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3.2 Dos clubes para as ruas, dos bailes populares para o som mecânico: A música baiana entra

3.2.1 A janela elétrica

Criada em 1982, a janela elétrica era composta, inicialmente, por sons mecânicos colocados nas janelas e sacadas de um estabelecimento comercial de Ouro Preto, localizado em uma das principais ruas da cidade, a São José. Com o tempo, recebeu uma estrutura própria, estendendo-se para outros pontos do centro histórico.

Nos anos anteriores, os comerciantes locais já haviam manifestado o desejo de que as festividades carnavalescas voltassem para esta rua, considerada o reduto dos antigos carnavais de Ouro Preto. Nostalgias à parte, difícil não observar o possível interesse mercadológico por detrás do saudosismo. Ao instalar os instrumentos eletrônicos, o comerciante não apenas levaria de volta à rua os velhos carnavais, mas levaria também o público para perto de seus produtos. Outros adeririam à iniciativa e o som mecânico se tornaria uma das principais marcas do carnaval ouro-pretano até o início dos anos 2000.

Em 1983, a janela foi assim noticiada no jornal Estado de Minas:

211

OS TRIOS elétricos são mais uma agressão à pureza do carnaval. Estado de Minas, Belo Horizonte, 09 fev. 1983. 15. 823, Caderno ‘2’, p.7.

212

AS ILUSÕES fantasiadas. Estado de Minas, Belo Horizonte, 03 fev. 1983. 15.818, Caderno ‘2’, p. 1. 213

A originalidade do carnaval de Ouro Preto ficou por conta de Eduardo Trópia, que colocou caixas de som nos austeros balcões da Rua São José e criou a ‘janela elétrica’, versão colonial mineira do trio elétrico baiano. Com isso, transformou a rua num salão de baile [...] 214.

Percebe-se a sua clara associação com o carnaval da cidade de Salvador, já famoso nesse momento. A cidade mineira, impossível de comportar caminhões em suas ruas, improvisava com a mecanização do som por meio de suas janelas e sacadas. Além das estreitas ladeiras e da fragilidade dos casarões, outra característica da cidade, apontada por Duarte (2009), impossibilitaria uma exportação mais fiel do modelo baiano: apenas 5% do terreno do município é plano, enquanto 40% apresenta ondulações e 55%, solo montanhoso.

Em 1988 já se divulgava no jornal Estado de Minas que a música no carnaval de Ouro Preto “era feita pela chamada ‘janela elétrica’ (alto falantes instalados nas janelas e sacadas), montando-se um sistema especial de iluminação, que transformou a noite em pleno dia” 215.

Embora tenha sido criada no início da década de 1980, seu maior sucesso se daria depois, instigado por mudanças importantes na sociedade e no carnaval de forma geral. As marchinhas já se mostravam decadentes em meados dos anos 1980, com a perda de expressão do rádio em relação à televisão e com o aparecimento de novos tipos de ritmos que entrariam no mercado fonográfico, tendo como exemplo, a difusão maciça de músicas internacionais. Aliado a esse fator, os clubes passariam a enfrentar grandes problemas, como a cobrança de direitos autorais das músicas tocadas e a dificuldade de arcar com os custos dos bailes, devido à situação econômica do país. O colunista Nylton Batista, do Jornal O Liberal, oferece alguns elementos para se pensar o momento delicado que se atravessava:

Os compositores foram esquecidos, foliões tiveram que se contentar com a repetição monótona de músicas dos carnavais passados [...] Ao mesmo tempo, pesadas taxas, cobradas pelo ECAD e pela ordem dos músicos restringiram a um pequeno grupo o número de clubes e associações em condições de realizar bailes com o mesmo sucesso dos de outrora. [...] Nas ruas também o carnaval sofreu com a falta da música e dos seus ‘profissionais’ tendo, em consequência, a imitação do carnaval

carioca e das escolas de samba, e agora, do carnaval baiano com trios elétricos216.

Em Ouro Preto, a partir do ano de 1985, os clubes parecem começar a enfrentar maiores problemas. Neste ano, o jornal Estado de Minas anunciou que o clube Aluminas iria

214

JANELA elétrica. Estado de Minas, Belo Horizonte, 18 fev. 1983. 15.829, Caderno Turismo, p. 3. 215

O SURPREENDENTE carnaval de Ouro Preto. Estado de Minas, Belo Horizonte, 19 fev. 1988. 17.284, Caderno Turismo, p. 3.

216

promover apenas um “embalo mecânico” 217. O mesmo, em 1987 promoveria apenas matinês218 e nos outros mais importantes - CAEM e XV de Novembro - não haveria carnaval219. Talvez, seja possível pensar em uma via de mão dupla: ao mesmo tempo em que os novos estilos musicais que surgiam, como a música baiana e o ritmo mecânico, contribuíram para a decadência dos bailes, os problemas enfrentados pelos clubes também contribuíram, progressivamente, para o aparecimento de novas formas de participação no carnaval. Creio que a janela elétrica foi impulsionada, em grande medida, por esta duplicidade, somada também às crises enfrentadas pelas escolas de samba em Ouro Preto, que deixaram de desfilar em alguns anos por falta de verba pública.

Outro acontecimento importante parece ter ajudado a consolidar o som mecânico no carnaval da cidade. Em 1984, resolveu-se retirar o foco do carnaval da Praça Tiradentes, transferindo parte da festa para a Rua São José. As justificativas publicadas no jornal eram pautadas pelo desejo de um “renascimento” do carnaval da cidade: “Antigamente os blocos populares saíam nas ruas São José. Nossa ideia é fazer renascer tal tradição [...]220”, escrevia o secretário de Turismo, Rogério Peret em entrevista ao Estado de Minas.

Na mesma reportagem havia também o anúncio de que no ano em questão a Prefeitura colocaria um conjunto tocando na São José e que os desfiles aconteceriam pela última vez na Praça Tiradentes: “O que acontece é que apenas uma minoria tem acesso aos palanques e o carnaval se torna, então, uma festa restrita, pouco participativa, o que não queremos. Queremos reviver o carnaval do povo” 221, ressaltava, mais uma vez, o secretário. Embora as reportagens não estabeleçam nenhuma relação entre esta iniciativa e o anseio dos comerciantes locais em transferir a festa para a Rua São José, esta é uma questão que, a meu ver, não pode passar despercebida. No meu entendimento, esse conjunto de fatores citados seriam os principais responsáveis pelas transformações futuras nas manifestações carnavalescas de Ouro Preto.

Ao que indicam as reportagens, a mudança principal que se almejava iniciar em 1984 era com relação aos desfiles de blocos e à apresentação de conjuntos musicais, também anunciados como bailes populares, ainda presentes no carnaval ouro-pretano deste período.

217

NETO, Nicolau. Sociedade do interior: Ouro Preto. Estado de Minas, Belo Horizonte, 05 fev. 1985. 16.439, Primeiro caderno, p. 18.

218

CARNAVAL Etc. e tal. Estado de Minas, Belo Horizonte, 12 fev. 1987. 16.974, Primeiro caderno, p.10. 219

NETO, Nicolau. Sociedade do interior: Ouro Preto. Estado de Minas, Belo Horizonte, 01 mar. 1987. 16.989, Primeiro caderno, p.22.

220

OURO Preto fecha praça aos carros. Estado de Minas, Belo Horizonte, 14 fev. 1984. 16.137, Primeiro caderno, p. 6.

221

Em 1985, foi anunciado que conjuntos musicais tocariam “repertório momesco [...], com a Rua São José se tornando o centro da folia” 222.

A janela elétrica seria um grande sucesso na década de 1990, como demonstra a seguinte reportagem: “À noite, nesses pontos, foram instaladas imensas caixas de som, de fazer tremer o centro histórico no ritmo da música baiana” 223. A colocação da estrutura eletrônica nas ruas ultrapassaria a São José, chegando a outras ruas importantes do centro, como a Direita. Também chegaria ao bairro Antônio Dias e até a Praça Tiradentes, que havia perdido um pouco de seu prestígio com a novidade, receberia a sonorização. Nesse momento, a Prefeitura Municipal também se responsabilizaria pela montagem da estrutura, demonstrando a projeção que esta ideia havia alcançado na cidade.

Durante esse período, continuaram sendo realizadas apresentações de bandas e de conjuntos musicais em alguns pontos da cidade, mas a menção a essas manifestações diminuiu consideravelmente. Em algumas reportagens foram noticiadas em meio à própria estrutura mecânica: “Além dos blocos que trafegavam de dia pela cidade, em todas as noites momescas aconteceram os bailes, em pleno ar livre, em um trecho da Rua São José, compreendido entre a casa dos contos e a igreja do Rosário” 224.

No ano de 1992, o jornal O Liberal, assim, noticiou a festa: “A cidade dança, canta e se diverte ao som vibrante que movimenta as ruas do centro, como por exemplo, na Rua São José, a famosa Janela Elétrica que é o principal palco do carnaval de rua” 225.

Nas Agendas Culturais do ano de 1992 até o ano 2000, o som mecânico era uma atração bastante comum na programação da festa. A sua ausência pode ser sentida a partir do ano de 2001, com o surgimento de novas formas de participação e com a adoção de medidas importantes pela Prefeitura Municipal, envolvendo a estrutura do carnaval, assunto do próximo capítulo.