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Juízos rescindente e rescisório

Como bem esclarece Flávio Luiz Yarshell:

no contexto específico da chamada ação rescisória, de que tratam os arts. 485 e ss do CPC, “rescindir” é, ao menos em princípio, abrangente de dois momentos, que são, ou podem ser, etapas do julgamento do mérito dessa demanda: o

iudicium rescindens, em que o tribunal determina a cassação

ou desconstituição do ato impugnado (se procedente o pedido), e o iudicium rescissorium, em que se opera – se necessário – o novo julgamento da matéria.61

59

Ibidem, p. 99.

60 Ibidem, p. 100.

Se o tribunal entender pela desconstituição da sentença rescindenda, em juízo rescindente, prolatará uma sentença de procedência da ação rescisória. O juízo rescindente estabelece-se em uma relação jurídica processual que nasce fora da relação processual em que se proferiu a sentença rescindenda, e que, segundo Carmen Camino, tem como objeto o “julgamento dessa sentença”.

Procedente a rescisória (em juízo rescindente), explica a autora, a sentença que lhe fora objeto deixa de ser rescindida e passa à condição de rescindida, “abrindo-se” novamente à cognição. É o momento em que ingressamos no juízo rescisório.62

O julgamento da ação rescisória, portanto, pode conter dois momentos distintos:

Primeiro, estabelece-se o juízo rescindente no qual ocorrerá a desconstituição da coisa julgada, no caso de vir a ser julgada procedente a demanda. O que se aprecia, até esse momento, é a sentença que foi proferida no processo original, e não a lide, propriamente dita, da qual essa sentença resultou.

Ultrapassado juízo rescindente, com a desconstituição da decisão rescindenda, inicia-se, se for o caso, o juízo rescisório, no qual rediscute-se a relação processual original a fim de que uma nova decisão seja proferida. O que será julgado é a matéria que foi apreciada na decisão rescindida.

A desconstituição de uma sentença transitada em julgado deixa a relação jurídica inconclusa e o Estado torna-se novamente devedor da prestação jurisdicional. Daí o porquê, dependendo do fundamento em que está lastreada a ação rescisória,63 da exigência de cumular os pedidos de desconstituição da decisão rescindenda (juízo rescindente) com a prolação de uma nova decisão (juízo rescisório).

Há hipóteses, portanto, em que não se faz necessário o juízo rescisório, bastando, por si só, o juízo rescindente. Neste sentido, a procedência da ação rescisória, esclarece Francisco Antonio de Oliveira,

“deságua sempre no iudicium rescindens, nem sempre, todavia, no iudicium rescissorium. É o caso, v.g., da existência de duas sentenças com trânsito em julgado apreciando a mesma matéria. Neste caso, basta o iudicium

rescindens (desconstituição) em relação ao segundo trânsito

em julgado nascido sob o pálio do vício da ilegalidade.64

Coqueijo Costa contribuiu para o esclarecimento da questão afirmando que o

iudicium rescindens é o mérito da ação rescisória, em que a

pretensão (admissibilidade) é meramente processual, pela desconstituição da sentença. No iudicium rescissorium, rejulga-se a causa à luz do Direito material ou processual incidente da decisão rescindenda, reparando-se o error in

judicando ou in procedendo.65

63 Com propriedade Greco Filho afirma que, “com todo cabimento, ressalva a lei que a cumulação dos pedidos será feita, ‘se for o caso’. De fato há casos em que só a desconstituição da sentença já atende plenamente ao interesse material do autor [...]; há outros em que a rescisão tem por fundamento nulidade e haveria supressão de um grau de jurisdição se se passasse diretamente ao julgamento na própria ação rescisória (ex.: a proferida por juiz impedido). Aplica-se a cumulatividade quando a causa já está toda posta na ação anterior e na rescisória, como, por exemplo, quando o fundamento é documento novo” ( Direito processual civil brasileiro, p. 388). 64 Ação rescisória: enfoques trabalhistas, p. 116

65

Outra questão que se apresenta e que merece comentários refere-se ao acolhimento da rescisória e desconstituição da decisão rescindenda. Nesse caso, a quem cabe julgar novamente a lide original: o tribunal que proferiu a decisão na ação rescisória, ou o juízo a quem é atribuída a competência originária para a ação?

Na opinião de Carmen Camino

a sentença em juízo rescisório não será de julgamento final, mas incidental, de declaração de nulidade do processo a partir do ato inquinado. O processo, então, retomará seu curso até nova sentença final que será proferida no juízo de origem, e não em juízo rescisório.66

A doutrina de forma geral, no entanto, entende que tanto

iudicium rescindens quanto o iudicium rescissorium ocorrem perante o

mesmo tribunal, haja vista a redação atribuída ao art. 494 do CPC: “julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença, proferirá, se for o caso,

novo julgamento e determinará a restituição do depósito; [...]” (g.n.).

José Carlos Barbosa Moreira, por exemplo, menciona que após o julgamento de precedência do iudicium rescindens, que produz a invalidação da sentença, a regra é que, reaberto o litígio por esta julgado, caiba desde logo ao próprio tribunal emitir sobre ele novo pronunciamento, que de ordinário poderá favorecer ou não o autor vitorioso no iudicium

rescindens.67

Na esteira do que expusemos, vale transcrever também os apontamentos de Theotonio Negrão ao art. 488 do CPC, que sintetizam com

66 Ibidem, p. 18. 67

clareza a questão relativa aos juízos rescindente e rescisório, assim como as respectivas competências:

“Se a rescisória for julgada procedente, poderá acarretar: a) a desnecessidade de novo julgamento da causa principal [...];

b) a necessidade de novo julgamento da causa principal. É competente para proferir o novo julgamento a mesma turma julgadora do judicium rescindens, quer anule sentença, quer desconstitua acórdão de Câmara isolada. Excetua-se unicamente a hipótese de não ser (ao tempo da ação principal) ou já não ser (por motivo posterior) competente, em grau de recurso ou originariamente, para apreciar o jucidium

rescissorium, caso em que se limitará a rescindir o acórdão ou

a sentença e remeter os autos ao Tribunal competente para o novo julgamento.68

68 Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 514, nota de rodapé ao art. 488, n. 1.

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ADMISSÃO DA RESCISÓRIA NO PROCESSO DO TRABALHO

O texto original da CLT não fazia referência expressa à ação rescisória. A bem da verdade, a CLT repelia, ainda que não expressamente, o seu cabimento no processo do trabalho ao dispor que era vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho “conhecer de questões já decididas”.

Por muitos anos, tanto a doutrina quanto a jurisprudência hesitaram em admitir a rescisória no processo do trabalho.

Alcides de Mendonça Lima69 aponta que, antes da vigência da CLT, na fase que vigoravam o Decreto-lei 1.237 e o seu Regulamento 6.596, já apareciam as primeiras controvérsias, mesmo escassas, sobre a admissibilidade ou não da ação rescisória no processo do trabalho, citando como exemplo Araújo Castro (A Justiça do Trabalho), para quem a CLT não a repelia, mas também não a aceitava nos moldes em que dispunha o Código de Processo Civil. A idéia ganhou apoio de Cesarino Júnior que, inicialmente, admitia o cabimento da rescisória (Direito corporativo e direito do trabalho, v. 1, n. 43, p. 58-64, e Direito processual do trabalho, p. 284-289).

Luis Eulálio Bueno Vidigal,70 por sua vez, repele a rescisória em sede trabalhista argumentando que a CLT era omissa quanto aos meios de impugnação, e o art. 893 não premiava a rescisória, fazendo, na realidade, confusão entre ação e recursos.

69 Recursos trabalhistas, p. 422.

Para Wilson de Souza Campos Batalha e Cupertino Gusmão, citados por Francisco Antonio de Oliveira71, a rescisória era inadmissível em face do art. 836 da CLT que proibia que se conhecesse de questões já decididas.

Para Francisco Antonio de Oliveira, no entanto,

os argumentos de Cupertino Gusmão e Campos Batalha não tinham procedência e nem respaldo lógico. A uma porque o art. 769 da CLT remetia à subsidiariedade do processo comum. A duas porque o art. 836 da CLT foi inspirado no art. 289 do CPC/39 que dispunha que “nenhum juiz poderá decidir novamente questões já decididas relativas à mesma lide”, ressalvando os casos expressamente previstos em lei. E a exceção estava prevista no art. 798 daquele Código. E o art. 289 do CPC/39 vem repetido no art. 471 do Código Buzaid.72

Mozart Victor Russomano,73 por outro lado, sustentava que a rescisória era compatível com o processo do trabalho, esclarecendo que a aparente incompatibilidade não era de institutos, mas de textos legais. Mendonça Lima afirmava, ainda, com muita precisão, que

será, aliás, diminuir prestígio, antes de aumentá-lo, da Justiça do Trabalho, em lhe restringindo o alto privilégio que se concede à Justiça comum, em qualquer de seus ramos (cível e criminal), porque, enquanto essa última pode aperfeiçoar sua atividade, sublimando-se na correção das sentenças nulas, aquela se tornará inerte ante suas própria falhas substanciais, criando um clima de desconfiança entre aqueles que hajam sido sacrificados por uma sentença “nenhuma”.74

Délio Maranhão, por sua vez, ao analisar a admissibilidade da rescisória enquanto ocupava um assento no Pleno do Tribunal Superior do

71

Ação rescisória: enfoques trabalhistas, p. 35.

72Ibidem, p. 35.

73 CLT comentada, p. 1415, nota 18. 74 Recursos trabalhistas, p. 422.

Trabalho, teve a oportunidade de proferir voto apontando a contradição que se revelava a partir da tese da não-compatibilidade da rescisória ao processo do trabalho:

O fato da Constituição não prever a rescisória, ao cogitar dos recursos cabíveis das decisões dos tribunais do trabalho, é irrelevante. Ação rescisória não é recurso. E a própria CLT manda que se aplique, nos casos omissos, a lei comum. Também não colhe o argumento tirado do art. 836, e que importaria que os juízes da justiça comum não estão sujeitos à coisa julgada. É que, como ensina Pontes de Miranda na rescisória, há julgamento de julgamento. Seu objeto é precisamente a coisa julgada. Demais, se as decisões do Supremo podem ser rescindidas é evidente que nenhuma incompatibilidade há entre essa matéria e a ação rescisória. E seria singular que uma decisão proferida em processo trabalhista somente pudesse ser rescindida se emanada do mais alto tribunal do país” (Tribunal Pleno, Processo TST,Ação Rescisória 02/59, Rel. Min. Délio Maranhão, DO 09.09.1960, p. 515).75

De forma resumida, as correntes que negavam a aplicabilidade da rescisória ao processo do trabalho sustentavam:

(i) a sua incompatibilidade com os princípios do direito social, que exige uma pronta solução dos litígios; e

(ii) a sua incompatibilidade legal, na medida em que a CLT não autorizava o seu manejo no processo do trabalho e, sobretudo, pelo teor do art. 836, que vedava o conhecimento de questões já decididas.

A fim de ilustrar a divergência que havia, vejamos algumas decisões proferidas pelos nossos Tribunais a respeito da admissibilidade da ação rescisória no processo do trabalho:

É incabível na Justiça do Trabalho a ação rescisória. O art. 836 da Consolidação, vedando “aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos em lei”, torna impossível a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, só admissível nos casos omissos. A matéria relativa a revisão de decisões trabalhistas está taxativamente prevista na CLT, nela não compreendida a aço rescisória” (Pleno, Processo TST 1/57, Rel. Min. Thélio Monteiro, DJU 30.08.1957, p. 2235)

Ação rescisória. Inexiste na Justiça Trabalhista. Decisão da última instância é a proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho. As divergências na apreciação das teses serão resolvidas pelo órgão máximo daquela justiça, não possibilitando o recurso extraordinário para o Supremo os julgados dos Tribunais Regionais. A ação rescisória não é admitida na Consolidação das Leis do Trabalho, por isso sem nenhuma aplicação o Código de Processo Civil, como lei subsidiária (Agr. Instr. 14.937, Rel. Min. Lafayette de Andrada, DJU 26.10.1951, p. 3575).

Admitindo a ação rescisória, considerou o Tribunal Superior do Trabalho que a mesma é cabível, “porque visa corrigir erro de decisão prolatada, principalmente em caso que trata de empregado estável, que foi condenado sem que houvesse sido regularmente citado”. Recurso conhecido e provido por unanimidade, para cassar a decisão recorrida. A ação rescisória não tem cabimento na Justiça do Trabalho. Esse tem sido o entendimento jurisprudencial deste Supremo Tribunal, temperado pela admissibilidade da rescisória de seus próprios acórdãos (Pleno, Rec. Extr. Embs. 54.625, Rel. Min. Victor Nunes, Ement. Trab., n. 2, jul. 1964).

A matéria permaneceu controvertida e o próprio Supremo Tribunal Federal, na tentativa de pacificar a discussão e orientar os Tribunais, editou a Súmula 338, posicionando-se contra o cabimento da rescisória em sede trabalhista: “Não cabe ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho”.

O Tribunal Superior do Trabalho seguiu o mesmo exemplo e editou o então Prejulgado 10 declarando o não-cabimento da ação rescisória perante a Justiça do Trabalho.

Manoel Antonio Teixeira Filho entende que era até razoável que o Supremo Tribunal Federal rechaçasse a aplicabilidade da rescisória, adotando como argumento

o fato de que dita ação trazia o inconveniente de reativar conflitos subjetivos de interesses já sepultados pela autoridade da coisa julgada, provocando, com isso, grave abalo na estabilidade das relações sociais.76

Essa corrente de pensamento sustentava, como já mencionado acima, que o art. 769 da CLT não autorizava a incidência, no processo do trabalho, da ação rescisória disciplinada nos arts. 798 a 801 do Código de Processo Civil de 1939, na medida em que não havia omissão a ser sanada em face da redação do art. 836 da CLT. Não havendo omissão, não haveria que falar em aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Em que pese a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins apontam que

muitas decisões acolhiam o seu cabimento, até que o TST veio a reconhecer tal posicionamento, através do Prejulgado n. 16, de junho de 1966, resultante de brilhante acórdão do Min. Arnaldo Süssekind, que revogou o Prejulgado n. 10, ao afirmar que “É cabível ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho”.77

76 Ação rescisória no processo do trabalho, p. 40. 77 Ibidem, p. 27.

O Prejulgado 16 transformou-se, posteriormente, no Enunciado 144, ex vi da Lei 7.033/1982, definindo com as mesmas palavras: “É cabível a ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho”.

Em 28.02.1967, foi publicado o Decreto-lei 229 que reformulou a redação do art. 836 da CLT para, mantendo o princípio nele inscrito, ressalvar o cabimento da ação rescisória, assinalando “que será admitida, no prazo de dois anos, nos termos dos arts. 798 a 800 do CPC”, eliminando, definitivamente, qualquer possível resquício do entendimento anterior. Pela primeira vez, a ação rescisória passou a ser admitida, de forma pacífica e incontestável, ao processo do trabalho.

Esclareça-se que a referência aos arts. 798 a 800 do CPC é facilmente explicável, já que à época em que foi publicado o Decreto-lei 229/1967 encontrava-se em vigor o Código de Processo Civil de 1939, que tratava a ação rescisória nestes artigos. Com o advento do Código de 1973, no entanto, outra polêmica se estabeleceu.

Isso porque o Decreto-lei 229/1967, que alterou a redação do art. 836 da CLT, ao fazer referência expressa aos arts. 798 a 800 do Diploma Processual de 1939, possibilitou o entendimento de parte da doutrina e da jurisprudência de que as hipóteses de cabimento da rescisória permaneceriam as mesmas (previstas nos arts. 798 a 800), não obstante a revogação do Código de 1939 pelo Código de 1973.

O Tribunal Superior do Trabalho, por sua vez, não ajudou a dirimir a controvérsia. Ao firmar o seu entendimento, a nossa mais alta Corte Trabalhista adotou o Prejulgado 49, convertido posteriormente no Enunciado 169, definindo:

Nas ações rescisórias ajuizadas na Justiça do Trabalho e que só serão admitidas nas hipóteses dos arts. 798 a 80 do Código de Processo Civil de 1939, desnecessário o depósito a que aludem os arts. 488, II, e 494, do Código de Processo Civil de 1973.

Ocorre, entretanto, que a posição firmada, à época, pelo Tribunal Superior do Trabalho acabou por submeter a ação rescisória pela Justiça do Trabalho ao aval de três diplomas processuais: (i) o art. 836 da CLT, que admitia o seu cabimento; (ii) os arts. 798 a 800 do CPC de 1939 (não mais em vigor) que estabeleciam as hipóteses de rescindibilidade; e, ainda, (iii) os arts. 488 a 494 do CPC de 1973, que regulavam o procedimento.

Em 1984, o Tribunal Superior do Trabalho, revendo uma vez mais o seu posicionamento, substituiu o Enunciado 169 pelo entendimento consubstanciado no Enunciado 194 definindo que

As ações rescisórias ajuizadas na Justiça do Trabalho serão admitidas, instruídas e julgadas conforme os arts. 485 usque 495 do CPC de 1973, sendo, porém, desnecessário o depósito a que aludem os arts. 488, II, e 494, do mesmo Código.

Objetivando, por fim, eliminar quaisquer outras discussões sobre o tema, em agosto de 1985 entrou em vigor a Lei 7.351 impondo uma nova redação ao art. 836 da CLT – que vigora até o momento – e que estatui:

É vedado aos órgãos da Justiça do Tr abalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente

previstos neste Título e a ação rescisória, que será admitida na forma do disposto no Capítulo IV do Título IX da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, dispensado o depósito referido nos arts. 488, II, e 494 daquele diploma legal (g.n.).

Por fim, em que pese o vacilante e, por vezes, contraditório posicionamento dos nossos doutrinadores e dos Tribunais acerca da admissibilidade da ação rescisória em sede trabalhista, compartilhamos o entendimento exposto por Manoel Antonio Teixeira Filho, para quem a questão do cabimento, ou não, da rescisória não se limita à interpretação dos textos legais, mas, sim, à necessidade da sua aplicação ao processo do trabalho, como instrumento de pacificação social na busca da justa composição dos conflitos.

Assim se manifestou o festejado autor:

Sem embargo, o argumento de que a rescisória, ao reacender conflitos de interesses já cobertos pela pátina da coisa julgada, traria o grave inconveniente de instabilizar as relações sociais, peca, à evidência, pelo excesso, pela perda do senso das proporções. Esse argumento teria alguma razoabilidade se o uso da rescisória viesse a ser de tal maneira intenso que pudesse, efetivamente, molestar a estabilidade social. A prática está a demonstrar, no entanto, que o manejo dessa ação tem sido moderado, até mesmo escasso, motivo por que fica sem apoio na realidade do cotidiano judiciário a corrente de pensamento de que divergimos. Afinal, nosso país não é povoado por indivíduos que, façam da litigiosidade permanente a sua razão de ser e o seu ideal de vida.

Nem se ponha de parte a circunstância de que, em última análise, uma sentença eivada de textos vícios, que lhe retiram a autoridade moral, pode causar à paz social males maiores do que os eventualmente provocados pelo uso adequado da ação rescisória; esta, aliás, em situações como a cogitada, contribui de maneira significativa para a estabilidade das relações sociais ao proscrever do mundo jurídico sentenças que abriguem agressão à lei; decorram de parcialidade do julgador; estampem ofensa à coisa julgada etc. Repugnaria à consciência jurídica e ao senso de justiça que sentenças contendo tais máculas não pudessem ser desfeitas.

A admissibilidade da ação rescisória, na Justiça do Trabalho, se justifica, acima de tudo, pela necessidade imperiosa de reabilitar-se a verdade, de fazer-se prevalecer o império da lei e, em sentido mais amplo, de preservar-se o prestígio do ordenamento jurídico, ainda que, para isso, tenham de ser ressuscitados antigos conflitos subjetivos de interesses. Nem mesmo os singulares princípios que informam o direito processual do trabalho podem sobrepor-se, e.g., à necessidade de rescindir-se determinada sentença proferida em violação à norma legal ou à coisa julgada (garantias constitucionais); emitida por juiz impedido ou por juízo absolutamente incompetente; oriunda de prevaricação, concussão ou corrupção do julgador e o mais. A res iudicata não pode ser convertida numa espécie de refúgio inexpugnável de atos capazes de provocar sérios abalos em nossas estruturas normativas, ou na própria respeitabilidade das decisões judiciais. Como ponderou Pimenta Bueno, com extraordinária sensibilidade: “É sem dúvida de mister consagrar a autoridade da coisa julgada, mas não é menos essencial consagrar o império da verdade e da justiça, quando se patenteia tal que não se pode dele duvidar. Nas ciências morais poucas vezes é permitido levar as disposições humanas ao absoluto, sem que se cometam algumas e graves injustiças: convém evitá-las”.

Se o acolhimento da rescisória, pelo processo do trabalho, não deve ser saudado com júbilo, com euforia extrema, há de ser, quando menos, serenamente reconhecido como uma providência destinada a prover esse processo de um instituto apto a fazer com que certos valores humanos, jurídicos e institucionais não venham a ser tripudiados pela autoridade, ocasionalmente perversa, da coisa julgada material. Ainda a