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Joana e a escolha da profissão em meio à maternidade precoce

1 CLARA, MÔNICA E JOANA: CONHECENDO AS TRÊS PROFESSORAS

1.2 COMO CADA UMA SE TORNOU PROFESSORA

1.2.3 Joana e a escolha da profissão em meio à maternidade precoce

Joana começa a contar a sua história falando da separação de seus pais, ocorrida quando ela ainda era adolescente. Pelo relato da professora, é possível perceber como esse acontecimento foi sentido como uma grande ruptura por ela, acarretando instabilidade familiar, tanto por questões emocionais, como por mudanças no padrão de vida:

O meu pai e a minha mãe se separaram e o nosso nível de vida baixou muito. Porque a gente tinha um nível bem alto, assim... Se separaram e aí... ah... [suspiro] O meu pai trabalhava na EMATER31 [como engenheiro agrônomo] e era fazendeiro. Ele tinha uma fazenda imensa, com tudo o que tu possa imaginar. E era considerado o “Rei do Milho”. [...] Eu me criei [em um edifício no centro da cidade] que na época era o prédio mais top que tinha. Estudei em colégio particular a vida inteira. Tive tudo assim que tu pode [imaginar], né. [...] Aí meu pai vendeu a fazenda, pediu pra se aposentar... Ele tinha um problema do coração e aí tava estressado, eu acho, e carregado. Ele não conseguiu lidar com tudo aquilo. E ele ia ser diretor da EMATER, sabe. [...] E a minha mãe é professora, né, como eu te falei. A minha mãe fez aquela faculdade de educação artística, que também era uma... Quem fazia educação artística era de uma elite mais assim, né, porque.... Não sei bem assim o porquê, mas era uma coisa mais elitizada um pouco quem fazia na época dela essa faculdade. [...] Aí, meu pai acabou vendendo a fazenda lá tudo, pediu aposentadoria e ficou com a secretária [com quem posteriormente teve um filho]. Aí se separaram. [...] Aí o nosso nível de vida baixou. Foi lá pra baixo. Aí o apartamento foi vendido.

Aquela confusão toda. E aí a gente se perdeu, eu e os meus irmãos, nesse tempo aí. Porque foi bem difícil, assim. A mãe se perdeu totalmente, né, porque sofreu muito. [...] Aí a gente já foi pra escola pública. Daí a gente já começou a fazer muita festa. Sabe, aquela coisa assim... A mãe professora, trabalhava o dia inteiro, saía de manhã e voltava pra casa de noite. Na época ela ficou sem carro. Daí ela não tinha como ir e vir da escola porque não dava tempo. Saía de uma escola e tinha que ir pra outra, então ela ia direto. E nós ficamos largados, assim.

Quando da separação de seus pais, Joana tinha treze anos de idade. Estava terminando o Ensino Fundamental (então Primeiro Grau). Afirma que, a partir daí, passou a não ter muito objetivo e que só queria “festear”. Acabou rodando diversas vezes no Ensino Médio (então Segundo Grau), o qual terminou com 19 anos, quando já estava grávida. Desta forma, teve o seu primeiro filho aos 20 anos e, ao sair da escola, foi trabalhar na loja de roupas de uma amiga. Enquanto trabalhava o seu filho ficava na creche.

A professora conta também que nesse período o pai da criança a abandonou:

[...] quando o meu filho tinha seis meses, o pai dele terminou comigo. Foi ficar com outra mulher. Me trocou por outra mulher. Eu quase morri. E essa outra mulher tinha uma filha de um ano. Aí tu pensa, né: deixou o filho dele aqui e foi criar o filho dos outros, né. E eu quase morri. Aí, então, foi mais um tempo assim, perdido.

Após trabalhar um ano na loja de sua amiga, a professora afirma que viu que não queria aquilo:

[...] acho que de repente por causa do filho mesmo, sabe [por não ter tempo pra ficar com ele, tendo que trabalhar até no final de semana], eu me dei conta que eu não queria ficar trabalhando.

Então ela deixou o trabalho na loja e passou um ano fazendo cursinho para prestar vestibular. Entrando no assunto do vestibular, Joana busca explicar o porquê de ter escolhido ser professora, mas pondera que ser professora não era o sonho de sua vida.

Agora, te dizer assim ó, porquê eu escolhi ser professora... Eu acho que eu pensei mais assim ó na questão de horários – porque o professor, né, ele consegue ter uns horários mais alternativos e porque eu já tinha o meu filho, né – e pensei também na questão dos concursos. Eu achei que como professora eu teria uma coisa mais garantida. O meu sonho mesmo não era ser professora. Né, não vou mentir aqui e dizer... Mas eu pensei em todas as coisas, já que eu já tinha o meu filho. Eu queria mesmo era ser repórter. Eu queria muito era viajar pelo mundo, sabe? [...] Por outro lado eu também sempre tive umas amigas que sempre me diziam que eu tinha que ser professora. Os meus irmãos também, quando eu tinha que ajudar eles, sempre diziam assim, né: “Ah, tu tinha que ser professora”. Tá, daí chegou na hora de eu me inscrever pro vestibular, eu me lembro até hoje que eu peguei aquele formulário, né, e pensei, né. Eu pensava em fazer... Aí eu já pensava em fazer enfermagem. Porque eu também queria trabalhar na área de saúde. Mas, assim, eu pensava na questão de ajudar os outros, sabe, de atender, de ajudar, assim, as pessoas, de dar carinho àquela pessoa que tá... Só que daí eu fiquei, olhei, olhei assim, e na hora de me inscrever eu escolhi ser professora [no curso de Geografia].

Joana ainda agrega que tanto na profissão de enfermeira, como na profissão de professora ela via a possibilidade de ter horários mais alternativos, como forma de poder ter mais tempo para passar com o filho, pois reclama que o que ela não gostava quando trabalhava no comércio era o fato de ter que passar muito tempo longe do filho: “era o dia inteiro, mais sábado de manhã e de tarde, né. E o que sobrava pro filho? Não sobrava nada.”

Atualmente, ela se orgulha de poder ter tempo para se dedicar ao seu filho mais novo, frente ao pouco tempo que teve para o seu primeiro filho:

Eu, agora, é claro que eu poderia ter outras escolas, ou sei lá. Mas eu, agora, por exemplo, eu tenho todas as tardes com ele. Agora eu tenho outro [filho], né? Que esse que eu te falei [o Douglas] ele tá com 23. E eu tenho o Miguel de 6. Então, assim, eu tenho todas as tardes com ele, sabe? Isso é uma das coisas que eu, assim... Pra que ter filho se é pra ficar o tempo inteiro na mão dos outros aí se tu não fica junto, né? Eu sou meio assim também, né? Não sei se eu sou considerada uma pessoa machista, mas eu acho que tem muita coisa assim, que é a mãe, sabe, que tem que tá junto.

A professora relata que fazer o curso de Geografia sendo mãe não foi fácil, pois logo teve que começar a trabalhar para ter algum dinheiro para si e para o seu primeiro filho, tendo em vista que o pai dele era ausente e não pagava pensão. Assim, a partir do momento que pode trancar algumas disciplinas na graduação, passou a estudar só de manhã ou só de tarde e foi trabalhar em uma escola, como estagiária. Conta que não ganhava muita coisa, mas já bastava para arcar com os gastos da criança, pois, de resto, morava com a sua mãe, que sempre lhe deu todo suporte e foi muito presente na criação dos netos, principalmente junto ao Douglas.

Sempre tive a minha mãe muito que... Aí ele [o meu primeiro filho] estudou sempre no colégio dela, com ela. Então ela levava, ela trazia. No contraturno ele ficava lá com ela. Ela é a segunda mãe dele, como ela mesmo diz, e ele também, né.

Como a professora relata, trabalhou durante toda a faculdade: começou com um estágio, depois trabalhou na secretaria de uma escola, trabalhou também na escola em que sua mãe atuava, assim como em uma creche. Contudo, ressalva que, em decorrência disso, não podia se engajar em atividades do curso, tal como faziam outras colegas. Como explica, “eu ia lá, assistia a minha aula e vinha correndo embora”. Assim, demorou um pouco mais do que o normal para terminar a graduação, o que aconteceu em 2005, mas, mesmo antes de finalizá-la, já havia iniciado um curso de especialização, que completou logo em seguida.

Depois de formada trabalhou em diferentes escolas e em diversas cidades. Desde 2012 é contratada na Escola Beth Lobo e espera ser chamada por um concurso do Estado, no qual passou.