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To collect, preserve and display

JACQUES PIMPANEAU INALCO

jpimpaneau@hotmail.com 37 The p arad igm o f co ntempo rar y ar t and ethn ographi c o bjec ts

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gavetas, protegidas da luz. Na verdade, o maior risco para os objectos é a sua expo- sição pública; esta é uma realidade incon- tornável quando se trata de conservação. Há duas situações distintas: a conservação em exposição e a conservação em reservas. Independentemente do material de que se- jam feitos, a maior parte dos objectos que estão protegidos da luz, do pó, dos insec- tos, da humidade, e se me permitem, de alguns restauradores, podem manter-se preservados por longos períodos de tempo, séculos até. Refira-se uma excepção: a dos objectos em pele, por necessitarem de apli- cação periódica de fungicidas que assegu- rem a sua maleabilidade.

Antes de falar sobre os objectos propria- mente ditos, debrucemo-nos sobre a pre- servação de ritos religiosos e teatrais, sem ser em contexto de representação, dado que constituem uma parte importante da antropologia cultural. Nos museus acede- mos, através dos objectos, a essas repre- sentações, também em formato de filme ou pela evocação de manequins trajados para o efeito. Claro que o teatro e os rituais podem ser registados em filme, em fotografia, em fita magnética, etc., mas estes meios são, também, frágeis. Dizia-se, em tempos, que a gravação digital seria a solução para a pre- servação segura… informam-nos, agora, da duração de apenas dois anos de alguns DVD. Quando olhamos para antigos (ou relativa- mente recentes) vídeos, apercebemo-nos que a cor já se esbateu, numa atmosfera tingida num verde bizarro. Isto implica que sejam feitas cópias com regularidade, mas quem terá paciência e fundos para levar a cabo tal tarefa? Fotografias a cores, pintadas à mão ou feitas com pó de amido mantêm- -se mais tempo e com mais qualidade, mas estas técnicas atingem, hoje, custos proi- bitivos. Na realidade, filmes e fotografias a preto e branco afiguram-se um meio mais seguro, uma vez que a imagem não é traída pelo passar do tempo.

Há pessoas que insistem em gravar tudo, investindo horas intermináveis em grava- ções que ninguém vê. Ver uma apresenta- ção ao vivo ou ver a respectiva gravação não é de todo o mesmo. Ao tentar armazenar tudo, corremos o risco de sermos esma- gados pelo excesso de informação e sendo cada vez mais difícil encontrarmos o que verdadeiramente pretendemos encontrar. Como referiu Karl Marx: o peso dos mor- tos atormenta os vivos como um pesadelo

sheltered from light. Indeed, what is most dangerous for objects is display, and this should always be kept in mind when we talk about conservation. The problem is differ- ent depending on whether we talk about the conservation of objects on display or of objects in storage. Whatever materials they are made of, most objects that are protect- ed from light, dust, insects, too much or too little humidity, and I feel like saying from some restorers, can be preserved perfectly for astonishingly long periods, centuries in some cases. One exception concerns ob- jects made of leather as they require pe- riodical application of anti-fungus wax to keep their flexibility.

Before talking about the objects themselves, let us look at how one might preserve thea- tre and religious rites outside their own per- formance since these are an important part of cultural anthropology. Such performances are displayed in museums through the ob- jects that are used in the context of the per- formance, or in the form of films, or some scenes might even be evoked with dummies dressed with costumes. Of course, theatre and rituals can be recorded on films, on pho- tos, on tapes, etc., but these mediums are also fragile. We were once told that, thanks to digital recordings, there was no longer a problem for preserving recordings… but we are now told that they may only survive two years on some DVD. And, when we look at old (or even relatively recent) videos, we see everything in faded colours and tinted with a strange spinach atmosphere. This means that copies should be made periodically, but who would have the patience, let alone the funds, to carry out such a task? Colour photographs that have been hand painted or made on glass with potato powder have lasted much longer and better, but cost would make such techniques prohibitive nowadays. In fact, black and white films and photographs seem to be a better medium as the original image is not betrayed in the long term.

Some people insist on recording everything, providing hours and hours of recordings which nobody ever watches. Indeed, to look at a real show and to look at its recording is not at all the same experience. By trying to keep everything, we would be crushed by the amount of information and it would be harder and harder to find what we are really looking for. As Karl Marx said: the weight of the dead hangs heavy like a nightmare

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inescapável. Eis a razão pela qual é absolu- tamente necessário fazer o editing da gra- vação de uma mostra, a fim de se mostrar uma versão que as pessoas consigam re- lembrar. De outra forma, para que servirá preservar o que ninguém poderá ver? Gra- var na nossa memória é tão importante, se não mesmo mais, do que guardar objectos num armário. Contudo, impõe-se que haja o mínimo de qualidade nessa gravação. Os documentários ideais seriam co-realizados por um especialista em cultura e por um

cameraman profissional. Se assim não for,

o resultado será: ou um filme muito penoso de se ver, porque falta qualidade à técnica, ou um documentário, como tantos outros na TV, com vistas deslumbrantes mas vazio de comentários, deixando-nos tão desin- formados quanto antes.

Preservar récitas teatrais e rituais religiosos passa por mantê-los em representação (ao vivo). Este aspecto diz mais ao antropólogo do que aos conservadores de museus, ainda que os museus tenham vindo, cada vez mais, a convidar grupos de teatro para actuarem nos seus auditórios. Para ser mais espe- cífico, refiro o caso da China, onde há uma ligação estreita entre cultura popular e reli- gião, festivais e rituais, e mesmo bordados. Durante a revolução cultural, muitos rituais religiosos foram banidos, por serem estig- matizados como superstições; as máscaras e esculturas a eles associadas foram des- truídas. Hoje, em muitos locais do interior, esses rituais foram recuperados, pelo que há agora duas Chinas: a do interior, onde re- ligião e tradição ressurgem como meios de reconstrução da identidade cultural, e a dos grandes meios urbanos, totalmente rendida à modernização e ao estilo de vida ociden- tal. No interior, porém, as populações são bastante pobres e não beneficiam de apoio das autoridades locais, as quais, ou des- prezam a religião, ou, no melhor dos casos, encaram as tradições com sobranceria e, seguramente, nunca virão a contribuir para a sua revitalização. Refira-se, também, que muitos dos elementos principais da tradição caíram no esquecimento e não são passíveis de reanimação. Os actores autóctones, que trabalhavam em exclusivo na agricultura, esqueceram os textos e como representar algumas cenas. Os rituais antigos surgem hoje mais simplificados, porque ninguém tem a capacidade de recordar como eram representados antes da Revolução Cultu- ral. Os aldeãos, que costumavam interpre- tar óperas nos templos, têm hoje uma vaga

on the minds of the living. This is why, even if the complete recording of a performance is kept, it is absolutely necessary to edit it and only show the essential in an edited version that people will remember. Other- wise, why preserve what nobody will ever look at? Preserving in the minds of humans is as important, if not more so, than keep- ing things locked in a cupboard. However, it is important to have a minimum of quality in the recording. Ideally, such documenta- ry films should be made by a specialist on culture and by a professional cameraman. Otherwise, we shall either have an interest- ing film that is too painful to watch because the technique lacks quality, or be faced once again with a documentary as so often seen on TV with pretty views but a vacuous commentary, leaving us as uninformed at the end as we were at the beginning. Preserving theatrical performances and re- ligious rituals includes keeping them alive. This is an important problem that concerns anthropologists rather than museum cura- tors, but museums have a role to play since they often invite troupes to perform in their auditorium. Rather than speaking in gen- eral terms, some examples drawn from ex- periences in China may be more instructive. In China, folk culture is interconnected with popular religion, festivals, rituals, or even embroidery designs. During the Cultural Revolution, many religious rites were seen as superstitious and therefore banned, and the masks used in these rituals and sculp- tures associated with them were destroyed. Today, in many parts of the countryside, these rituals have been more or less re- stored, so that we now have two Chinas: the countryside, where religion and tradition are making a comeback as a means to pre- serve cultural identity, and the China of the big towns, entirely attracted by moderniza- tion and Western lifestyles. But in the coun- tryside and more remote regions where former customs are being brought back to life, people are usually very poor and there is no support from local authorities which either despise religion or, at best, might look upon it unfavourably and will certainly not help to restore any aspect of it. More- over, elements of what used to be done are now completely forgotten and cannot be retrieved. Local actors, who were always full-time farmers, have forgotten texts or how to enact certain scenes. Ancient rituals are now simplified because nobody remem- bers exactly how they were performed prior

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ideia das versões do passado. Muitos ha- bitantes, exceptuando os idosos, dedicam atenção a crenças antigas, limitando-se a cumprir rituais religiosos mais como ma- nifestação cultural do que expressão de fé. Isto reflecte-se na má qualidade das novas esculturas e máscaras que se encontram nos templos: a fé religiosa que inspirava o artesão de outrora e o impelia a fazer o seu melhor já não existe. O dinheiro ocupa o lu- gar da religião.

Algumas trupes que representam peças religiosas têm recebido convites do estran- geiro – curioso do exotismo tão do agra- do ocidental – também funcionando como apoio pela via da internacionalização. Um exemplo esclarecedor é Dixi de Guizhou, um grupo de teatro (totalmente desconhe- cido dos chineses) que, após ter actuado em Paris, teve, finalmente, o privilégio de merecer um programa no canal nacional de televisão da China. Este facto cativou a atenção das autoridades locais e os alde- ãos – actores tornaram-se subitamente grandes estrelas. Quererá isto dizer que o grupo Dixi foi salvo? Agora, várias versões adaptadas são representadas para a popu- lação chinesa e para turistas estrangeiros, pelo que os artesãos iniciaram a produção em série de máscaras de várias dimensões para serem usadas como objectivos deco- rativos em salas de estar de famílias bur- guesas. Mas poderemos afirmar que foram salvaguardadas ou que se tornaram meras caricaturas das originais? Uma pergunta mais: deveremos salvaguardar represen- tações efémeras que já estão a definhar? Guardar um registo é só uma face do po- liedro; seria interessante saber como eram representadas as peças de Shakespeare no seu tempo, mas haverá interesse em representá-las como se estivéssemos na Londres dos começos do século XVII? Insis- tir teimosamente em perpetuar uma repre- sentação moribunda resultará, somente, num triste espectro do que fora outrora. Neste caso, preservar significa fossilizar e, em vez de termos uma borboleta sugando mel das flores, ficamos tão-só com uma pobre borboleta fixada numa caixa ento- mológica. Ser efémero significa estar vivo, e estar vivo é efémero e implica tempo. To- me-se como exemplo uma ópera religiosa chinesa, que pode durar uma noite inteira e que é representada ao ar livre como uma oferenda aos deuses, e proceda-se à sua transposição para um teatro no ocidente, cujo público desconhece a cultura chinesa;

to the Cultural Revolution. Villagers who used to perform operas for temple festivals can now only give a very approximate ver- sion of them. Except for old people, even in villages, many inhabitants turn away from ancient beliefs and maintain religious ritu- als as a cultural custom rather than as an expression of faith. This explains the often poor quality of new sculptures and masks in temples: the underlying religious spirit which inspired the craftsman and made him give the best of himself, is now lacking. Money has replaced religion.

Some local troupes that perform religious plays were invited abroad by people who were desperately looking for new exotic shows for the benefit of a Western public, while also trying to save these traditional performances by providing them with an in- ternational audience. An example will show the impact of such projects: the Dixi from Guizhou is a form of ritual theatre that was completely unknown even in China itself and falling into decay with fewer and fewer op- portunities to perform. A troupe was invited to Paris and, because of that, had the honour of being shown on Chinese national televi- sion. This attracted the attention of local au- thorities and the villagers-actors suddenly became stars. Has Dixi been saved? Adapted versions are now played for Chinese and for- eign tourists and craftsmen mass-produce masks in all sizes to decorate bourgeois sit- ting-rooms. But can it be said to have been really saved? Or has it become a caricature of what it used to be? Another question: must we artificially save ephemeral events that are dying out? To make a recording of them is one thing; it would be interesting to know how Shakespeare’s plays were performed at the beginning, but do we want them to be always performed as they were in London in the early 17th century? To insist relentlessly

on prolonging a dying event will only result in a sad ghost of what it used to be. In this case, to preserve means to fossilize and, instead of having a butterfly sucking honey from flowers, we are left with a poor butterfly pinned down in an entomological box. What is ephemeral means that it is living and what is living is ephemeral and evolves with time. To take a religious Chinese opera, which may last a whole night, performed outside as an offering to the gods, and transplant it in a Western theatre for a public who is not acquainted with Chinese culture, requires so much adaptation that it becomes a com- pletely different kind of performance. A par-

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o imenso exercício de adaptação dá-lhe ou- tra feição, transfigurando-a. Um exemplo paralelo seria a celebração de uma gran- diosa missa católica a ser representada, em jeito de espectáculo, num teatro de Tóquio. Não quer isto dizer que não se deva realizar tal acção, mas tenhamos a consciência do que de facto está em causa.

É imperativo que tenhamos uma nova per- cepção do que é um museu. Ter animais em jardins zoológicos foi, outrora, o único meio das populações os poderem ver. Mas será, hoje, ainda necessário perpetuar o seu ca- tiveiro, uma vez que viajar é mais acessível e que os documentários nos propiciam a observação desses animais no seu habitat? Assim, antes de preparar uma conferência sobre conservação, não será mais oportu- no e consequente reflectir e escrever sobre o próprio conceito de museu? Deverão os museus continuar a ser arquivos de objec- tos ou será de considerar a separação das suas funções de preservar e de expor? Não será mais pertinente que, por um lado, haja equipamentos exclusivamente destinados a proceder à conservação, com as especi- ficidades e condições necessárias, e, por outro lado, haver museus com a função específica de organizar e realizar exposi- ções com os objectos preservados? Se uma instituição pretende acumular ambas as funções, então a área de reservas deverá estar ao acesso de todos quantos a preten- dam visitar. Uma das funções de um museu é preservar objectos raros e antigos, mas como quase todos permanecem em reser- vas, o acesso a estas deverá ser facultado. Se assim não for, os museus falham uma das suas atribuições: a de prestar um ini- gualável serviço educativo e formativo. In- felizmente, a maior parte dos museus não assegura esta missão.

Se um museu se propõe oferecer ao visi- tante uma abordagem a culturas orientais, deverá ter um departamento de antropolo- gia cultural preparado para disponibilizar conhecimentos sobre religiões, costumes, arte popular, isto é: os aspectos consti- tutivos e específicos de uma dada cultura e que a distinguem das outras. A cultura material, abrangendo técnicas, vestuário, ferramentas, entre outros, é muitas vezes comum a diversas culturas, mesmo a algu- mas bem distantes. Ambas as abordagens são diversas das colecções organizadas a partir de uma perspectiva estética, de que são exemplo as de André Breton e demais

allel would be to celebrate a grand Catholic mass in the form of a show at the National Theatre in Tokyo. This does not mean that it should not be done, but let us be clear about what is in fact being carried out.

It may also be high time to have a new un- derstanding of museums. To put animals in zoos had a meaning when this was the only way in which most people could see them. But is it necessary to continue locking up these poor beasts in cages now that travel- ling is so easy and documentary films bring their habitat to life in our sitting-rooms? So, before organising a conference on con- servation, would it not have been better to do one first on the museum concept itself? Must a museum continue to be an archive of objects or should its two functions, to pre- serve and to display, be separated? Would it not be better to have two distinct types of places in a country or town, on the one hand, places in which a category of objects with similar specific conservation require- ments would be properly kept and, on the other hand, museums that would focus on organizing exhibitions and displaying these objects with access to such storage? If an institution wants to take on both functions, then their storage areas should be freely accessible to those who wish to see them. The function of a museum is partly the preservation of rare and old objects, but as the majority of these will remain in storage, access to them should be facilitated. Other- wise, museums betray one of their duties, that of being an unrivalled informative and educational institution; and unfortunately, most museums are unable to provide such access.

If a museum aims to introduce visitors to ori-