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1 CLARA, MÔNICA E JOANA: CONHECENDO AS TRÊS PROFESSORAS

1.2 COMO CADA UMA SE TORNOU PROFESSORA

1.2.2 Mônica e a vocação para ser professora

No nosso primeiro encontro, na intenção de me explicar a sua relação com a docência, bem como para iniciar o relato sobre a sua história como professora, Mônica começa dizendo o seguinte:

Assim ó: pra ser professora, eu acho que eu tinha dom, vocação desde pequena. A gente traz isso com a gente, né? Então, com o que eu brincava? Eu botava as bonecas – eu já tinha o quadro e o giz – e eu dava aula pras minhas bonecas. E fui crescendo. Minha mãe não era professora. Eu não convivi com professora nenhuma na minha vida.

O elemento da vocação aparece, de maneira explícita ou implícita, por várias vezes no seu discurso como forma de dar sentido à sua relação com a profissão. No trecho acima, ela faz questão de salientar que sua mãe não era professora e que também não convivia com outras professoras, como forma de evidenciar que não possuía alguém que tenha lhe inspirado ou lhe motivado na escolha da profissão. Ainda assim, no mesmo trecho, ao mencionar as

brincadeiras com as bonecas, o quadro e o giz, tal como em outros momentos da narrativa, a professora apresenta elementos que permitem uma interpretação sobre a sua relação com a docência que apontam para explicações mais complexas do que a baseada na vocação.

Proponho essa observação apenas como provocação e deixo para aprofundar essa discussão mais adiante, no capítulo 2, no subtítulo 2.3 Magistério: escolha, vocação ou

fatalidade. Agora, vamos ver um pouco mais sobre a história da professora.

Mônica é filha única de uma mãe auxiliar de enfermeira e de um pai pedreiro e, conforme relata, na reconstrução que faz de um fato específico em suas memórias, foi por influência do seu pai que a sua alfabetização começou:

Até que o meu pai gostava de ler muito. Mas ele lia gibi. E eu aprendi lendo gibi. Fui alfabetizada lendo gibi. Que eu me lembro que eu tava no quarto, assim, deitadinha de perna pra cima, e eu tava rindo [com um gibi em mãos]. E o meu pai [me perguntou] assim: ‘Tu não tá lendo, né?’. E eu comecei [a] ler, então. E eu li. Se eu dei risada da piadinha era porque eu tava lendo, né? Isso eu tinha 5 anos de idade. Então, eu já entrei bem dizer lendo na escola.

Como filha única, a professora relata que sempre teve uma condição de vida boa, sempre estudou em escolas particulares, fez a sua graduação inteira sem ter que trabalhar e a sua mãe e o seu pai nunca lhe deixaram faltar nada. Conta que a sua mãe, com a renda mensal fixa do trabalho de auxiliar de enfermeira, se encarregava das contas grandes da casa (como água, luz, etc.) e o seu pai, com o ganho semanal, trabalhando como mestre de obras, era quem se incumbia de suprir os gastos de caráter mais ordinário (como comprar o gás, o pão e as coisas pro almoço no mercadinho perto de casa).

Mônica explica a situação econômica da família falando das coisas que lhe eram propiciadas pelo pai e pela mãe quando era pequena, afirmando que sempre teve acesso a condições materiais para viver bem:

Nunca posso negar, assim, de não ter [...]. Se eu passava numa loja e via uma mochila bonitinha, no outro dia a minha mãe comprava e tava em cima da cama a mochilinha pra mim, sabe. A gente nunca foi rico, entendeu, Will? Mas a gente sempre viveu bem. [...] Sempre tomei meu sorvete, meu chocolate, meu refri. A gente sempre viveu super bem. O pai sempre com o fuquinha dele. Então a gente sempre saía. A mãe trabalhava e daí o pai que me levava pra passear no cinema. A gente sempre saía pra almoçar fora no domingo, porque a mãe sempre fazia função, né? Então, assim, óh... O filme do John Travolta, sabe? O filme do Tarzan... Eu sempre [ia]. O pai me levava no teatro, sabe. Então, eu sempre tive.

Conta ainda que, à medida que foi crescendo, teve algumas dificuldades na escola. Rodou no primeiro ano do Segundo Grau (atual Ensino Médio). Contudo, no terceiro ano teve

uma professora de biologia “show de bola” e assim começou a se “apaixonar” por essa disciplina.

Relata que com 16 anos, nos idos dos anos 80, fez o seu primeiro vestibular e, como era filha única, o pai e a mãe queriam que ela fosse médica. Ela vez o vestibular para o curso de Medicina, mas não passou e afirma que não era o que queria e também não tinha vocação para isso. “Não passei, porque eu não queria ser. Não adianta. Eu não tenho o dom, né?!”

Não tendo passado no vestibular, decidiu trabalhar e passou seis meses como balconista em uma loja de malhas. Afirma que tudo que ganhava gastava e que em outubro, com a chegada do calor, deixou o emprego para ir aproveitar tardes em um clube com piscinas e muito sol.

A partir de dezembro desse ano a professora fez um cursinho pré-vestibular e então, no ano seguinte, passou para Pedagogia. Cursou um ano, mas, como conta, gostava mesmo era dos conteúdos de genética e biologia. Assim, largou a Pedagogia para fazer Licenciatura Curta em Ciências, com duração de três anos e meio. Quando estava quase no final, com meio ano para terminar, mudou para o curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, onde depois de mais dois anos se formou, no início de 1993.

A professora diz que teve muita sorte, pois terminou a sua graduação e já começou a dar aula. Uma professora que lhe acompanhou no estágio escolar de conclusão de curso lhe indicou para trabalhar em uma escola particular de Acampamento, onde começou a atuar em março de 1993, pouco mais de dois meses após ter se formado. Ainda em janeiro desse mesmo ano, a professora já havia feito um concurso para professora do estado, em regime de 20 horas de dedicação, para atuar em uma cidadezinha interiorana, há 30 km de Acampamento, onde tinha parentes por parte de mãe. Passou em primeiro lugar no concurso e em setembro foi nomeada. Depois disso, logo começou a dar aula em um cursinho em outra cidade das redondezas. Então, estava com 23 anos, já trabalhando na área e tendo vínculo com o magistério público-estadual: “Eu comecei nova, por isso já tô quase me aposentando”, diz ela.

Mônica afirma que vê a profissão de professora como algo tão natural em sua vida e como algo tão intrínseco a sua pessoa que não se imagina fazendo outra coisa:

[...] todo mundo que me conhece diz isso, né: “Eu não te imagino, Mônica, não sendo professora”. Porque já é uma coisa... É um dom que as pessoas têm. Se tu for ver qualquer profissão, quando a pessoa se dá bem naquela profissão é porque ela ama o que tá fazendo. Infelizmente, se ela trabalha só pelo dinheiro, ela não vai ser feliz. Porque se a gente [que é professora] trabalhasse só pela nossa remuneração a gente não tava aqui. Se não tem tesão, a gente não consegue.

Todo esse amor e esse “tesão” que a professora afirma ter pela profissão se refletem no seu trabalho. É perceptível, ao acompanhá-la em sala de aula, o quanto tem gosto por ensinar e o quanto se diverte e se envolve com os alunos. Segundo o que ela mesma afirma, “Sempre achei maravilhoso o palco da sala de aula. Porque pra mim é um palco [...]. Se [eu] não fosse professora, acho que seria artista”.

Contudo, ainda que haja toda essa diversão, própria de alguém que se doa à profissão, e, ainda que afirme não trabalhar só pelo dinheiro, a professora também traz diversas queixas sobre “como é difícil ser professora hoje”, tendo em vista a desvalorização da categoria:

Esse ano [de 2015] foi um dos anos mais difíceis, porque a gente não tem ajuda de ninguém. Agora o governo vem dizendo que não vai pagar nosso décimo, né? Isso, querendo ou não... Imagina: atrasar teu salário, não pagar teu salário, parcelar em três vezes!!! Tu tendo um monte de conta pra pagar. Isso reflete dentro da sala de aula. Vai dizer que não reflete? Porque reflete. Tu fica sem vontade de fazer as coisas. Tu chega em casa, tua filha tá querendo... tem passagem pra pagar pra ela, tem colégio pra pagar pros filhos e aí tu não consegue, tu entendeu? Então, assim ó: tirando essa coisa da minha vocação de ser professora – não me imagino fazendo outra coisa –, teve uns dias atrás que eu pensei assim “se não faltasse dois anos pra me aposentar, eu tava trocando”. Trocando pra ser o quê? Atriz! [risos].