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2 MUNDO DO TRABALHO E EDUCAÇÃO

2.2 MUNDO DO TRABALHO

2.3.1 JOVENS-ESTUDANTES

Nesta seção, apresentaremos um panorama da rede pública de Ensino Médio na cidade do Recife. Acreditamos ser pertinente para esta pesquisa apresentar alguns dados que demonstramos a presença destes jovens na última etapa do ensino, a partir da Tabela 1.

Tabela 1 - Quantitativo de matrículas

ANO MATRÍCULAS (mil)

2014 50.216

2016 48.735

2018 47.187

Fonte: Tabela construída a partir de dados disponibilizados pela Secretaria Estadual de Educação de Pernambuco.

A respeito desses números, constatamos que 3.031 mil matrículas deixaram de existir na rede pública estadual da cidade do Recife-PE. Embora o nosso trabalho tenha estabelecido como objeto de estudo os jovens-estudantes-trabalhadores que estão matriculados no Ensino Médio Noturno, isso significa que estamos trabalhando com os jovens que estão na escola e na busca para o acesso ao mundo do trabalho, a partir das condições de organização e do processo de escolarização escolar em que estão inseridos. É interessante, a título de ilustração, apresentar os números referidos acima, para contextualizar, assim, a juventude e o seu processo de escolarização, levando em consideração o acesso, a permanência e a conclusão. Neste aspecto, segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), em 2017, o Brasil contava com 8,1 milhões de jovens matriculados no Ensino Médio, sendo 22,4% das matrículas (1,8 milhões) no período noturno, foco da nossa investigação.

Para a nossa pesquisa, o que deve ser considerada é a relação da educação com o mundo do trabalho. E, nesta relação, ressalta-se que é preciso considerar que a categoria

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trabalho apresenta uma perspectiva ontológica em Saviani (2007) e polissêmica em Frigotto (2009). A perspectiva ontológica em Saviani considera que o trabalho e a educação correspondem ao ser humano. Educar e Trabalhar é uma característica da espécie humana, QUE educa para o trabalho. O ato de transformar a natureza em função das necessidades humanas é caracterizado como trabalho. Esta relação entre trabalho e educação faz parte de uma concepção de identidade – os homens aprendem a trabalhar trabalhando. Isso significa que a relação entre trabalho e educação se configurou na humanidade no mesmo momento em que o trabalho se tornou fonte de alimentação, sobrevivência e convívio em comunidade.

Já a perspectiva polissêmica leva-nos a observar que o significado do trabalho se constitui através das relações sociais que se apresentam em épocas diferentes e em diferentes momentos históricos. A partir de então, proporcionando aos nossos jovens a experiência de vivenciar um processo de escolarização que tivesse uma exclusão includente e uma inclusão excludente, como conceitua Kuenzer (2007).

A autora compreende que existe uma dualidade negada na referida Lei N° 5691/71 e assumida na prática. Trata-se do que consideramos ser a divisão entre o ensino propedêutico, direcionado para passar no vestibular e ter acesso a uma universidade, por exemplo; e o ensino profissionalizante, voltado para a qualificação profissional através de cursos técnicos profissionalizantes em nível médio. Uma dualidade assumida na teoria, e uma dualidade negada na prática.

Diante disso, Kuenzer (2007, p. 1160) considera que “[...] a separação entre teoria e prática tem origem na separação entre propriedade dos meios de produção e força de trabalho”. Juntamente com os princípios ontológico de Saviani e polissêmico de Frigotto, esta compreensão de Kuenzer diante da relação teoria e prática possibilita que o nosso trabalho estabeleça uma relação entre os sujeitos jovens e o mundo do trabalho de forma ampla.

Por isso, é pertinente ressaltar que o processo de escolarização no Ensino Médio é fruto de uma dualidade que, de forma histórica, e para o entendimento deste trabalho, teve início com a LDB/1961, caracterizando-se ideologicamente com a Lei n° 5692/1971 e se estabelecendo como um projeto educacional brasileiro através da LDB/1996 (Lei n° 9394/1996), possibilitando, assim, um caráter governamental às políticas públicas na área de educação, em detrimento ao projeto educacional de nação. Deste modo, o trabalho precisa ser compreendido a partir do que Costa, Zanin e Dalvi (2010, p. 307) consideram como:

Outro fator a ser considerado quanto à profissionalização compulsória propugnada pela lei 5.692/71 é que o trabalhador instrumental, na maioria

dos casos, ficava retido pelos altos índices de evasão e repetência, sem concluir formalmente sua habilitação profissional. Esse fato, de saída, dá mostras de que se, aparentemente, a profissionalização deveria abranger a todos, no entanto, só atingia, em geral, os mais ou menos remediados, ou a classe média baixa, e não os realmente pobres, pois os determinantes desta realidade.

Analisar e considerar a Lei n° 5.692/7118 é importante para que possamos pensar como a relação entre trabalho e educação se configurou ou não em nosso modelo educacional. Para tanto, Saviani (2007) resgata o processo histórico da divisão da sociedade em classes, que também introduziu na educação uma divisão. Neste sentido, o autor considera que este modelo educacional, pautado pelo que conhecemos hoje como dualidade, tem sua origem no modelo estrutural da nação brasileira considerada escravocrata, e a partir dele constituíram “[...] duas modalidades distintas e separadas de educação: “uma para a classe proprietária, identificada como a educação dos homens livres, e outra para a classe não proprietária, identificada como a educação dos escravos e serviçais” (idem, p. 155). Essa construção histórica precisa estar atrelada ao fato da construção histórica da categoria trabalho, levando em consideração a relação que a mesma estabelece no âmbito do processo de escolarização que envolve a última etapa da Educação Básica. Dito isto, é preciso retomar algumas reflexões sobre a categoria trabalho.

Para Frigotto (2009, p. 168), essa categoria é construída historicamente de forma semântica, compreendendo três esferas epistemológicas: a) para os marxistas, produtivo é o trabalho que produz mais-valia; b) para os liberais é uma relação entre os insumos aplicados e o resultado da produção; c) no dicionário, trabalho produtivo é aquele que rende mais, que produz mais ou é mais eficaz. Deste modo, podemos perceber como a categoria trabalho apresenta uma compreensão que precisa ser observada levando em consideração o seu caráter polissêmico ao longo das transformações existentes na sociedade.

Sob essa concepção, o trabalho é um processo que permeia todo o ser do homem e constitui a sua especificidade (KOSIK, 1986). Por isso, o mesmo não se reduz à atividade laborativa ou emprego, mas à produção de todas as dimensões da vida humana. Na sua dimensão mais crucial, ele aparece como atividade que responde à produção dos elementos necessários e imperativos à vida biológica dos seres humanos enquanto seres ou animais evoluídos da natureza. Concomitantemente, porém, responde às necessidades de sua vida intelectual, cultural, social, estética, simbólica, lúdica e afetiva. Trata-se de

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necessidades que, por serem históricas, assumem especificidades no tempo e no espaço (FRIGOTTO, 2010).

Ao considerar toda a dimensão da vida humana, podemos dizer que existe neste momento uma relação direta com o processo de escolarização. Acreditamos que é neste momento que a categoria trabalho aufere referências do senso comum, e passa a ser compreendida no seio liberal, perdendo sua complexidade histórico-crítica de formadora da essência humana, segundo Saviani (2007).

Pertinente à reflexão acerca desta categoria, buscamos saber como a mesma se formou e, também, perceber como vem se configurando na visão dos nossos sujeitos sociais. Assim, para além desta construção histórica, e seguindo a perspectiva ontológica apresentada por Saviani, e também a partir da leitura de MARX e ENGELS (1974) sobre trabalho, consideramos como o ponto de partida desta construção histórica a seguinte posição,

Podemos distinguir o homem dos animais pela construção, pela religião ou por qualquer coisa que se queira. Porém, o homem se diferencia propriamente dos animais a partir do momento em que começa a produzir seus meios de vida, passo este que se encontra condicionado por sua organização corporal. Ao produzir seus meios de vida, o homem produz indiretamente sua própria vida material (SAVIANI, 2007, p. 154).

O autor complementa afirmando que “[...] o ato de agir sobre a natureza transformando-a em função das necessidades humanas é o que conhecemos como o nome trabalho” (idem, p. 154). Para esses autores a categoria trabalho vem historicamente sendo construída, adquirindo com o passar do tempo e das evoluções tecnológicas e industriais novas características e (re) significados.

O processo histórico que envolve a construção dessa categoria trabalho precisa ser feito a partir de Marx. Assim nos lembra Frigotto (2009), que analisa a perspectiva trabalho, acompanhando o desenvolvimento tecnológico produzido pelos trabalhadores ao longo do tempo, da sua construção social e da sua consciência de classe.

Deste modo, Frigotto (2009, p. 169) considera ser importante para “[...] essa compreensão do pressuposto de que os sentidos e significados do trabalho resultam e constituem-se como parte das relações sociais em diferentes épocas históricas [...]”. De fato, em nosso entendimento, o autor considera como ponto importante a relação construída ao longo do tempo, que inclui as percepções sociais, econômicas e políticas no seio da sociedade para que, assim, ela possa ser analisada e também pesquisada.

Por fim, compreendemos que a amplitude presente no significado que a palavra trabalho carrega também ajuda a entender o seu contexto histórico e a sua relação com a educação. Neste sentido, a juventude se apresenta como uma população a ser ouvida, pois, entendemos que ao considerar as especificidades desta categoria, podemos aproveitar seu potencial de transformação, contido em uma real necessidade de não repetir o histórico familiar, e pensar quais mudanças podem ser apresentadas para realmente possibilitarmos oportunidades de ascensão social para estes sujeitos sociais dentro de uma perspectiva educacional. A seguir, iremos aprofundar este ponto partindo do entendimento de que o processo de escolarização carrega uma dimensão ontológica da relação com o mundo do trabalho.