• Nenhum resultado encontrado

J US C OGENS COMO L IMITADOR DO D IREITO I NTERNACIONAL E CONÔMICO

No documento Direito internacional imperativo: jus cogens (páginas 101-107)

A análise das normas de cada uma das instituições de Bretton Woods permite a conclusão de que o Direito Internacional Econômico constitui ramo especializado do Direito Internacional Público. As normas básicas de Direito Internacional Econômico, nesse sentido, são normas internacionais em sentido estrito, tendo natureza jurídica de tratados (os tratados instituidores, bem como os acordos bilaterais firmados pelo FMI e pelo BIRD). As decisões do FMI, do BIRD e da OMC, por sua vez, também são fontes de Direito Internacional Econômico (decisões de organizações interestatais).

Essa constatação permite, com certa tranqüilidade, asseverar que as normas de Direito Internacional Econômico estão sujeitas às mesmas limitações impostas às demais normas internacionais. Em outros termos, tanto os Estados, quanto as instituições sobre as quais se erige o Direito Internacional Econômico têm a liberdade de pactuar limitada pelas normas imperativas de direito internacional geral.

Acesso em: 8 set. 2005. 154

PAUWELYN, Joost. The role of Public International Law in the WTO: how far can we go? The American Journal of International Law. Vol. 95:535. p. 539. Disponível em: <http://www.asil.org/ ajil/pauwelyn.pdf>.

Não obstante, como já alinhavado na introdução deste capítulo, as normas de Direito Internacional Econômico parecem ter uma imperatividade diferenciada das demais normas internacionais. Prova disso são o elevado grau de implementação das decisões do órgão de solução de controvérsias da OMC e o fiel cumprimento pelos Estados dos acordos com o FMI e com o BIRD, fenômenos que são explicados pela valoração (e pressão internacional daí decorrente) feita pela sociedade internacional das normas reguladoras das relações econômicas internacionais. Quando os interesses em jogo na cena internacional têm natureza econômica, o bem jurídico tutelado pela norma aparenta receber tratamento privilegiado pela sociedade das nações.

A questão relevante para este trabalho é a de saber-se se essa valoração diferenciada pela sociedade internacional, que torna, na prática, o Direito Internacional Econômico “mais obrigatório” do que o Direito Internacional em geral, faz com que existam, no bojo daquele ramo especializado de Direito das Gentes, regras de imperatividade absoluta. Em outras palavras, há normas de jus cogens no Direito Internacional Econômico?

Para responder-se adequadamente a questão, é mister formular outra indagação: os valores abraçados pela sociedade internacional quando da elaboração das normas reguladoras da economia mundial expressam as necessidades sociais básicas dos membros da comunidade internacional? Em outros termos: os valores econômicos da sociedade internacional podem ser entendidos como inseridos no conjunto de princípios que compõem a ordem pública internacional?155 Pensamos que não. A proteção à estabilidade das

Acesso em: 8 set. 2005. 155

relações econômicas internacionais, embora, sem dúvida, represente uma tutela da coletividade, ao proteger formalmente os Estados, por exemplo, de políticas estatais predatórias em matéria de comércio, também encerra mecanismos de manutenção do status

quo, quando, por exemplo, abraça os ideais do liberalismo, os quais, sabidamente, tendem a

privilegiar os Estados ricos, que têm mais fôlego para a competição no mercado internacional.

Se os valores homenageados pela sociedade internacional quando da regulação das transações econômicas interestatais não são abarcados pela ordem pública internacional, não há falar-se em normas de jus cogens (expressão jurídico-material da ordem pública) no Direito Internacional Econômico.

Não obstante, a confirmação da inexistência de normas de jus cogens no Direito das relações econômicas internacionais não esgota a reflexão em torno do tema. Impende, destarte, trilhar o caminho inverso, para perceber-se o jus cogens como limitador do Direito Internacional Econômico.

Com efeito, a comentada interdependência econômica dos membros da sociedade internacional, bem assim o impacto potencial dos compromissos internacionais assumidos pelos Estados em atenção à imperatividade das normas internacionais econômicas tornam necessária a digressão a respeito dos limites impostos aos Estados e às instituições reguladoras da atividade econômica internacional.

Uma primeira abordagem, de todo genérica, permite aduzir que as normas de Direito Internacional Econômico, como espécies do gênero normas de Direito Internacional, não podem contrariar, sob pena de invalidade, nenhuma norma de jus cogens, cumprindo à

sociedade internacional realizar o controle dessa conformação do regramento jurídico das relações econômicas internacionais com a ordem pública das nações.

Buscando maior especificidade, pode-se dizer que a autonomia da vontade dos Estados está limitada por normas de jus cogens, por exemplo, vinculadas ao princípio da autodeterminação dos povos. Dessa forma, são inválidos os acordos de investimento firmados por um Estado que acarretem dilapidação de fato dos recursos naturais de seu território (ou do território de um povo colonial)156. Como visto, como corolário da autodeterminação, tem-se que ao povo é deferida, por uma norma cujo caráter é de jus cogens internacional, a soberania sobre os recursos naturais existentes no território sobre o qual está estabelecido. Note-se, por oportuno, que a primeira entidade a ter o dever de respeitar o direito do povo sobre seus recursos naturais é o próprio Estado157, que não pode aliená-los de fato, já que não lhes pertencem. Tal raciocínio é válido não apenas para o Estado instituído pelo povo titular dos recursos naturais, como para o Estado ocupante ou colonizador.

No mesmo sentido, os tratados de comércio e de investimento precisam ser interpretados e aplicados de acordo com as normas de jus cogens. Dessa forma, um tratado de investimento pode não ser inválido, desde que interpretado conforme o jus cogens, mas ainda assim servir de base para a violação da norma juris cogentis pelo investidor. Nesse caso, o Direito Internacional repudiará a conduta do Estado-parte, mas preservará a integridade do tratado.

156

BAPTISTA, Eduardo Correia. Ius Cogens em Direito Internacional. 1995. 1104 p. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. p. 870-871.

157

BAPTISTA, Eduardo Correia. Ius Cogens em Direito Internacional. 1995. 1104 p. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Lisboa, Portugal. p. 872-873.

Outra questão de Direito Internacional Econômico que chama a atenção é a do endividamento externo dos países menos desenvolvidos. Com forte tom humanitário, a questão permite vislumbrar, talvez, uma obrigação erga omnes de perdão da dívida externa de países que, comprovadamente, não tenham condições de pagar sequer o serviço da dívida,

sem comprometer o atendimento às necessidades básicas de sua população158. É forçoso

reconhecer, entretanto, que a matéria é bastante controvertida. Se o perdão da dívida externa dos países pobres constitui um apelo à solidariedade internacional, o tratamento da questão sob a ótica do jus cogens torna essa solidariedade obrigatória. Essa conclusão não é estranha às nossas conjecturas a respeito do direito natural159, fundamento último do jus cogens, mas é sabidamente ousada para os tempos de hoje.

Quanto às normas da OMC, o órgão de solução de controvérsias desse Organismo Internacional, no julgamento do caso United States—Import Prohibition of

Certain Shrimp and Shrimp Products, referiu-se à necessidade de interpretação da expressão

“recursos naturais exauríveis”, prevista no artigo XX do GATT, conforme “as preocupações contemporâneas da comunidade das nações a respeito da proteção e conservação do meio

ambiente”160. Tal manifestação está em consonância com a interpretação das normas

internacionais conforme o jus cogens, nos termos defendidos nesta dissertação. A norma cogente internacional, no caso, seria, mais uma vez, a que defere ao povo direitos inalienáveis sobre os seus recursos naturais.

158

GORDON, Ruth E.; SYLVESTER, Jon H. Deconstructing Development. Villanova University School of Law. School of Law Working Paper Series. Disponível em: <http://law.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1004&context= villanovalwps>. Acesso em: 12 set. 2005.

159

Vide capítulo 2 (último parágrafo) desta dissertação. 160

PAUWELYN, Joost. The role of Public International Law in the WTO: how far can we go? The American Journal of International Law. Vol. 95:535. p. 575. nota de rodapé nº 255. Disponível em: <http://www.asil.org/

Com o exposto, pode-se construir um panorama geral do relacionamento do Direito Internacional Econômico com o jus cogens. A imperatividade absoluta das normas de expressão dos valores básicos da sociedade internacional sugere a necessidade de releitura de alguns comandos reguladores da economia mundial, para, possivelmente, no futuro, promover a adequação do Direito Internacional Econômico aos reclamos do emergente direito de desenvolvimento161, que se edifica sobre a noção de jus cogens e retrata a idéia de que o desenvolvimento é um direito de todos, constituindo corolário dos direitos humanos. Em outros termos, os direitos humanos não poderiam ser efetivamente desfrutados sem desenvolvimento econômico. O jus cogens, portanto, está a limitar, mas também a delinear possíveis novos rumos para o Direito Internacional Econômico.

ajil/pauwelyn.pdf>. Acesso em: 8 set. 2005. 161

GORDON, Ruth E.; SYLVESTER, Jon H. Deconstructing Development. Villanova University School of Law. School of Law Working Paper Series. Disponível em: <http://law.bepress.com/cgi/viewcontent.cgi?article=1004&context= villanovalwps>. Acesso em: 12 set. 2005.

No documento Direito internacional imperativo: jus cogens (páginas 101-107)