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O jovem mensageiro (v 5)

No documento Ressurreição e fé pascal (páginas 128-132)

Descoberta do túmulo vazio nas narrativas evangélicas

1. O jovem mensageiro (v 5)

Marcos apresenta o mensageiro de modo diferente dos restantes evangelistas. Mateus fala do "anjo do Senhor" (28,2), sentado sobre a pedra, que convida as mulheres a entrarem no túmulo; Lucas afirma que

46 O primeiro a propor esta hipótese foi Wellhausen, em 1903, seguido poste-

riormente por numerosos autores, entre os quais sobressaem: W. Bousset (1913), E . M e y e r (1921), R. Bultmann (1921), J. M. Creed (1930), W. Marxsen (1959), U. Wilckens (1963), I. Broer (1968), L. Schenke (1969), E. Linnemann (1969), W. Schmithals (1972), D. Dormeyer (1974), J. Kremer (1977), J. Gnilka (1979), H. Paulsen (1980), A. T. Lincoln (1989). Um conspecto geral da problemática até 1980 é-nos fornecido por F. NEIRYNCK, " M a r e 16, 1 - 8 " , 62-72.

47 Argumento aduzido por R. H. F Ü L L E R , The Formation ofthe Resurrection Narratives, London 1971,53; J. E. A L S U P , ThePost-Resurrection AppearanceStories of the Gospel Tradition, Stuttgart 1975, 91-94.

48 Cf. U. WILCKENS, ' ' Der Ursprung der Ueberlieferung der Erscheinungen", 78,

n. 6 0 ; L . S C H E N K E , o.e., 4 8 - 5 4 ; E. J . P R Y K E , Redaetion Style in the Marean Gospel,

Cambridge 1 9 7 8 , 2 3 . 4 4 - 4 5 , com listagem dos autores que perfilham este mesmo ponto de vista; J . G N I L K A , Markus I I , 3 3 8 - 3 3 9 ; H . P A U L S E N , o.e., 1 5 2 ; A. T . L I N C O L N , a.e.. 2 9 6 . 49 Estas características fazem parte do esquema apocalíptico, retomando de Dan

10, 7 . Cf. M . - É . B O I S M A R D , Synopse I I , 442; A. T . L I N C O L N , a.e., 296. J . K R E M E R , Die Osterevangelien, 44, vê na perícopa uma espécie de Haggada. Entretanto, muitos autores

classificam-na no género literário das angelofanias do Antigo Testamento (cf. Num 22, 31-35; Gen 22, 11-13; Lc 1, 11-20. 26-38). Cf. D . D O R M E Y E R , o.e., 229s. J . G N I L K A ,

Markus II, 339-340, reconhecendo embora que a ressurreição se apresenta como

acontecimento tipicamente apocalíptico, julga que a perícopa, ao testemunhar a reve- lação de Deus, não deve ser interpretada primariamente em perspectiva apocalíptica.

as mulheres, depois de terem entrado, depararam com "dois homens", que se postaram diante delas (24,4); João atesta que Maria Madalena, inclinando-se para o interior do sepulcro, viu " d o i s anjos'' sentados, um à cabeceira e outro aos pés (Jo 20,11). Marcos refere apenas a figura de um "jovem (neaniskos), sentado à direita, vestido com uma túnica branca'' (16,5). A direita designa o lugar mais digno, promissor de feli- cidade. O jovem é descrito como criatura celestial.

Os comentadores repetiam, outrora, a explicação de E. Kloster- mann — segundo a qual o jovem representa uma criatura ultraterrena, ou seja, simplesmente um anjo5 0 —ea interpretação mais específica de R. Bultmann, para quem se trata do " a n j o intérprete" 5I. Reconheciam, no entanto, que a linguagem de Marcos levanta dificuldades, uma vez que o termo utilizado não era angelos, mas neaniskos, como no episódio da fuga do jovem no momento da prisão de Jesus (Mc 14,51-52). Por isso, nestes últimos anos, a misteriosa figura do jovem anónimo constituiu objecto, primeiro de uma interpretação cristológica, depois da interpre- tação baptismal. Alguns exegetas vêem no jovem a representação sim- bólica, quer do próprio Cristo ressuscitado, quer do cristão, associado pelo baptismo à ressurreição 52.

Em favor da leitura cristológica fazem-se valer certos traços comuns ao jovem mencionado na cena do Getsémani (Mc 14,51-52) e a Cristo: prisão ( w . 44.46.51), lençol (v.51-52; cf. 15,46), abandono do lençol (v. 52; cf. Jo 20,5-7), e os temas da fuga e da nudez (v. 50-52), correspon- dendo ao despojamento total pelo qual havia de passar Jesus. Todos estes dados convidam a reconhecer no jovem de Mc 14,51-52 um símbolo de Cristo e naquilo que lhe acontece "uma espécie de prefiguração enigmática da sorte de Jesus" 53.

50 E. KLOSTERMANN, Das Markusevangelium, Tuebingen 1971, 153.

5 1 C f . R . B U L T M A N N , o.e., 3 1 1 . 3 1 4 .

52 Cf. F. NEIRYNCK, " L a fuite du jeune homme en MC 14, 5 1 - 5 2 " , 43-66;

M. GOURGUES, " A propos du symbolisme christologique et baptismal de Marc 16, 5 "

NTS 21 (1981) 672-678; E. L. SCHNELLBAECHER, " D a s Raetzel des neaniskos bei Mar-

k u s " , ZNWTi (1982) 127-135.

5 3 A . V A N H O Y E , " L a fuite du jeune homme nu (Me 1 4 , 5 1 - 5 2 ) " , Bib 5 2 ( 1 9 7 1 ) 4 0 1 - 4 0 6 ; cf. J . K N O X , " A Note on Mark 1 4 , 5 1 - 5 2 " , em S. E. Johnson (ed.), The Joy

of Study, New York 1 9 5 1 , 2 7 - 3 0 ; P . M O U R L O N B E E R N A E R T , "Structure littéraire et lecture théologique de Marc 1 4 , 1 7 - 5 2 " , em M. Sabbe (ed.) , L'évangile selon Marc.

Tradition et rédaction, Leuven-Gembloux 1 9 7 4 , 3 6 5 - 4 0 9 , p. 2 5 8 . A interpretação cris- tológica começa com A . Farrer ( 1 9 4 8 ) e J . Knox ( 1 9 5 1 ) , tendo sido depois retomada

Em 1973, R. Scroggs e K. L. Groff, fazendo notar a incapacidade das explicações correntes para traduzir o sentido do episódio de Mc 14, 51-52, avançaram com nova hipótese: a interpretação baptismal54. Só o simbolismo do baptismo pode explicar tanto a cena de Mc 16,5 — onde o jovem, vestido de branco, sentado à direita, representa Cristo, sem se identificar com ele - , como a passagem de 14,51-52 para 16,5, com a mudança das vestes: do " l e n ç o l " e " n u " (14,51-52) para a "túnica branca'' (16,5). Além disso, tal análise dá sentido à ligação entre o "len- ç o l " abandonado pelo jovem no Getsémani e o " l e n ç o l " que envolveu o corpo de Cristo (15,46): não é o baptizado que morre para si próprio, mas é Cristo que morre por ele55. Nesta perspectiva, o jovem de Mc 16,5 torna-se símbolo do crente, associado à ressurreição de Cristo mediante o baptismo. A túnica branca e a sessão à direita evocam, respectiva- mente, a veste do baptizado e a sua condição nova (cf. Col 2,11-12; 3,

1-3; Ef 2,4-6)5 6.

A interpretação do simbolismo baptismal tem merecido pouca adesão dos exegetas 57. A principal dificuldade apontada é a de que não é possível demonstrar que o rito da veste baptismal, atestado a partir da segunda metade do séc. II, existisse já na época do Novo Testamento58. Quanto ao simbolismo cristológico, as objecções não têm faltado, embora pareçam menos consistentes. Diz-se que o paralelismo entre o jovem que abandona o lençol, fugindo no momento da adversidade, e Cristo, que sai vitoriosamente do túmulo, não se apoia em nenhum dado explícito de Marcos5 9. E difícil, porém, negar alguma identidade entre o

por S. E. Johnson (1960), F. W. Beare (1962), H. Waetjen (1965), A. Vanhoye (1971), M.-É. Boismard (1972), P. Mourlon Beernaert (1974), K. E. Dewey e W. H. Kelber (1976). Cf. F. NEIRYNCK, " L a fuite du jeune homme en Marc 14, 51-52", 47-48.

54 R. SCROGGS and K. I. GROFF, "Baptism in Mark. Dying and Rising with

Christ", m 92 (1973) 531-542.

5 5 R . S C R O G G S a n d K . I . G R O F F , a.c., 5 4 2 .

56 R. SCROGGS and K. I. GROFF, a.c., 543. Aderiram a esta interpretação, entre

outros, J . D. C R O S S A N , a.c., 1 3 5 - 1 5 2 ; B. S T A N D A E R T , L'évangile selon Marc, Bruges

1 9 7 8 , 1 5 3 - 1 6 8 .

57 Entre os críticos deste sentido, salientamos: J. GNILKA, Markus II, 342;

F. N E I R Y N C K , " L a fuite d u j e u n e homme en Me 1 4 , 5 1 - 5 2 " , 5 9 - 6 6 ; M. G O U R G U E S , a.c.,

6 7 4 - 6 7 7 .

5 8 C f . M . G O U R G U E S , a.c., 6 7 5 .

5 9 J . K N O X , a.c., 2 9 ; A . V A N H O Y E , a.c., 4 0 6 , n . 2 ; F . N E I R Y N C K , a.c., 6 0 ; H . F L E D - DERMANN, " T h e Flight of the Naked Young Man (Mark 14, 51-52)", CBQ 41 (1979)

" j o v e m " (neaniskos) que as mulheres vêem dentro do sepulcro, "ves- tido" (peribeblèmenon) com uma túnica branca e o ' 'jovem'' (neanikos) do Getsémani, " v e s t i d o " (peribeblèmenon) com um lençol. Efectiva- mente, são estes os únicos textos do Novo Testamento onde se lêem as duas palavras: " j o v e m " (neaniskos) e " v e s t i d o " (peribeblèmenos). Em ambos os casos o jovem aparece inesperado, anónimo, envolvido em misterioso enigma 60. A redacção de Marcos situa estes episódios em relação com os dois principais acontecimentos do Evangelho: paixão e

ressurreição. Em razão das circunstâncias, tal facto não pode deixar de

ser intencional.

A origem dos motivos elaborados pelo evangelista pode encon- trar-se nas profecias. O aspecto da fuga lê-se no julgamento das nações de Amós: " E o mais corajoso entre os heróis fugirá nu, naquele d i a " (2,16). A exegese debateu, desde o séc. XIX, a influência de Am 2,16 sobre o texto de Marcos61. A fuga do jovem faz parte do tema da fuga dos discípulos (Mc 14,50) 62. No contexto da paixão-ressurreição, o jovem ilustra estes dois aspectos centrais do evangelho à luz de Isaías, onde se lê: "Mesmo os jovens se cansam e se fatigam, até os adolescentes robus- tos podem vacilar; mas aqueles que confiam no Senhor renovam as suas forças, têm asas como a águia, correm e não se fatigam, caminham e não se cansam" (Is 40,30-31)63.

Elemento fundamental para exprimir a transformação da antiga para a nova situação é a veste utilizada pelo jovem. No Getsémani (Mc 14,51), o discípulo anónimo estava vestido para a morte, apenas com um "lençol'' (sindôn), como aquele em que José de Arimateia envolveu o corpo de Jesus (Mc 15,46). No sepulcro, porém, endossa o vestido que convém à nova ocasião da ressurreição: uma "veste branca" {stolèn

leukèn — Mc 16,5; cf. Apoc 7,9.13.14). A figura que fracassou abissal-

mente em face da morte, aparece agora renovada, mensageira da res- surreição 64. O tema central do contraste assume uma dimensão eclesio- lógica: o jovem representa o discípulo de Jesus, que passa pela angústia até chegar à glória, seguindo o caminho do Mestre. Tendo vacilado e

6 0 C f . N . O . H A M I L T O N , a.c., 4 1 7 ; E . L . S C H N E L L B A E C H E R , 1 2 9 .

61 Cf. F. NEIRYNCK, " L a fuite d u j e u n e homme en Mc 14, 5 1 - 5 2 " , 57-59.

65-66.

62 Cf. G. SCHNEIDER, " D i e Verhaftung Jesu. Traditionsgeschichte von Mk 14, 4 3 - 5 2 " , ZNW63 ( 1 9 7 2 ) 1 8 8 - 2 0 9 , p . 2 0 5 - 2 0 6 .

6 3 C f . E . L . SCHNELLBAECHER, a.c., 1 3 2 - 1 3 5 .

fugido no momento da provação, aparece de novo, na manhã do dia de Páscoa, totalmente transformado, com o aspecto de um anjo, a proclamar no túmulo o anúncio pascal.

A representação de homens como anjos, e vice-versa, é frequente na literatura contemporânea do Novo Testamento (cf. Fl. José, AntJud 5, 279; 2 Mac 3,26.33.34; Tob 5,9; Act 1,10; 10,30)65. A "túnica branca"

(stolè leukè) simboliza a vitória de Cristo sobre a morte, como em

Apoc 6,11 e sobretudo Apoc 7,9, onde dos mártires vitoriosos se diz que estão "revestidos com túnicas brancas" (peribeblèmenous stolas lenkas), como em Mc 1 6 , 56 6. 0 jovem aparece assim na função do anjo revelador de Deus, que proclama a mensagem pascal.

No documento Ressurreição e fé pascal (páginas 128-132)