• Nenhum resultado encontrado

A Chinese Popular Art Object conservation: implications on adapting it to a museology

JOÃO PAULO DIAS IMC

joaodias@netcabo.pt 127 The p arad igm o f co ntempo rar y ar t and ethn ographi c o bjec ts

128

diagnóstico e tratamento tivessem sido transversais a várias áreas da Conservação e Restauro i.e., papel, escultura e têxteis, e para responder de forma adequada à pre- sença do material pirotécnico parte do tra- balho foi desenvolvido com a colaboração do Laboratório de Explosivos da Marinha da Base Naval do Alfeite.

Numa primeira fase procurou-se contex- tualizar o barco no que diz respeito ao seu meio sociocultural e às técnicas de produ- ção envolvidas na sua manufactura, tendo sido realizada uma pesquisa bibliográfica, complementada pelo estudo material e por questionários e pedidos de esclarecimento a entidades que têm como principal objecto de trabalho e estudo a cultura chinesa, e prin- cipalmente os seus testemunhos materiais.

Contextualização histórica e sociocultural

A primeira dificuldade consistiu em avaliar, durante o diagnóstico, se o conhecimento adquirido seria satisfatório para delinear um plano de conservação e articulá-lo com o carácter efémero do objecto. Nesta fase procurou-se avaliar todos os aspectos de autenticidade, não negligenciando o facto destes aspectos poderem assumir contor- nos diferentes na sua cultura de origem [1]. Procurou-se saber se existiam aspectos não tangíveis em torno da manufactura e da utilização do barco e se o objecto con- tinuava a ter o mesmo significado no seu contexto original após a sua transposição para o meio museológico. Em nenhum caso obtivemos informações que apontassem para uma dimensão sagrada da réplica que colocasse limites a uma intervenção visan- do a estabilização dos materiais utilizados na sua manufactura.

O primeiro registo do barco data de 1882 [2], ano em que foi enviada para Portugal uma remessa de artefactos para integrar o Mu- seu Botânico da Universidade de Coimbra. Na remessa constavam, para além do bar- co, outros artefactos produzidos a partir de material de origem vegetal, provenientes das então colónias portuguesas de Macau e Timor, que haviam sido recolhidos por José Alberto da Cunha Côrte-Real, o então secretário do Governo Geral de Macau. O objectivo inicial desta recolha consistia em juntar um número suficiente de objectos para integrar um museu à semelhança das colecções do Jardim Real de Kew, em In- glaterra.

and treatment procedures across several areas of Conservation and Restoration (i.e. paper, sculpture and textiles) and, so as to properly respond to the presence of pyro- technic material, the work has been done partly in cooperation with the Navy Explo- sives Laboratory at the Alfeite Naval Base. As a first stage, the context of the boat was established concerning its social and cultural background and production tech- niques involved in its manufacturing. Bib- liographic research has been done, com- plemented by material study as well as questionnaires and clarification requests to authorities that have Chinese culture as their main work and study object and, mainly, their material witnesses.

Historical, social and cultural context

The first difficulty has been to evaluate, during diagnosis, whether the gathered knowledge would be satisfactory for out- lining a conservation plan and articulating it with the ephemeral character of the ob- ject. At this stage, all aspects on authen- ticity have been assessed, without neglect- ing the fact that these aspects could take on differing angles from its culture of ori- gin [1]. There was an attempt to establish whether there were any intangible aspects around manufacture and use of the boat as well as if the object would continue to have the same original context meaning following a move to a museum. In neither of these cases did we receive information that indicated its sacred dimension, that would limit our intervention in stabilizing the materials used.

The boat´s first record dates back to 1882 [2], when a consignment of artefacts was dispatched to Portugal for the “Museu Botânico da Universidade de Coimbra”. Be- sides the boat, this consignment included other artefacts produced from vegetable origin materials, coming from the then Portuguese colonies of Macau and Timor, having been gathered by José Alberto da Cunha Côrte-Real, the Governor-General of Macau of the time. The early aim of this gathering had been to collect a sufficient number of objects so as to build up a muse- um similar to the collections at Kew Royal Gardens, in England.

Flower boats were a very common sight in 19th century Canton and provided places [1] Stephen Mellor, «The

Exibition and Conservation of African Objects: considering the nontangible», Journal

of American Institute for Conservation, 31: 1, 1992.

[2] Júlio Henriques, «O Museu Botânico e as Colecções de Produtos de Macau e Timor»,

O Instituto, 39, 1882, 61-65.

[3] James Ricalton, China

Through Stereoscope: a Jorney Through the Dragon Empire at the Time of the Boxer Uprising,

New York, Underwood & Underwood, 1901.

[4] Victória Yau, «Use of Color in China», British Journal of

Aesthetics, 34: 2, 1994.

[1] Stephen Mellor “The Exhibition and Conservation of African Objects:

considering the non-tangible” Journal of American Institute for Conservation, 31: 1, 1992. [2] Júlio Henriques, “O Museu Botânico e as Colecções de Produtos de Macau e Timor”, O Instituto, 39, 1882, 61-65. [3] James Ricalton, China Through Stereoscope: a Journey Through the Dragon Empire at the Time of the Boxer Uprising, New York, Underwood & Underwood, 1901.

[4] Victória Yau, “Use of Colour in China”, British Journal of Aesthetics, 34: 2, 1994. O p arad igm a da ar te co ntempo

rânea e dos bens etn

129

Os barcos das flores eram muito comuns em Cantão no século XIX e proporciona- vam à aristocracia locais de convívio, jogo e prostituição [3]. Encontramos referências a este tipo de embarcação em importan- tes obras da literatura portuguesa como a

Clepsidra, de Camilo Pessanha, e o Cancio- neiro Chinês, de António Feijó.

A decoração dos barcos das flores era ostensivamente trabalhada, sendo os motivos florais utilizados repetidas vezes como elementos decorativos em móveis entalhados, em incrustações em madre- pérola, em pinturas ou em tecidos borda- dos [3]. O artesão procurou recriar nesta réplica a complexidade decorativa dos barcos das flores e apesar de se tratar de um objecto de arte popular, manufactu- rado com materiais de baixo custo, foram empregues muitos elementos decorati- vos e uma grande variedade cromática às quais poderão estar associados valores simbólicos [4].

O barco apresenta caligrafia sobre papel decorativo em três áreas (figura 14) e a in- terpretação destes caracteres contribuiu para a sua contextualização. Na parte fron- tal, circunscrevendo a entrada, os caracte- res foram pintados a preto sobre papel ver- melho numa composição formada por duas bandas verticais com um poema alusivo à alegria e à longevidade, empregando meta- foricamente elementos da Natureza, como as montanhas, os rios, as plantas, as flores e as quatro estações do ano, e uma banda horizontal no topo com a inscrição ‘fang

hua’ (barco das flores). Na popa do barco

estão inscritos quatro caracteres, pintados a preto sobre fundo vermelho com preces à boa navegação. Na câmara interior do barco foi pintado, a branco, sobre papel de tonalidade castanha o caracter ‘shou’ (lon- ga vida), que pode ser um indício de que o objecto poderia destinar-se à celebração de um aniversário ou tratar-se de uma oferen- da a um antepassado.

Apesar de não termos chegado a uma con- clusão definitiva sobre a função que esta réplica de um barco das flores teria no seu contexto original, foram consideradas três hipóteses:

a) A réplica poderia destinar-se a ser quei- mada durante uma celebração da religião popular chinesa, possivelmente relaciona- da com o culto dos antepassados [5].

for socializing, betting and prostitution for the aristocracy [3]. We find references to these kinds of boats throughout major Por- tuguese literature works like Clepsidra by Camilo Pessanha and Cancioneiro Chinês by António Feijó.

The decoration of flower boats was osten- sibly elaborated and the flowery motives used repeatedly as decorative elements for engraved woodwork furniture, mother- of-pearl inlays, paintings or embroidered fabrics [3]. The artisan has tried to repli- cate the decorative complexity of the flower boats and in spite of being a popular object of art, manufactured with low cost materi- als, many decorative elements have been used as well as a great chromatic variety to which some symbol values might be asso- ciated [4].

The boat reveals a few handwritings on decorative paper in three areas (figure 14) and the interpretation of these char- acters has contributed to ascertain its context. At the front, circled around the entrance, the characters have been paint- ed in black over red paper as a compo- sition shaped by two vertical strips with a poem alluding to joy and longevity and metaphorically resorting to elements of Nature, like mountains, rivers, plants, flowers and the year´s four seasons as well as a horizontal strip at the top with the inscription ‘fang hua’ (flower boat). At the stern of the boat, four characters have been inscribed, painted in black over a red background, with prayers to good sailing. Inside the boat´s inner chamber, white painted over brownish paper, the character ‘shou’ (long life) is a sign that the object might have been devoted to an anniversary celebration or it could be an offering to an ancestor.

Although we have not reached a definitive conclusion on the function this flower boat reproduction might have had in its original context, three possibilities have been con- sidered:

a) This reproduction might have been de- signed to be consumed by fire during a Chi- nese popular religious celebration, possibly related to the cult of the ancestors [5]. b) There is a possibility that this boat was manufactured for leisure purposes as, tra- ditionally, the Chinese also use fireworks

[5] A religião popular chinesa consiste num conjunto de crenças não institucionalizadas com fundamentos no Confucionismo, no Taoismo e no Budismo e assume formas distintas nas diferentes regiões do vasto território da China porque se apropria também de crenças e tradições locais. Na religião popular chinesa pratica-se o culto dos antepassados e em determinadas ocasiões são queimadas réplicas em papel de objectos do quotidiano com o propósito de serem enviadas para o além mantendo-se assim o contacto entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Esta prática acompanhou a evolução dos tempos e actualmente podemos encontrar réplicas de automóveis, telemóveis e televisores, entre outros objectos [16].

[5] Chinese popular religion consists in a set of non-institutional beliefs with foundations from Confucianism, Taoism and Buddhism and it takes on distinct shapes in different regions of the vast Chinese territory because it reaches also local beliefs and traditions. Chinese popular religion includes practicing the cult of the ancestors and on some occasions paper reproductions of day to day objects are burnt with the purpose of being sent out to the beyond and thus maintaining a contact between the worlds of the living and of the dead. This practice moved on with the evolution of time and currently we can find reproductions of motorcars, mobile phones and TV sets, among many other objects [16].

The p arad igm o f co ntempo rar y ar t and ethn ographi c o bjec ts

130

b) Existe a possibilidade do barco ter sido manufacturado para fins lúdicos uma vez que tradicionalmente os chineses tam- bém utilizam o fogo de artifício como for- ma de diversão, sendo manufacturados inúmeros objectos, mais ou menos elabo- rados, em que são introduzidos artefactos pirotécnicos [6].

c) O barco poderá também ter sido objec- to de encomenda directa ao artesão para integrar o conjunto de objectos transpor- tados para Coimbra; esta última hipótese parece menos provável pela existência de uma pega superior em arame, caracterís- tica do método de exposição nas casas de venda locais.

Descrição material do objecto

O barco foi construído a partir de uma es- trutura composta por varetas de bambu unidas com tiras de papel de amoreira (Broussonetia sp), no interior, e com arame de ferro, no exterior. As varetas de bambu dispostas no exterior do barco encontram- -se revestidas com papéis decorativos ver- melhos e prateados.

Algumas varetas estão flectidas de modo a definir os formatos côncavos do casco e de uma das coberturas no topo do barco. Na base da estrutura do casco foram uni- das duas secções transversais de caule de bambu em que se inserem os eixos para quatro rodas, provavelmente manufactura- das em sândalo (Santalum sp).

A maioria dos papéis presentes foram ma- nufacturados a partir de fibras de bambu (Bambusae sp), tendo sido adicionadas em alguns deles fibras de amoreira (género

Broussonetia sp) em pequenas quantidades.

A parte inferior da estrutura de bambu foi envolvida em papier mâchè, colado em áre- as pontuais às varetas, e nas restantes áre- as foi utilizado papelão, fixo através de ara- me. Todos os elementos em papelão estão forrados com folha de estanho, prateada, e papel vermelho sobre os quais foram cola- dos motivos vegetalistas e florais em papel pintado de cor verde, vermelha, azul, laran- ja e lilás. Estes motivos foram recortados nas formas pretendidas ou construídos a partir de papel enrolado e dobrado. Foram colocados contornos de folha de latão, dou- rada, sobre os motivos vegetalistas e flo- rais, em várias áreas da decoração.

as a joyful expression and innumerable objects are manufactured with varying de- grees of elaboration whereby pyrotechnic artefacts are introduced [6].

c) The boat might have been also the sub- ject of a direct commission order to the arti- san so as to join the consignment of objects being sent to Coimbra; this latest possibility seems less likely in view of the existence of a top wire ring catch, which is a feature of displaying methods in local shops. Material description of the object

The boat was built up from a structure con- sisting of bamboo sticks united with mul- berry tree paper strips (Broussonetia sp), inside, and with iron wire, externally. The bamboo sticks displayed on the boat´s out- side are covered by red and silver decora- tive paper.

A few sticks are flexed in so as to define the concave formats of the hull and of one of the covered decks on the top of the boat. At the base of the hull´s structure, two trans- versal sections of bamboo stalk have been joined up where an axis should be inserted for four wheels, probably manufactured in sandalwood (Santalum sp).

The majority of papers here were manu- factured from bamboo fibres (Bambusae

sp), while mulberry fibres (Broussonetia sp) have been added in small quantities to

some of them.

The lower part of the bamboo structure has been wrapped up in papier mâchè, glued on to the sticks on occasional points, while on the remaining areas cardboard fixed with wire has been used. All the cardboard ele- ments are overlaid with silver tin leaf and red paper over which vegetable and flower motifs have been glued on paper painted in green, red, blue, orange and lilac colours. These motifs have been cut through un- der the desired shapes or construed from rolled up and folded paper. In several areas of the decoration, gilded brass leaf outlines have been placed on top of the vegetable and flower motifs.

On the upper part of the boat, two covers have been placed made up of woodcut print- ed paper whose leafs have been folded down under the bamboo structure lower part and occasionally glued over some of the sticks.

[6] Ana Maria Amaro, Jogos,

brinquedos e outras diversões populares de Macau, Macau,

Imprensa Nacional, 1972, 294-351.

[6] Ana Maria Amaro, Jogos, brinquedos e outras diversões populares de Macau, Macau, Imprensa Nacional, 1972. 294-351. O p arad igm a da ar te co ntempo

rânea e dos bens etn

131

Na parte superior do barco foram colo- cadas duas coberturas em papel xilogra- vado, cujas folhas foram dobradas sob a parte inferior da estrutura de bambu e coladas pontualmente, em algumas va- retas.

Na proa, na entrada frontal e na popa do barco foram aplicados ornamentos de seda brocada de cor verde e vermelha, decorada com pequenas tiras de papel, nas extremi- dades inferiores.

Os artefactos pirotécnicos foram colocados durante a manufactura do barco em duas sequências: uma na parte inferior e outra na parte superior, perfazendo toda a sua di- mensão. Todos eles encontram-se interli- gados por um rastilho contínuo feito a par- tir de papel de amoreira enrolado, e com pólvora negra no seu interior. Os invólucros dos artefactos pirotécnicos introduzidos no barco encontravam-se selados com argila, como acontece nas produções de menor custo [7].

Utilização de pirotecnia na China

A pólvora foi inventada na China no século IX, sendo o único explosivo a ser utilizado até ao século XIX [8]. Foram até então cria- das novas receitas em que se adicionam outros materiais para conseguir efeitos so- noros e luminosos que caracterizam o fogo de artifício.

Os pequenos engenhos explosivos chine- ses manufacturados em papel colorido ou seda são frequentemente designados por panchões (sing. panchão). Esta expressão foi empregue pelos primeiros portugueses que se fixaram em Macau e provém do ter- mo cantonense ‘pau-cheong’, que significa bambu que explode [7]. O termo não inte- gra o léxico português mas é encontrado em bibliografia referente à utilização de fogo de artifício em Macau. Além de pan- chões são vulgarmente utilizados na Chi- na outros artefactos pirotécnicos, entre os quais tubos sonoros, petardos e foguetes que, para além do ruído, dão origem a ou- tros efeitos sonoros e visuais. [6, 7].

Artefactos pirotécnicos utilizados no objecto

Na manufactura do barco foram utilizados, além de um rastilho carregado de pólvora que percorre todo o objecto, cinco tipos de engenhos pirotécnicos:

At the bow, the front entrance and the stern, green and red brocade silk ornaments have been decorated with short paper strips and applied to the lower ends.

The pyrotechnic artefacts have been placed in two sequences during the boat´s man- ufacturing: one on the lower part and the other on the upper one, completing the full dimension. All of them are linked up by a continuing fuse made up from rolled over mulberry paper and with black powder on the inside. The outer covering of the pyro- technic artefacts introduced into the boat were found sealed up with clay as done in lower cost productions [7].

Use of pyrotechnics in China Gun powder was invented in China in the 9th century and was the sole explosive in use until the 19th century [8]. Until then, new combinations were developed through the adding of other materials so as to achieve sound and light effects that are a feature of fireworks.

The small Chinese exploding devices man- ufactured with coloured paper or silk are frequently designated as “panchões” (sing. panchão). This expression was first used by the early Portuguese settlers in Macau and originates from the Cantonese word ‘pau-cheong’, meaning “bamboo that ex- plodes” [7]. The word is not included in the Portuguese lexicon but we can find it in bibliography referring to the use of fireworks in Macau. Besides “panchões”, other pyrotechnic artefacts are commonly used in China, amongst them sound tubes, fire crackers and rockets that, on top of noise, produce other sound and visual ef- fects [6, 7].

Pyrotechnic artefacts present in the object

In the manufacturing of the boat, besides a fuse filled up with gun powder and laid down all along the full object, five types of pyrotechnic devices have been used: 1 – The boat´s banisters comprise one hun- dred and two paper cartridges, partly filled