, p. 196).

A justaposição de imagem reflexo na imagem que a origina produz uma série de efeitos agrupados: em primeiro lugar, o fragmento de fora-de campo constituído pelo reflexo ocupa, ele próprio, um espaço no campo, ou seja, vem mascarar, apagar, apropriar-se de uma porção deste, como no caso de obliteração (DUBOIS, 1994, p. 196). Contudo, a parte obliterante não é neutra, não se estrutura por recortes artificiais, os quadrados negros, por exemplo, mas estrutura-se por uma presença, uma adição suplementar, um acréscimo oriundo de um campo que está na própria moldura, gerando, assim, a aglutinação das imagens.

Além disso, “o fora-de-campo do espelho, na medida em que é uma representação total e não apenas uma pura opacidade, não se contenta com ocultar uma parte do espaço do campo (supressão), ele funciona aí também por adjunção, adição, inscrição de um espaço figurativo em um outro” (DUBOIS, 1994, p. 198). O fora-de- campo por incrustação estrutura-se, portanto, pelo recorte do espelho no recorte da foto.

Dubois explica, ainda, que, por um lado, há casos em que o espelho interno reflete uma porção de espaço que está, de fato, situada fora-de campo e, por outro lado, há aqueles em que o espelho remete a um plano de espaço já situado no campo, mas que se vê sob um novo ângulo. Nos dois casos, o autor explica que vemos que se trata, principalmente, de multiplicar os olhares dentro do campo, de evitar a planura da visão monocular do aparelho, não imitando o efeito estereoscópico do olhar humano, sempre

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centralizador, mas marcando mais radicalmente em toda a sua heterogeneidade uma visão estourada e polimórfica do espaço fotográfico (DUBOIS, 1994, p.198-199).

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Alguns dos textos presentes em MMCs possuem estruturação de linguagem comum à da fotografia, e nos fazem pensar em que medida o miniconto particulariza o acontecimento narrativo. O objetivo central de nosso estudo é perceber a plasticidade dos recursos literários dos minicontos de JGN, possibilitando-nos refletir sobre a poeticidade da linguagem ao clicar o momento mais singular de uma dada situação, cena, acontecimentos da narrativa.

Gonçalves (1994, p. 18), retomando René Wellek e A. Warren, esclarece que

o meio de expressão específico de uma obra de arte não é meramente um obstáculo técnico que tem de ser transposto pelo artista para exprimir a sua personalidade, mas também um fator pré-formado pela tradição e que tem um poderoso caráter determinante, enformador e modificador dos processos e da expressão individual do artista.

Desse modo, tornam-se essenciais que se tenham claras as especificidades de cada gênero, de cada objeto artístico para que se “caminhe” na direção do entendimento das influências de um gênero em outro e compreender a questão da correspondência na organização das formas. Foi por esse motivo que refletimos sobre estas questões, acompanhadas, evidentemente, da particularidade do enunciado e da narrativa que nos interessa nesse estudo, a elipse de oração e das estruturas, juntamente com a da fotografia, o fora-de campo ou espaço off.

Maria Heloísa Martins Dias (1996, p. 157), em artigo intitulado “Os múltiplos ecos de um mesmo grito”, nos traz observações interessantes a esse respeito, ao dizer que

quanto mais a arte se centra na própria linguagem, trabalhando internamente os modos com que experimenta sua auto representação enquanto signo estético, mais se torna consciente de que tal construção só pode-se fazer, embora pareça paradoxal, se alimentada por outras linguagens exteriores a ela e com as quais dialoga.

Os minicontos em questão, na medida em que rompem e retomam particularidades do gênero prosa e forma narrativa conto, permitem-nos repensar a própria linguagem e, como aponta Dias (1996), verificar de que modo os outros meios “contaminam” o objeto-base.

Assim, ao se realizarem pesquisas dessa natureza, é imprescindível que, em determinados momentos, cheguemos ao limite de posicionamentos que culminam na

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inserção de novos paradigmas teóricos e, com isso, numa maior reflexão sobre as questões de interdisciplinaridade que, contemporaneamente, propõem o entrecruzamento da arte literária com outros sistemas semióticos, tais como o cinema, a pintura, etc., além da própria relação entre os gêneros da literatura (prosa e poesia).

Ao tomar por base esses apontamentos sobre a correspondência na organização das formas, optamos por, primeiramente, analisar os minicontos para, posteriormente, verificarmos de que modo a correspondência com a linguagem da fotografia ocorre e qual efeito de produção de sentidos decorre, pois a presença de tais recursos operatórios configuram-se como elementos poéticos da narrativa em estudo, singularizando o relato dos acontecimentos, o que denominamos de a poética de instantes ficcionais, em que determinado acontecimento é clicado pela linguagem no seu momento mais significativo.

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4 ANÁLISE DOS MINICONTOS