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2 CONTEXTUALIZANDO A INFÂNCIA E O BRINCAR

2.5 Jogo de papéis

As crianças em idade pré-escolar, freqüentemente se envolvem em situações imaginárias, isto é, nas quais a tônica é o jogo de papéis. Ao brincar de escolinha, na qualidade de professor, todos seus atos devem corresponder àqueles coerentes com o papel que está representando.

Nas brincadeiras de jogo de papéis, há momentos em que a criança não só faz o papel, como também o contra-papel, isto é, representa a professora e ao mesmo tempo representa o aluno, faz o papel de mãe e o contra-papel de filha.

Significa dizer que ela não está imitando um único motorista, mas ela generaliza as ações em comum de todos os motoristas. Como diz Vygotsky (1994, p. 125):

Sempre que há uma situação imaginária no brinquedo; há regras – não as regras previamente formuladas e que mudam durante o jogo, mas aquelas que têm sua origem na própria situação imaginária. Portanto, a noção de que uma criança pode se comportar em uma situação imaginária sem regras é simplesmente incorreto.

Os jogos de regras surgem na etapa posterior aos jogos de papéis. Para a criança de dois ou três anos, o fato dela subir os degraus de uma escada já é uma atração e até mesmo uma satisfação.

Quanto a uma criança de 6 anos, esta atividade só será atrativa mediante regras, isto é: subir com um pé só, pulando degrau em degrau com ambos os pés juntos etc.

Portanto, se nas brincadeiras imaginárias das crianças de 2 e 3 anos o prazer está no processo, na própria atividade, nos jogos com regras, o prazer é obtido pelo resultado alcançado e pelo cumprimento das normas do jogo.

Estes jogos permitem à criança auto-regular-se e ao mesmo tempo auto- avaliar-se, pois geralmente as regras são pré-estabelecidas e estão à disposição para todos.

Todos estes elementos servem para mostrar que a brincadeira, os gestos e o desenho são atividades que estão no alicerce da linguagem escrita.

Todo o brinquedo envolve representações, o que coincide com a língua escrita, pois ela é toda pautada em representações e signos. Isto nos leva a crer que a brincadeira passa a ser também um pré-requisito necessário para a alfabetização.

Além disso, nas brincadeiras de faz-de-conta, a criança é regulada pelos comportamentos característicos dos homens de uma determinada época. Quando a criança representa o papel da mãe, ela está internalizando condutas socialmente produzidas que definem o perfil de mãe na sua sociedade.

O que a criança representa no brinquedo corresponde ao que ela observa no seu cotidiano, e este nada mais é do que uma parte da totalidade.

Segundo Vygotsky (1994), a brincadeira influencia enormemente no desenvolvimento da criança. É através da brincadeira que ela aprende a agir, sua curiosidade é estimulada, adquire iniciativa e auto-confiança, proporcionando o desenvolvimento da linguagem, do pensamento e da concentração.

Na perspectiva sócio-cultural, brincar traduz a forma como as crianças interpretam e assimilam o mundo, os objetos, a cultura, as relações e os afetos das pessoas. É uma maneira de conhecer o mundo adulto sem adentrar neste mundo realmente.

É interessante lembrar que os valores podem, através da brincadeira, ser internalizados pela criança na medida que esta está em contato com estes valores em sua vida diária.

Através da brincadeira, a criança pode constituir-se como indivíduo, formulando e compartilhando significados. À medida que ela se utiliza da brincadeira, ela interage como o outro, com o objeto e consigo mesma, desenvolvendo a linguagem, função esta que organiza todos os processos mentais da criança, dando forma ao pensamento.

aquelas apresentadas pelos colegas de seu ambiente, o que é fundamental para a apropriação de diferentes significados.

Vygotsky estabelece uma importante distinção entre significado e sentido: aquilo que é convencionalmente estabelecido pelo social é o significado do signo lingüístico; já o sentido, é o signo interpretado pelo sujeito histórico, dentro de seu tempo, espaço e contexto de vida pessoal e social.

A socialização também encontra na brincadeira a oportunidade de revalorizar as interações mediante experiências caracterizadas pela tolerância, cooperação, envolvimento pessoal e a necessidade à escolha. Outra contribuição refere-se à escolha de opções autônomas e decisões livres, num caminho de aprendizagens que a criança conquista com as mãos, corpo, observação, ação direta sobre os objetos do ambiente simbólico.

Segundo Zabalza (1998, p. 84),

O universo lúdico sabe colocar na rampa de lançamento uma fantasia que é capaz certamente de fugir através do caminho que permite escapar da realidade, mas que também está equipada com o carburador necessário para voltar para dentro da vida de todos os dias; e isso garante (á margem de cada atuação ‘fantástica’ ou vivência esquizóide) vitalidade, leveza, sorriso.

Zabalza (1998) por sua vez, admite ainda que a função simbólica desenvolve-se de forma gradativa, começando por imitações simples e tornando-se mais elaborada progressivamente.

Sendo assim, sugere aos adultos que proporcionem contextos ricos em situações, e materiais que favoreçam o desenvolvimento da capacidade de representar, de simbolizar os conhecimentos e experiências do seu cotidiano.

Compreender como as crianças entendem, descobrir como ela olham e vêem o mundo é tão importante quanto a forma como nós adultos olhamos e vemos o mundo.

Já nas crianças, o olhar e o saber olhar está fortemente ligado às formas como eles interagem com os objetos e as pessoas através dos momentos de brincadeiras.

Referente a este assunto ainda, Zabalza (1998, p. 129) comenta: “As formas convencionais de ver as coisas não bastam para a construção do conhecimento, por isso é preciso relacionar os diferentes aspectos da realidade às

linguagens que nos permitem interpretá-las”.

O ato de brincar ou a brincadeira na criança assemelha-se ao fazer artístico, pois é na atitude lúdica que se concebe e se faz música, um quadro ou um conto.

Estamos compreendendo o lúdico como um processo não só de prazer, mas também de tensão e desprazer, lembrando que a palavra lúdico vem de ludus, de origem latina, derivada de ludere que, segundo Huizinga (1993, p. 41), tem o sentido de “ilusão” e de “simulação”.

Vygotsky (1994, p. 121), assim, comenta:

[...] enquanto o prazer não pode ser visto como uma característica definidora do brinquedo, parece-me que as teorias que ignoram o fato de que o brinquedo preenche necessidades da criança, nada mais são do que uma intelectualização pedante da atividade de brincar.

Sabe-se que a criança gosta muito de brincar de faz-de-conta, pois brincar é sua forma de ser e estar no mundo. É durante estas brincadeiras que ela encontra sentido para sua vida, é nelas que tudo se torna mais significativo.

O faz-de-conta refere-se ao mundo imaginário e ao mundo da fantasia. Ao fantasiar, a criança passa a criar pela imaginação, sem ligação estreita com a realidade.

Representar significa substituir um objeto, pessoa ou acontecimento por seus equivalentes funcionais. Pode-se dizer também que representar é uma forma de assimilação que expressa a qualidade simbólica de sua inteligência. O símbolo é qualquer palavra, gesto, objeto ou índice que tem a propriedade de recuperar algo que partiu, que não está presente.

Como exemplo, cita-se a mãe que sai para trabalhar e não está presente junto à criança, e, ao brincar de boneca ou casinha, pode ser um jeito ou um modo de tê-la junto de si.

É graças ao faz-de-conta que a criança pode imaginar, imitar, criar ou jogar simbolicamente e assim vai reconstituindo na linguagem verbal ou simbólica, tudo o que desenvolveu até um ano de vida. Desta forma, pode ampliar seu mundo, aprofundando seus conhecimentos.

No faz-de-conta, tudo o que a criança cria, está atribuído aos acontecimentos de sua história. Segundo Wajskop (1995, p. 89):

Brincar não é mentir, nem fantasiar. A criança retira de sua vida os conteúdos da brincadeira através de impressões e sentimentos que vivencia, doa conhecimentos que aprende das histórias que escuta. Por isso, para brincar é preciso entender que a brincadeira é uma atividade da imaginação.

Todos estes argumentos implica questionar: Como conviver com significados tão diferentes que as crianças atribuem às coisas?

A escola pode contribuir para emancipar as crianças de uma ignorância através destas oportunidades de faz-de-conta. O brincar de faz-de-conta surge como oportunidade para o resgate dos valores da criança e como forma de comunicação entre iguais e entre as várias gerações.

Durante estas situações, a criança enfrenta uma possibilidade criativa, como instrumento de inserção em uma sociedade regrada. Brincando ela tem a possibilidade de conviver com os outros, de se colocar no lugar do outro, de ganhar hoje e perder amanhã, de falar e ouvir.

Vygotsky (1994,p.136-137) assevera:

“ A essência do brinquedo é a criação de uma nova relação entre o campo do significado e o campo da percepção visual - ou seja, entre situações no pensamento e situações reais”.

Esse movimento de brincadeiras não é instantâneo e nem garantido pelo fato de existir espaço físico, e sim, que os educadores tenham consciência e assumam o brincar como primordial no trabalho junto às crianças de 0 a 6 anos.

Para os professores que falam da importância da brincadeira, esta precisa agora ser materializado, sair do âmbito cognitivo para o corpo, para o âmbito sensorial, o perceptual, da reflexão para a vivência.

O Brincar é a principal atividade da infância. Assim sendo, ele responde à necessidade das crianças quando elas podem olhar, satisfazer, tocar, experimentar, descobrir, expressar, comunicar e sonhar.

Segundo Vygotsky (1994.p.135):

“ A ação na esfera imaginativa, numa situação imaginária, a criação das intenções voluntárias e a formação dos planos da vida real e motivações volitivas- tudo aparece no

brinquedo, que se constitui, assim, no mais alto nível de desenvolvimento pré-escolar. A criança desenvolve-se, essencialmente, através da atividade de brinquedo.” (citação)

Portanto, o brincar passa a ser uma necessidade enquanto a criança pode estar se desenvolvendo nas suas várias linguagens.

Todo e qualquer objeto pode converter-se em um brinquedo nas mãos de uma criança e porque cada criança é diferente, atribui a ele um uso e um significado próprio.

Vygotskiy em 1994, ao discutir o papel do brinquedo, refere-se especificamente à brincadeira de faz-de-conta. Além disso, faz referência a outros tipos de brincadeiras, privilegiando a discussão sobre o papel do brinquedo no desenvolvimento.

O autor coloca que o faz-de-conta surge com o aparecimento da representação e da linguagem. Teoricamente embasada em Vygotsky, Kishimoto (1997, p. 39) cita:

O faz-de-conta permite não só a entrada do imaginário, mas a expressão de regras implícitas que se materializam nos temas das brincadeiras. É importante registrar que o conteúdo do imaginário provém de experiências anteriores adquiridas pelas crianças, em diferentes contextos.

Os brinquedos podem incorporar também um imaginário, preexistente, criado pelos desenhos animados, seriados televisivos, mundo encantado dos contos de fadas, histórias de piratas, bandidos e heróis.

Quando o brinquedo representa realidades imaginárias, estes expressam preferencialmente personagens sob forma de bonecos, mistos de homens, animais, máquinas e monstros.

Segundo Vygotsky (1994,p.126):

“É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos.”

O brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal, pois é durante as brincadeiras que a criança comporta-se num nível que ultrapassa aquilo que ela está habituada a fazer, demonstrando ser maior do que ela é.

Na medida em que a criança cresce, ela impõe ao objeto um significado, e o exercício desse simbolismo ocorre quando o significado fica em primeiro plano.

Muitas brincadeiras preservam sua estrutura inicial, já outras, segundo Kishimoto (1997, p. 39), vão se modificando e recebendo novos conteúdos.

“Por pertencer à categoria de experiências transmitidas espontaneamente conforme motivações internas da criança, a brincadeira tradicional infantil garante a presença do lúdico, da situação imaginária”.

Vygotsky atribui ao brinquedo um papel importante, aquele de preencher uma atividade básica da criança, ou seja, ele é um motivo para a ação.

Segundo o Vygotsky (1994, p. 122),

A tendência de uma criança muito pequena é satisfazer seus desejos imediatamente; normalmente, o intervalo entre um desejo e a sua satisfação é extremamente curto. Certamente ninguém jamais encontrou uma criança com menos de 3 anos de idade que quisesse fazer alguma coisa dali a alguns dias, no futuro.

Portanto, se a criança pequena, por exemplo, tem uma necessidade muito grande de satisfazer os seus desejos imediatamente, menor será o espaço entre o desejo e sua satisfação. A idéia é que o brinquedo substitui a realização imediata do desejo.

É na faixa etária de 2 a 6 anos que surge uma grande quantidade de tendências e desejos não possíveis de serem realizados imediatamente, e é nesse momento que os brinquedos são inventados, para que ela possa experimentar tendências irrealizáveis.

A impossibilidade de realização imediata dos desejos cria tensão, e a criança se envolve com o ilusório e o imaginário, onde seus desejos podem ser realizados.

Segundo Vygotsky, a imaginação é um processo novo para a criança, pois constitui uma característica típica da atividade humana consciente.

É certo, porém, que a imaginação surge da ação e é a primeira manifestação da emancipação da criança em relação às restrições situacionais. Não significa necessariamente que todos os desejos não satisfeitos dão origem aos brinquedos. Já na idade pré-escolar, a criança consegue lidar com representações, ocasião em que suas ações não são mais motivadas pela percepção que tem dos objetos, mas por aquilo que imagina ser possível fazer com eles.

É neste momento que começam a aparecer as brincadeiras, envolvendo o imaginário, o faz-de-conta, onde um pedaço de madeira tanto pode ser um revólver como pode ser um microfone. Isto só depende da imaginação e da situação de brinquedo em que a criança está envolvida.

Porém, é importante ressaltar que não é qualquer objeto que pode ser usado para representar outro. É necessário que, com ele, possam ser realizadas ações parecidas às que seriam realizadas com os objetos reais.

Estas são situações em que a criança opera com significados, ou seja, o pedaço de madeira não é madeira é “revólver”, a vassoura não é vassoura é “cavalo”, a peneira não é peneira é “volante de carro”.

A criança não imagina uma situação de brinquedo antes de experimentá- la. Sendo assim, um objeto que está representando determinada coisa na brincadeira foi, antecipadamente, pensado para fazer esta representação.

Na perspectiva Vygotskyana, o brinquedo é, para a criança, uma maneira ilusória, imaginária de realizar desejos impossíveis de serem concretizados na prática.

Ele tanto se apresenta como uma atividade que satisfaz necessidades referentes àquilo que a motiva para agir, como uma atividade que proporciona prazer, ou seja, uma criança brinca de casinha encenando o papel de mamãe e sua boneca o contra-papel de filha.

Ela faz algumas concessões à boneca, permitindo que esta coma chocolate na hora do almoço, passe batom e perfume, atravesse a rua desacompanhada, manifestando, assim, necessidades suas, as quais em situações reais não são toleradas.

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