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F ONTES DE D IREITO I NTERNACIONAL

Na teoria geral do direito, consideram-se fontes as razões que determinam a produção das normas jurídicas — fontes materiais — ou a maneira como elas são reveladas — fontes formais40.

Ian Brownlie41 registra, no entanto, que, embora os autores comumente

diferenciem as fontes materiais das formais, no Direito Internacional é difícil manter essa distinção. Isso porque o mestre inglês considera que as fontes materiais fornecem evidências da existência de regras que, quando provadas, possuem o status de normas jurídicas de aplicação geral, enquanto as fontes formais são os procedimentos e métodos de criação de normas jurídicas de aplicação geral, vinculatórias dos seus destinatários. Adverte, em seguida, que esses procedimentos dizem respeito aos mecanismos constitucionais (estatais) de produção legislativa, só tendo sentido, portanto, sob o prisma do direito interno dos Estados. Considerando que inexiste uma mecânica de produção das normas internacionais, o conceito de fontes formais torna-se inaplicável no contexto das relações interestatais. Afirma que o importante, no Direito das Nações, são as fontes materiais, as evidências da existência de consenso entre os Estados sobre regras ou práticas específicas.

V. D. Degan42, por sua vez, assinala a ambigüidade da expressão “fontes de Direito Internacional”, que possui vários significados diferentes, até mesmo antagônicos. Citando Herbert Briggs, alerta para a confusão de “fontes” com: (1) “bases” da

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SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 53. 41

BROWNLIE, Ian. Principles of Public International Law. 5th ed. Oxford: Oxford University Press, 2001. p. 1-2.

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obrigatoriedade, i.e., fundamento do Direito Internacional; (2) “causas”, i.e., fatores que influenciam o desenvolvimento do Direito Internacional — fontes materiais; (3) “evidências” do direito, por vezes restritas a “evidências documentais” por meio das quais se expressam as normas substantivas. Ressalta que, em homenagem à precisão e clareza, Briggs advogou o emprego do termo em sentido formal, indicando os “métodos ou procedimentos por meio dos quais o Direito Internacional é criado”.

Preferimos o conceito de Fausto de Quadros, para quem as fontes materiais são as razões pelas quais aparece a norma e as fontes formais, o seu processo de revelação43. Nessa linha, investigar as fontes materiais do direito implica identificar as situações fáticas, as relações jurídicas de direito material que reclamam regramento jurídico. Fontes materiais são os fatos e circunstâncias que demandam a construção de regras jurídicas. A simples existência de interação entre Estados e Organizações Internacionais, por si só, já justifica a necessidade de normatização desse relacionamento, sendo a primeira das causas para a existência do Direito Internacional. As fontes formais, por sua vez, são os meios pelos quais o direito revela-se, torna-se evidente. São os meios pelos quais se expressam as regras jurídicas, o Direito em si mesmo.

O estudo das fontes é imprescindível para o correto entendimento do direito. É amplamente admitido que apenas uma noção do direito baseada na doutrina das fontes permite distinguir a norma jurídica de outras regras, como as de ordem moral ou política44.

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PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de. Manual de Direito Internacional Público. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 151.

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DANILENKO, Gennady M. Law-Making in the International Community. Dordrecht: Martinus Nijhoff Publishers, 1993. p. 23.

Não obstante, é mister observar que, para o direito positivo, interessa apenas o estudo das fontes formais.

As fontes formais típicas de Direito Internacional estão arroladas, como já alinhavado, no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Observe-se,entretanto, que o termo “fontes” não aparece na redação do artigo, que faz menção aos instrumentos a serem aplicados pela Corte na solução dos litígios que lhe sejam apresentados. Sabendo-se, todavia, que o instrumento de trabalho do tribunal, para a realização e distribuição de justiça, é o Direito Internacional, fica claro que as alíneas (a), (b) e (c) do § 1º referem-se às formas de expressão desse direito — às suas fontes, portanto.

A linguagem utilizada no texto merece reparo, em especial na alínea (a), que se refere às “convenções internacionais” que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes. Melhor teriam feito os legisladores internacionais se houvessem-se referido a “tratados”, expressão técnica designativa das normas escritas, consensuais, firmadas e ratificadas por Estados e Organizações Internacionais, criadoras de direitos e obrigações recíprocos a respeito de matérias determinadas. É verdade que a praxe internacional construiu a noção de que “convenção” é o tratado multilateral concebido para ser universal, ou seja, o tratado negociado com a intenção de ser ratificado pela generalidade dos membros de determinada universalidade — de regra, uma organização interestatal. Nada obstante, a doutrina é uníssona no sentido de a norma típica de Direito Internacional escrito é o tratado, pouco importando o nome que se lhe dê: acordo, ajuste, pacto, protocolo, convenção, ou qualquer outro que a criatividade dos negociadores internacionais possa imaginar.

A segunda fonte formal de Direito Internacional, o costume, é comumente entendido como a prática reiterada dos Estados, que se reproduz e repete com a consciência de que é direito, logo, obrigatória. É o uso associado à opinio juris a respeito de sua obrigatoriedade (opinião jurídica de que a conduta é obrigatória). Trata-se de fonte importantíssima de Direito Internacional, com força hierárquica equivalente à do tratado. Isso significa que não apenas o tratado torna inaplicável o costume antigo, no que for incompatível com a norma escrita posterior, mas também o costume suspende a aplicabilidade e eficácia jurídicas do tratado anterior que lhe seja contrário (lex posteriori derogat lex anteriori). É interessante registrar que o costume internacional, nessa esteira, justamente por constituir norma de Direito Internacional, em nada se aproxima do costume do direito interno brasileiro, considerado apenas como instrumento de integração da lei, nos termos do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil45.

Quanto aos princípios gerais de direito, impende notar que terão essa qualidade os aceitos como tais pela generalidade dos Estados. De todo infeliz é a menção, na alínea (c) do § 1º do artigo em comento, aos princípios reconhecidos pelas “nações civilizadas”. O que são nações civilizadas? Quais são as nações não civilizadas? Não parece haver respostas corretas a essas indagações, que, antes, parecem evidenciar uma redação baseada em injustificáveis (ao menos no campo do Direito) concepções imperialistas do chamado mundo ocidental. Os princípios gerais de Direito Internacional são os princípios gerais de direito interno conhecidos pela generalidade, ou, ao menos, por um grupo expressivo de Estados. Essa aceitação generalizada permite que se infira que sua aplicação é admitida pela sociedade internacional como um todo, fenômeno que eleva os princípios gerais de direito à categoria de

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Art. 4º da LICC: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

fonte de Direito Internacional. Convém advertir que, no direito brasileiro, os princípios gerais de direito constituem, tal qual o costume, meros instrumentos de integração das normas internas. Todavia, e nisso diferem substancialmente do costume, os princípios gerais de direito brasileiros representam, juntamente com os seus congêneres estrangeiros, a matéria- prima de formação dos princípios gerais de Direito Internacional, fontes de Direito das Gentes.

No que pertine à alínea (d) do art. 38, que trata da doutrina e da jurisprudência internacionais, alguns autores, a exemplo de Guido Soares46, afirmam que, pela razão de estarem capituladas no Estatuto da Corte Internacional de Justiça, tanto as decisões judiciais quanto os ensinamentos dos mais altamente qualificados publicistas das várias nações constituem fontes de Direito Internacional. Entretanto, parece haver um equívoco nesse entendimento, relacionado ao próprio conceito de fonte de direito. Se fonte (formal) de direito é o meio pelo qual o direito se revela, tem-se, em sentido contrário, que o produto revelado pela fonte é, necessariamente, direito. Ora, se é direito, é obrigatório. Se é obrigatório, não pode deixar de ser aplicado. A expressa ressalva feita às disposições do artigo 5947 do Estatuto deixa claro que as decisões anteriores dos tribunais internacionais não vinculam o pronunciamento da Corte da Haia, isto é, não são obrigatórias — não sendo vinculantes, não são, portanto, direito. Parece mais apropriado entender a doutrina internacionalista e a jurisprudência dos tribunais internacionais, nos exatos termos da alínea (d) do art. 38, como meios auxiliares para a determinação das regras de direito, ou, em outras palavras, como meios auxiliares para o manejo das fontes formais de Direito Internacional, com os quais se buscará melhor identificar e interpretar os comandos nelas expressos.

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Tratados, costumes e princípios gerais de direito: eis, portanto, as fontes típicas de Direito Internacional, às quais se convencionou chamar de codificadas, justamente por estarem positivadas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Entretanto, a despeito da reconhecida autoridade desse dispositivo, é tranqüila na doutrina a noção de que o

rol de fontes nele estabelecido é meramente exemplificativo. Degan48 observa,

ilustrativamente, que o subparágrafo (b) do art. 38 do Estatuto descreve o costume internacional como a prova de uma “prática geral” aceita como direito. Isso poderia significar que apenas o costume internacional geral seria considerado fonte de Direito das Gentes. Todavia, a prática dos Estados, alguns julgamentos da própria Corte da Haia e a doutrina jusinternacionalista já reconheceram, de há muito, a existência do direito costumeiro particular, cujas regras são muito próximas de acordos não escritos entre dois ou mais Estados, sendo, no entanto, em vários aspectos diferenciadas do costume internacional geral.

Guido Soares49 critica a lacuna em comento, que entende injustificada em face da emergência das organizações regionais de integração econômica do tipo “mercado comum”, no âmbito das quais são instituídos órgãos comunitários que, por delegação de poderes dos Estados-Partes, elaboram normas especiais e regionais, dirigidas aos Estados, aos próprios órgãos comunitários, a pessoas jurídicas de direito interno e até mesmo a indivíduos. Aduz, nesse sentido, que as decisões das organizações internacionais interestatais50, bem assim as declarações unilaterais dos Estados constituem fontes unilaterais de Direito

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“Art. 59. A decisão da Corte não é obrigatória senão para as partes em litígio e respeito ao caso alvo de decisão”. 48

DEGAN, V. D. Sources of International Law. The Hague: Martinus Nijhoff Publishers, 1997. p. 6. 49

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 56. 50

Para Guido Soares, as decisões das organizações internacionais interestatais, com a mais variada denominação e com efeitos distintos, conforme o caráter da organização, são consideradas fontes porquanto oriundas de órgão ao qual se atribui o poder de editar normas internacionais.

Internacional (em contraposição com as fontes de natureza bilateral ou multilateral, assim entendidas as construídas a partir do consenso entre Estados, entre Estados e organismos internacionais, ou do consenso de organismos internacionais entre si).

Degan51 explica que são fontes de Direito Internacional as declarações

unilaterais por meio das quais um Estado assume determinada obrigação legal nova, renuncia a direitos de que seja titular, ou adquire novos direitos. Os efeitos jurídicos das declarações unilaterais não são diferentes dos efeitos decorrentes dos acordos firmados pelo Estado, tanto escritos (tratados), quanto não escritos (direito costumeiro particular). Quanto às decisões das organizações interestatais, reconhece a tendência de virem a ser consideradas fontes autônomas de Direito Internacional. Entretanto, por considerar que as organizações com poder para editar regras (básicas) internacionais ainda são em número reduzido (apenas três, segundo o autor: Organização Mundial da Saúde, Organização Mundial de Meteorologia e Organização Internacional da Aviação Civil), entende prematura a afirmação de que suas decisões são fontes de Direito das Gentes.

Concordamos, no entanto, com Guido Soares, incluindo no rol de fontes de Direito Internacional não só as decisões unilaterais dos Estados, mas também as decisões das organizações interestatais, nas hipóteses em que lhes tenha sido deferido, pelos Estados que as instituíram, competência para editar normas internacionais sobre determinada matéria.

Além das fontes até aqui enumeradas, convém ressaltar a existência de um conjunto de normas jurídicas com grau de normatividade menor do que as tradicionais, mas nem por isso menos significativas. Tratam-se de normas a que a doutrina, por decisiva

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influência de autores norte-americanos, denomina soft law, em oposição às normas tradicionais, que passaram, então, a ser tratadas de hard law52. A idéia da soft law emergiu a partir da relevância e da atuação crescente da diplomacia multilateral, com o fortalecimento da vertente de enfatizar-se o dever de cooperação contido nas normas internacionais (em contraposição à feição de direito de manutenção do status quo). De fato, a soft law nasce nos foros das negociações multilaterais, ambiente em que os Estados costumam estar mais preocupados com a solução das questões emergentes na cena internacional, de maneira rápida, adequada e eficiente, sem muita preocupação com a roupagem jurídica de suas decisões comuns53. As denominações das normas que compõem a soft law têm variado: non

binding agreements, gentlemen’s agreements, códigos de conduta, memorandos, declarações

conjuntas, declarações de princípios, atas finais e até mesmo acordos e protocolos, que são expressões mais comumente empregadas para a designação de tratados54.

Por último, também são fontes de Direito Internacional as normas objeto desta dissertação. As normas imperativas de Direito Internacional geral constituem o direito “que obriga”, o direito “imperativo”. Francisco Rezek55 afirma que o jus cogens foi originalmente teorizado por juristas alemães de expressão, como Alfred Verdross e Friedrich von Heydte, nos anos precedentes à Segunda Guerra Mundial. O tema, contudo, já inquietava os pensadores do Direito medievais, a exemplo de Hugo Grotius. No entanto, foi, de fato, apenas no século XX que o tema ganhou contornos de cientificidade. Rezek conceitua jus cogens como o “conjunto de normas que, no plano do direito das gentes, impõem-se objetivamente

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SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 136. 53

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 137. 54

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Atlas, 2002. p. 138. 55

REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 115.

aos Estados, a exemplo das normas de ordem pública que em todo sistema de direito interno limitam a liberdade contratual das pessoas”56.

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REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: Curso Elementar. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 115.