• Nenhum resultado encontrado

PARTICIPANTS Raquel Henriques da Silva

Transcription of the Round Table

PARTICIPANTS Raquel Henriques da Silva

um enorme privilégio apresentar os partici- pantes nesta mesa redonda. Começo pelos artistas. Alberto Carneiro é um dos mais importantes escultores portugueses em actividade, com uma obra tão densa como etérea (densa de ideias e de emoções, eté- rea pela sua esteticidade que, centrando- -se nos objectos, se alarga em atmosferas), particularmente importante para as temá- ticas deste Encontro. Alguns dos seus ma- teriais são naturais (canas, vimes, palha, corpos decepados de árvores) e algumas das suas mais importantes obras são ins- talações, com uma espécie de cadernos de montagem rigorosos mas que, ao longo de sucessivas mostras, ele tem por vezes al- terado. Também Pedro Cabrita Reis, bem mais novo que Carneiro (este com produ- ção desde os anos de 1960, aquele revela- do na década de 80) é uma das mais fortes personalidades da cena artística portu- guesa. Amando as disciplinas tradicionais do desenho, da escultura e da pintura, ele gosta ainda mais de as misturar, em ar- quitecturas efémeras, constituindo séries, muito diversificadas, de instalações. Aqui, no âmbito dos nossos objectivos, poderá in- teressar lembrar que Cabrita usa materiais de reaproveitamento que parecem pouco duráveis, sugerindo ruínas urbanas ou me- mórias subjectivas. São obras paradoxais, de difícil conservação e armazenagem. Al- gumas, instaladas no espaço público, estão hoje ameaçadas de morte. É o caso da peça do Pátio da Inquisição em Coimbra que bem precisaria do interesse de alguns colegas aqui presentes, para delinear o seu salva- mento.

Passo agora aos directores de museus. Joaquim Pais de Brito, director do Museu Nacional de Etnologia (MNE), já todos o co-

Raquel Henriques da Silva – For me it is a great pleasure to introduce the members of this round table. Let me start with the artists. Alberto Carneiro is one of the most important Portuguese sculptors still work- ing, with a work that is both compact and ethereal (compact of ideas and emotions, ethereal for its aesthetics which, focusing on the objects, expands in atmospheres), that are particularly important for the sub- ject matters of this Meeting. Some of his materials are natural ones (reeds, twigs, straw, pieces cut out of trees) and some of his most important works of art are instal- lations, with what looks like notebooks with rigorous building instructions, which, over the successive showings, has sometimes changed. Also, Pedro Cabrita Reis, who is younger than Carneiro (Carneiro has been working since 1960, while Reis was dis- covered in 1980), is one of the strongest personalities of the Portuguese art scene. With an admiration for the more traditional disciplines of drawing, sculpture and paint- ing, he prefers to mix them, in ephemeral architectures, creating series of installa- tions that are very diverse. In the context of our goals, it might be interesting to mention that Cabrita reuses old materials that seem perishable, suggesting urban ruins or sub- jective memories. These are paradoxical works of art, of difficult conservation and storage. Some of these, installed in public spaces, are today being threatened. Such is the case of the piece in the Pátio da In- quisição in Coimbra which could do with the interest of some of the people who are here today to help with its recue.

Let us move on to the museum directors. Joaquim Pais de Brito, director of the Mu- seu Nacional de Etnologia (MNE) [Museum of National Ethnology], we all know him

Transcrição da mesa redonda

Transcription of the Round Table

147

INTERVENIENTES Raquel Henriques da Silva

Professora de História da Arte, IHA-FCSH-UNL Joaquim Pais de Brito

Director do Museu Nacional de Etnologia Jean François Chougnet

Director do Museu Berardo Alberto Carneiro

Artista

Pedro Cabrita Reis Artista

João Carlos Alvarez Director do Museu do Teatro

PARTICIPANTS Raquel Henriques da Silva

Art History Professor, IHA-FCSH-UNL Joaquim Pais de Brito

Director of Museu Nacional de Etnologia Jean François Chougnet

Director of Museu Berardo Alberto Carneiro Artist

Pedro Cabrita Reis Artist

João Carlos Alvarez

Director of Museu do Teatro The p

arad igm o f co ntempo rar y ar t and ethn ographi c o bjec ts

148

nhecem neste momento do Encontro. Aqui, interessa salientar a sua reflexão sobre a conservação dos objectos e das maté- rias nas reservas visitáveis do seu Museu. Mas, para lá das coisas em si (que podem ir das mais humildes enxadas tradicionais aos tractores da industrialização agrícola, ou dos panos de culturas não europeias, de Cabo Verde a Timor, às enormes panelas de argila de tribos índias do Amazonas) há as colecções imateriais, de música, registos de voz, canções de trabalho, festas e dan- ças de todo o mundo. Para citar apenas um exemplo clássico, pertence à mais bela his- tória da expografia portuguesa, a exposição dedicada ao Fado, apresentada no MNE, em 1994. José Carlos Alvarez é director do Museu Nacional do Teatro (MNT) onde lida com colecções especialmente importantes para a nossa reflexão: adereços de cena, trajos, textos, música, fotografia, filme, registos sonoros desde que as gravações existem. Tal como acontece no MNE, estes extraordinários museus são muito mais do que o espaço público de exposição. Pos- suem bibliotecas de referência, reservas de espécies múltiplas, arquivos históricos, lidando tanto com objectos auráticos, como peças correntes e muita documentação. Fi- nalmente Jean François Chougnet, director do Museu Colecção Berardo, vai continuar a partilhar connosco a experiência de di- rector de museu de arte contemporânea, tanto fábrica, como armazém e laboratório, exigindo uma multiplicidade de recursos, que cruzam a sofisticação com a impro- visação, para acompanhar os excessivos reptos da(s) vontade(s) artísticas. Que é um homem da documentação, com especial interesse pela conceptualização da arte, prova-o as exposições temporárias que tem realizado. Respeitando os objectos e os autores, expõe contextos, problemáticas e prospectivas, com uma densidade e um rit- mo tais que percorrê-las é, em si mesmo, um conjunto de actos performativos.

Apresentada a Mesa, saúdo também as principais organizadoras deste evento: Isa- bel Raposo Magalhães, uma mulher cheia de iniciativa, mesmo quando as coisas são difíceis, e a minha querida colega e amiga Rita Macedo, que elegeu como área de tra- balho académico a questão da conservação da arte contemporânea, quando esse as- sunto era praticamente desconhecido em Portugal. Não tendo estado infelizmente presente nas sessões anteriores, passo a palavra a Joaquim Pais de Brito e a Jean-

well by now at this meeting. Here we must emphasize his reflection on the conserva- tion of objects and the materials in the visit- able storerooms of the Museum, But, other than the things themselves (which could go from the humble traditional hoes to indus- trial agricultural tractors, or from cloths from non-European cultures, from Cape Verde to Timor, to the enormous clay pots of Indian tribes from the Amazon) there are immaterial collections, of music, voice re- cordings, work songs, festivities and danc- es from all over the world. A classic exam- ple belongs to the most beautiful story of the history of exhibitions in Portugal, one that was dedicated to Fado, shown at the MNE, in 1994. José Carlos Alvarez was the director of the Museu Nacional do Teatro (MNT) [Museum of National Theatre], with collections of great significance to us: sce- nic props, dresses, texts, music, photogra- phy, film, sound recordings. Much like what happens with the MNE, these extraordinary museums are much more than the public space of the exhibition. They own libraries, different kinds of storerooms, historical ar- chives, dealing with auric objects, as well as current pieces and a lot, quite a lot of documentation. And finally Jean François Chougnet, director of the Museu-Colecção Berardo [Berardo Museum-Collection], will share with us his experience as a director of a contemporary art museum, which is not only a factory, but also a warehouse and a laboratory, to accompany the excessive challenges of the artistic will. His tempo- rary exhibitions prove that he is a man of documentation, with a special interest for the conceptualization of art. With a respect for objects and their authors, he puts for- ward contexts, problems and prospective, with such deepness and rhythm that to go through them is already a performative act in itself.

After introducing the Round Table, I would also wish to thank the organizers of this event: Isabel Raposo Magalhães, a woman full of initiative, even among difficulties, and my dear colleague and friend Rita Macedo, who chose to dedicate herself to the issue of contemporary art conserva- tion, at a time when this subject was com- pletely unknown in Portugal. As I had not, unfortunately, attended the previous ses- sions, I will let Joaquim Pais de Brito and Jean-François Chougnet speak, who will briefly present us with issues previously discussed. O p arad igm a da ar te co ntempo

rânea e dos bens etn

149

François Chougnet que, sinteticamente, nos vão dar conta do(s) ponto(s) da reflexão já adquiridos.

Joaquim Pais de Brito – É óbvio, para quem

esteve presente, que é dificílimo fazer uma síntese de um encontro que, até este mo- mento – com o dia todo de ontem e a ma- nhã de hoje – se revelou pleno de questões, permanentemente a imbrincarem-se umas nas outras. De facto, essa riqueza, na sua totalidade, não pode ser transmitida à nos- sa moderadora de mesa, esse fulgor de questões que se levantam e que, em cada um de nós, despoletou novos interesses, para além dos que já tinha e das questões que trazia formuladas. No entanto, enu- merei alguns tópicos, que sintetizo sob a forma de palavras que ajudam a identificá- los. Uma questão permanente que indiciou e atravessou os vários patamares em que discutimos, pode expressar-se na ideia de

limiar ou fronteira. Foram evocados explici-

tamente, não só ontem como hoje, limiares e fronteiras entre práticas, entre definição de campos, que põem em confronto ou em articulação a obra de arte e o bem etnográ- fico, a obra etnográfica. A imprecisão, a di- fícil forma de classificar ou talvez mesmo a sua impossibilidade, tornam aliciante a ma- neira de olhar e questionar a identidade de cada um desses campos. Falou-se de ou- tras fronteiras problemáticas e, por vezes, também mais técnicas, próprias do mundo dos museus, da História da Arte, dos con- servadores-restauradores: o caso da obra original, do múltiplo, da réplica. E em torno de vários estudos de caso vieram à discus- são os aspectos relativos à ética da inter- venção na conservação de um objecto con- creto. Até onde se pode ir? A partir de onde não se pode ir? Porquê estabelecer para si próprio um limiar da actuação? Depois fa- lou--se do tempo e da duração, como seria natural, num encontro com o título que este tem. Quero, no entanto, referir este aspecto pois, apesar da sua óbvia evidência, deverá ser entendido como a questão mais teórica e mais complexa que a todos nos toca. Não apenas o tempo da duração das coisas, das obras, mas a questão da maneira como as obras projectam, propõem, contêm, con- templam a ideia de tempo. E como é que nós próprios nos situamos no nosso tem- po, nós os historiadores de arte, os muse- ólogos, os conservadores, nos situamos no tempo que habitamos, ao ter de lidar com questões do tempo a propósito das obras. Por exemplo, nos simples actos da conser-

Joaquim Pais de Brito – It is obvious to those who are here that it is very hard to make a summary of a meeting up until this point – after yesterday and all of the morn- ing today – which has been full of questions, constantly overlapping each other. In fact, this richness, in its whole, cannot be con- veyed to the table’s moderator, the heat of the questions put forward, which raised in each of us new interests, other than those brought by us before. However, I have listed a few topics in a few words that help identify them. One constant issue which denounced and passed over different levels discussed was the idea of boundary or frontier. We dis- cussed not only yesterday but today as well, boundaries between practices and defini- tion of fields, which places the work of art face to face with the ethnographic object. The imprecision, the difficult way of clas- sifying or even impossible way of classify- ing, make the way we look at and question the identity of each of these fields enticing. We discussed other problematic bounda- ries and, sometimes more technical ones, which belong to the world of museums, History of Art, conservators and restora- tors: as is the case of the original and the multiple works of art and of the replica. And connected to the several case studies, a number of issues related to the ethics in the intervention of a specific work of art were brought up. To where can we go? From where can’t we go? Why create boundaries for what we can do? Then we spoke of time and duration, how it would be natural, in a meeting with a title such as this one. I would, nevertheless, refer this one issue, since, although rather obvious, it should be regarded as one of the more theoretical and complex ones. Not only the time of the duration of things, works of art, but also the way in which objects project, propose, con- tain, contemplate the idea of time. And how we ourselves place ourselves in our own time, we, as art historians, museologists, conservators, place ourselves in the time we live in, while dealing with questions of time related to works of art. For example, in the simple acts of conservation, to either restore or not restore objects to their origi- nal state, to which of those states, or which times cross and confuse themselves in the museum, an issue which is always present. We then dealt with an important dimension, explicit or subliminally: the question of au-

thorship. And, in a less direct manner, we

spoke of authenticity. Well, the issue of au- thorship and of authentication came up in

The p arad igm o f co ntempo rar y ar t and ethn ographi c o bjec ts

150

vação, restituí-la ou não ao estado antigo, a qual deles, ou então que tempos se cru- zam e se confundem no museu, enfim, uma questão sempre presente. Depois lidámos ainda, explicitamente ou subliminarmente, com uma dimensão importante: a questão da autoria. E, de uma forma mais indirecta, falou-se, nalguns casos, de autenticidade. Ora, a questão da autoria e da autenticida- de surgiu de múltiplas maneiras, sobretu- do a partir da conservação da obra de arte contemporânea. Por exemplo, na discussão acerca de Manuel Alvess, da exposição de Serralves, o que era um múltiplo ou uma réplica de uma obra, que ele próprio tinha feito ou autorizado fazer? E qual o estatuto das que eram manuseadas pelo público, na mesa onde estavam expostas, em frente à vitrina onde estavam aquelas em que o pú- blico não podia tocar? Quanto a esta ques- tão da autoria e da autenticidade, gostava de sugerir um paralelo, comparando a obra de arte com a obra etnográfica. Houve tam- bém aqui a tentativa de falar dos critérios que as distinguem. Acho que há um, pelo menos, que logo nos surge: é que o ob- jecto etnográfico pré-existe, vamos depois buscá-lo. Podemos não saber o que buscar quando partimos para o terreno, e pode ser tudo isto que se encontra nesta mesa, como podem até ser as obras de arte, tratadas como bens etnográficos, mas pré-existem. Falam de si e sobretudo da sociedade e re- lações de onde provêm. A obra de arte está sempre a ser reposta no acto da sua cria- ção, é indissociável do gesto de liberdade e de imponderabilidade que nos escapa e nos solicita o esforço da sua revelação, como se sob o nosso olhar estivesse sempre a ser feita. E, nesse sentido, acho que a diferença fenomenológica entre uma coisa e outra, me parece muito importante. Diria ainda, a propósito da autoria e da comparação en- tre obra de arte e objecto etnográfico que aquela traz agarrada a si o autor. Traz junto de si o autor, que anda com ela em negocia- ções quanto aos modos de se dar a ver, por vezes mesmo com instruções precisas, es- critas ou não. Ao longo destes dois dias dis- cutiram-se as relações que se estabelecem entre o criador da obra, hoje, da obra con- temporânea, e o conservador. Quando, por exemplo, perdidas as obras originais (como no caso aqui falado de Noronha da Costa, por exemplo), ela é reposta ou refeita. Tudo isso guiado pelo autor e, de novo, colocando a questão de ser ou não original, enfim, um território instável, altamente rico, que nos interpela em permanência. E, desde logo,

many ways, especially from the discussion of conservation of the contemporary work of art. For example, when we discussed Manuel Alvess, at the Serralves exhibition, what was a multiple and a replica of a work of art, which he himself made or gave per- mission to make? And what was the status of the pieces which were handled by the public, on the table where they were on dis- play, in front of the glass which contained the pieces that were not to be touched by the public? In regards to this issue of au- thorship and authenticity, I would like to suggest a parallel, by comparing the piece of art with an ethnographic object. There was also here an attempt to speak of their specific criteria. There is one at least that immediately comes to mind: that the eth- nographic object pre-exists, we must then find it. We may not know what we will get when we go into the field, and it may be all we see here on the table, or it could well be works of art, which are treated as ethno- graphic objects, but which pre-exist. They speak of themselves and mostly of the so- ciety and relations they belong to. The work of art always returns as it is being created, it is inseparable from the gesture of free- dom and thoughtlessness which escape us and demands us to reveal it, as if it is always being made under our eyes. And in that sense I believe the phenomenological dif- ference between one and the other seems very important. I would say also in regards to authorship and the comparison between work of art and ethnographic object that the latter is associated to its author. It brings its author with it, which is in negotiation with how it must be seen, many times with specific instructions, which can be written. Throughout these two days we discussed the relations between the creator of the work, today, a contemporary work, and the conservator. When, for instance, the origi- nal works of art are lost (as was the case which we discussed of Noronha de Costa), they are returned and remade. All this led by the author and, again questioning whether or not it is original, we are thus on unstable