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5 HABITUS DOCENTE DE TRÊS MÚSICOS EDUCADORES DO CARIR

5.2 José Bonifácio Salvador

O Maestro Bonifácio nos deu um depoimento rico em informações sobre sua carreira pessoal e, por conseguinte, sobre sua atuação na Banda de Música do Crato nos últimos vinte anos. Bastante respeitado e admirado no meio musical do Cariri, Bonifácio atua em diversas frentes no campo da música, entre elas: educação musical, mercado fonográfico, arranjos, orquestrasdebaile,gruposdechoro, formações camerísticas em geral. Mantém estreita relação com os demais depoentes, posto que fora professor de Cícero Galdino e atua frequentemente à frente do naipe de sopros da Orquestra Sonata, liderada por Ibbertson Nobre. Esta ligação entre os sujeitos da pesquisa viabiliza a verificação de informações gerais sobre nosso tema e nos dá um panorama acerca do campo da música do Cariri mediante as experiências de nossos agentes. Bonifácio gravou seu depoimento em seu ambiente de trabalho: a sede da Banda de Música do Crato e Escola de Música Maestro Azul (EMMA).

WEBER – (04/11/2013) Depoimento do Maestro Bonifácio Salvados, maestro da banda de música do Crato. Qual o ano que você nasceu?

BONIFÁCIO – Eu nasci em 1965, no dia 14 de maio aqui na cidade do Crato...

WEBER – Eu queria que você falasse sobre o seu começo na música.

BONIFÁCIO – Bom, então vamos lá... em meados dos anos setenta, eu tinha uns doze anos Nome: José Bonifácio Salvador

Naturalidade: Crato-CE

Data de Nascimento: 14 de maio de 1965

Atuação profissional: Bandas de Música; performance; arranjos e regência

Área de influência: Crato, Nova Olinda, Juazeiro do Norte, Santana do Cariri, Assaré, Campos Sales

Tempo de profissão: 38 anos

Período UFC/UFCA: de 2010.1 a 2013.2

Tema do TCC: Vivido e vivenciado na trilha das bandas de música: experiências com a educação musical no Cariri Cearense.

de idade quando eu tive a oportunidade de, pela primeira vez, ouvir uma banda de música; que era a banda de música do SESI-Crato. Essa instituição (SESI) formou algumas bandas e o Crato era uma. Eu garoto, fiquei fascinado por aquilo... e na apresentação eu notei que tinha uma menina que eu conhecia, era ajudante de minha mãe nas costuras, ela fazia os acabamentos de mão; alinhavo etc... Ana Cleide o nome dela. Então eu falei pra ela: “Ana Cleide, eu queria que você me levasse pra tocar na banda também, queria que você falasse com o maestro...”. Foi uma verdadeira paixão pela banda e pela música... então ela me levou lá (na sede da Banda) pra falar com o Maestro Azul, nessa época era à noite, ele dava aulas à tarde e à noite no SESI... ela me levou à noite porque ela ensaiava à noite...então, chegando lá, o Maestro estava sentado num birô, rabiscando uns papeis e eu cheguei e ela disse: “Maestro, eu trouxe uma pessoa aqui que quer aprender música...” então o Maestro disse: “eu falo já com ele”... nesse tempo eu era muito “fechado”, vivia num mundo só meu, então eupensei:“hômi,euvouéembora, não vouesperaressemaestro,não...”.Entãoeufuiembora. No dia seguinte a minha amiga disse que o Maestro tinha me procurado pra conversar e eu já tinha ido embora... Bem, no ano seguinte eu fui estudar no SESI, no ensino regular, meu pai trabalhava na indústria e eu fui estudar lá. Daí um dia foram avisar na classe que haveria vagas para a banda, pra quem quisesse estudar música, então foi aí que eu comecei, em 1978 quando eu entrei definitivamente para aprender música. O Maestro viu o meu interesse, aí eu fui entendendo os processos da música, vi por que o maestro ficava no birô, porque naquele tempo se escrevia tudo à mão, os arranjos e tal. Com o tempo, o Maestro começou a me delegar tarefas, pedia pra eu cuidar dos meninos (da banda) quando ele ia tomar um café (esse café às vezes demorava bastante, ele gostava de fumar...) e eu ficava lá, naquela empolgação... O Maestro Azul me deu muitas oportunidades, eu me lembro de uma vez em que ele me chamou e disse: “olha aqui, eu quero que você escreva o Trio desse Dobrado...”.Aíeu disse: “Oxe! não, Maestro, eu não tenho condições de fazer isso, não... Ele insistia: “rapaz, sete aqui e escreva”. Bem, ele me deu muito incentivo, me mostrou outras possibilidades de ver música e em 1980 ele me deu a primeira oportunidade profissional, me chamou pra tocar na banda da prefeitura e então eu com 15 anos já fazia parte da banda municipal do Crato. Eu já tinha uns amigos que tocavam na banda e eu achava assim, uma coisa grandiosa. A sede da banda já era aqui, mas depois foi um tempo lá pra o parque exposição, mas depois voltou pra cá. E o Maestro sempre me delegava funções, mandava fazer umas modulações... Nesse tempo o Maestro tinha um auxiliar que às vezes me levava pra tocar nas outras cidades e durante as viagens ele ficava me fazendo perguntas do tipo: “qual o tom que todo MI é sustenido?” aí eu começava a pensar na resposta e, quando eu

não sabia esperava outra oportunidade e depois respondia a ele. Em 1983 eu já tinha o segundo grau (ensino médio) e tinha muita vontade de fazer um curso superior de música, era o meu grande sonho, mas aqui na região a gente não tinha, foi quando eu resolvi fazer um curso técnico na Associação Comercial, que foi contabilidade. A política às vezes atrapalha as coisas; bem, já depois dos meus dezoito anos, os músicos da banda fizeram uma greve, mas aí a política da época passou por cima, nós fomos mandados pra fora da banda. Naquele tempo o Maestro Azul tinha uma visão de manter os músicos novos junto com os mais antigos (a tradição) e nesse tempo nós tínhamos dois grupos na banda, mas o grupo desse pessoal novo foi todo mandado embora. O prefeito naquela época era Walter Peixoto. Aí eu pensei: e agora? Sem ter o que fazer... É assim, é porque quem gosta de música, quem vive a música pode fazer outras coisas, mas só está satisfeito trabalhando com música. Foi quando em 1986 eu toquei um carnaval lá em Pernambuco e o cara me disse: “Rapaz eu queria que a gente fizesse um trabalho, eu vou comprar um saxofone pra você tocar...”, então quando eu menos esperava, a gente tava numa pescaria com a turma e chega o cara com o saxofone dentro do carro e me disse que ia ligar pra mim. Depois disso eu fiquei até 1990 tocando numa banda de baile em Ouricuri-PE, mas sempre com aquele pensamento de me aperfeiçoar na música. Aí quando foi em 1990 o dono da banda Magazine me convidou pra trabalhar em Juazeiro na banda Magazine. Tinha o Eufrásio, o Cabelo, José Rocha, Marcelo, o cantor era o Aurilo (de Quixeramobim), tinha um guitarrista que era o Uchoa que fabricava pedais com o nome dele... (Chega o Galdino e nos cumprimenta nessa hora). Depois eu passei pela banda xxxxx (inaudível),eu tocava unas festas e às vezes eu encontrava o Maestro Azul e ela me convidava pra aparecer por lá. Em 1991 morreu o Maestro Azul em Assaré, ele morreu com o instrumento na mão, morreu tocando na festa da padroeira. Ele tinha uns amigos em Assaré que eram amigos dele, músicos antigos da banda de Assaré... Aí a banda do Crato caiu, tava sem o seu comandante, o seu líder (eu lamento muito não ter ido para o seu enterro, porque eu tava tocando em Arcoverde...). Nesse tempo já tinha um maestro no SESI muito capacitado chamado João Estevão, ele era de Fortaleza, tinha vindo do SESI de lá... e ele foi convidado e fez a transição da banda raiz (de dobrados etc.) para uma banda contemporânea com uma cara nova, tipo uma orquestra com arranjos novos e músicas novas (isso em 1992), mas ele começou a querer mudar o perfil da banda; não queria mais que a banda tocasse em procissão, queria que a banda tocasse sentada, ele pediu fardamento novo pra banda... isso começou a incomodar os administradores, os políticos. Bem, aí um dia eu estava em casa e chegou lá em casa o Cleivan Paiva e o Alembergue Quindins (que trabalhavam na secretaria de cultura do Crato nesse tempo) e me disseram que achavam que não dava mais para o João

Estevão ficar na banda porque estava gerando muitos conflitos... (interrompidos por pais de alunos da escola municipal). Bem, aí eles chegaram lá em casa e cogitaram a possibilidade de eu assumir a banda. Eu falei que, caso o Estevão saísse da banda a gente conversava. Depois de um mês veio só Cleivan lá em casa e disse que o Estevão fez muitas exigências, disse que só continuava se os músicos ganhassem X e ele ganhasse X. Depois eu fui falar com o prefeito e ele perguntou quanto eu queria ganhar pra assumir essa função e ele achou caro na época. Ele (o prefeito) me ofereceu outro valor, mas eu disse que aceitava só se eu não precisasse deixar o meu outro emprego e que ele contratasse um auxiliar pra quando eu viajasse. Aí eu marquei uma reunião com todos os músicos da banda, os que estavam e os que não estavam aí eu disse: olha, a prioridade vai ser dos mais antigos que já estavam na banda e nós vamos preencher o restante com os novos. Olha, eu devo muito a duas pessoas uma foi o Maestro Azul, que fez muito por mim, me incentivou e me ensinou muito. O outro é o João Estevão, justamente porque ele não fez nada por mim, quando ele saiu levou todos os arranjos novos e as partituras da banda. Aí tinha um aluno dele e mandei pedir pra ele. Eu disse: diga a João que mande pelo menos o Hino do Crato, que isso não é dele... Aí eu peguei uma fita cassete com uns dobrados e tirei o dobrada Barão do Rio Branco, instrumento por instrumento, tudo de ouvido... Isso foi um aprendizado pra mim. Tive de escrever arranjo e pedir umas partituras pro Maestro Costa Holanda de Fortaleza que mandou o Hino Nacional e outras partituras. E essa banda do Crato, eu devo tudo a ela porque foi a partir dela que eu fiz os meus trabalhos e que surgiram outros trabalhos, mas a minha grande frustração era de não poder fazer um curso superior de música... A SECULT um tempo atrás até falou de fazer um curso para os regentes de banda e levar os regentes pra Fortaleza uma vez por mês...pra capacitar e tal. Eu sei que tava tudo certo, era através da UECE, fomos pra uma reunião lá em Icó, tava lotado, os músicos e regentes e tal... foi aí que eu conheci o Marcio Mattos, acho que Márcio caiu nessa também. Disseram que o governão não poderia fazer o repasse da verba porque a UECE fazia parte do Governo. E ir pra capital fazer um curso lá, nessa altura não dava mais porque eu tinha minha esposa, minha família e tal... bem eu esperei 27 anos pra poder fazer um curso superior, mas até lá eu fiquei fazendo uns cursos de férias, de arranjo e de regente e tudo, mas eu achava muito pouco para o que eu aspirava. Aí, um certo dia Galdino, que eu tinha conhecido em um curso em Icó, veio me dar a notícia em 2009 (ano do vestibular) de que iriam implantar um curso superior de música aqui na região, ele disse que Jair que tinha dito. Eu fiquei esperançoso, mas com o pé atrás... porque antes da UFC haviaumcomentáriodequehaveriaum curso de música na URCA, mas não veio por questões de equipamento, espaço, custo...

A experiência musical de Bonifácio, sua vivência em bandas de música e bandas de baile ajudaram na constituição de seu habitus docente de forma direta e indireta. O trato com o público, com diferentes repertórios, em contextos diversos, em situações sociais e políticas distintas, ajudou a desenvolver nele os saberes necessários ao labor docente. Todos esses elementos constituem também um elenco de saberes que podemos chamar de currículo. Em seu TCC Bonifácio destaca também o papel do Maestro Azul como motivador. Conta-nos:

Recordamo-nos que, já nos primeiros anos de aprendizado musical, fomos surpreendidos com uma atitude inesperada de um maestro experiente e que, provavelmente, com visão de vanguarda, depois de um tempo rabiscando em seus papeis, como sempre fazia, nos chamou e disse: ‘Escreva o trio15

desseDobrado!’.Logicamenteachamosqueomesmoestavaficandomaluco eretrucamosematendê-lo dizendo ao mesmo que não estávamos preparados paratalpropósito. Ele, mais uma vez, em outra atitude inesperada, entregou- nos papel e caneta e disse sem titubear: ‘Faça!’. Disciplinados, como sempre fomos, resolvemos então atender à sua solicitação e compomos, em parceria com o mestre, a nossa primeira linha melódica.

O resultado ali não importava muito, mas, sim a atitude do mestre em oportunizara nós algo que certamente ainda não nos sentíamos prontos para desempenhar. Aquele gesto do mestre nos encorajou ainda mais na busca do conhecimento de tudo o que norteava o ensino e aprendizado da música e, a partir daquele momento começamos a perceber que o universo musical era muito mais amplo do que imaginávamos. Transposições de claves ou de compassos, regência e acompanhamento de alunos novatos, eram tarefas que fomos incentivados a desempenhar sem que precisássemos de respaldo algum, a não ser a da própria consciência do mestre (SALVADOR, 2013, p. 48).

 Último depoimento para a pesquisa (01/12/2014):