• Nenhum resultado encontrado

J US C OGENS E O RDEM P ÚBLICA I NTERNACIONAL

4. H IERARQUIA DAS F ONTES

5.3. J US C OGENS E O RDEM P ÚBLICA I NTERNACIONAL

A admissão de um Direito Internacional imperativo representa a aceitação do princípio de que a comunidade internacional está assentada em “valores fundamentais” ou “regras básicas”, que compõem a “ordem pública da comunidade internacional” ou “ordem pública internacional” e que, dessa forma, obrigam todos os sujeitos de Direito Internacional,

sido expressada por governos anteriores de determinado país, afinal, os sujeitos de Direito Internacional são os Estados, e não os seus governos.

89

ALEXIDZE, Levan. Legal Nature of Jus Cogens in Contemporary International Law. Recuéil des Cours. Collected Courses of The Hague Academy of International Law. Tomo 172. Vol. III. The Hague: Martinus Nijhoff, 1982. p. 247.

limitando, inclusive, a liberdade dos Estados e das Organizações Internacionais tanto na conclusão de tratados quanto na prática de atos unilaterais.90

Segundo André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros91, a expressão “ordem pública internacional” tornou-se célebre com a obra de Hermann Mosler, The International

Society as a Legal Community, e hoje é adotada pela generalidade dos jusinternacionalistas.

Todavia, parcela expressiva da doutrina parece confundir as noções de

jus cogens e de ordem pública internacional. Celso D. Albuquerque Mello, por exemplo,

parece cometer esse equívoco ao escrever que “o jus cogens é assim a ordem pública para a satisfação do interesse comum dos que integram a sociedade internacional”92.

A confusão é notada por Robert Kolb93, para quem a ligação que se faz entre os dois conceitos revela um automatismo conformista da doutrina moderna, que não se ocupa de considerações críticas a respeito do tema. Para Kolb, jus cogens e ordem pública pertencem a planos jurídicos claramente distintos: a ordem pública seria uma noção de direito material, enquanto o jus cogens, uma “técnica jurídica”. Na visão do autor, a noção de ordem pública está impregnada de causas específicas e de finalidades sociais; o jus cogens não produz mais do que um efeito técnico-jurídico, relacionado à derrogabilidade das normas. A ordem pública representaria o conjunto de normas que exprimem os valores materiais supremos de cada

90

PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 278.

91

PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 278.

92

MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de Direito Internacional Público. 15. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. p. 76.

93

KOLB, Robert. Théorie du Ius Cogens international: essai de relecture du concept, 1. ed. Paris: Presses Universitaires de France, 2001. p. 172.

ordem jurídica. Nesse contexto, a ordem pública internacional seria o núcleo material intangível da constituição internacional. O jus cogens, por sua vez, não seria direito material, nem mesmo uma determinada categoria de normas, mas um atributo inerente a certas normas que, em função dele, seriam inderrogáveis.

Embora concordemos que não se pode identificar os conceitos de jus cogens e de ordem pública internacional, a diferenciação operada pelo citado jurista suíço não aparenta ser a mais correta. Yasuhiko Saito94 observa que existe uma conexão muito estreita entre os dois institutos, dado que quando o jus cogens é violado, a ordem pública internacional é necessariamente afetada.

Erik Suy95, referindo-se ao Direito Internacional contemporâneo como um

direito essencialmente de cooperação, ou mesmo de ativa coexistência, afirma ser necessário, com vistas a evitar uma perigosa estagnação das relações internacionais, reconhecer uma ordem pública mínima, abrangendo não apenas um corpo de normas absolutamente vinculantes, como também de todo um sistema garantidor de seu cumprimento.

A melhor orientação, pensamos, é a de John Quigley96, para quem o jus cogens reflete a idéia de uma comunidade internacional. A ordem jurídica internacional, a exemplo da interna, possui certos princípios fundamentais que não podem ser violados. O jus cogens, nesse sentido, evidencia a existência de uma ordem pública internacional.

94

Citado por FRIEDRICH, Tatyana Scheila. As normas imperativas de Direito Internacional Público: Jus

Cogens. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 68.

95

Citado por FIORATI, Jete Jane. Jus Cogens: as normas imperativas de Direito Internacional Público como

modalidade extintiva dos tratados internacionais. 1992. 199 f. Dissertação (mestrado) – Faculdade de História,

Direito e Serviço Social da Universidade Estadual Paulista, Franca - SP. p. 99-100. 96

Com efeito, a ordem pública internacional consiste no conjunto de princípios de natureza moral, política e filosófica, marcados pela relatividade e alterabilidade, os quais expressam as necessidades sociais básicas dos membros da comunidade internacional. A ordem pública, nesse diapasão, é a expressão dos valores básicos da sociedade internacional, os quais, se devidamente cotejados, revelam o preciso standard de civilização da humanidade. Em outras palavras, é por meio da ordem pública que se verificam os valores homenageados pela sociedade internacional em determinada época. Identificar o que é agressivo à ordem pública internacional implica, assim, reconhecer as condutas que não mais são admitidas no meio social internacional. Com isso, revela-se o real estágio evolutivo da humanidade, afinal, a exemplo do homem, a sociedade internacional não é fielmente retratada pelo que faz, mas pelos comportamentos que não tem mais condições de reproduzir.

O jus cogens, em contrapartida, é a expressão jurídico-material desses valores. É o conjunto de normas de direito material que revelam a existência de valores com os quais a sociedade internacional não transige. Não se trata de mera técnica jurídica ou de atributo de certas normas inderrogáveis, mas da norma de imperatividade absoluta em si mesma. São as normas de jus cogens que reconhecem direitos imanentes, deferem direitos subjetivos inalienáveis e conferem obrigações erga omnes.

Com isso, conclui-se que, a exemplo do direito natural, que se concretiza no direito positivo, a ordem pública internacional materializa-se no jus cogens. Não são institutos sinônimos, mas sem dúvida complementares.