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P ONTIFÍCIAU NIVERSIDADEC ATÓLICA S ÃO P AULO- 2006

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ESCISÓRIA

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RABALHO

MESTRADO EM DIREITO DO TRABALHO

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

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ESCISÓRIA

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NFOQUES NO

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ROCESSO DO

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RABALHO

Dissertação apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito (Direito do Trabalho), sob orientação do Professor doutor Pedro Paulo Teixeira Manus.

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA

(3)

BANCA EXAMINADORA

_____________________________

__________________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço o meu orientador Pedro Paulo Teixeira Manus e a professora Carla Teresa Martins Romar por servirem de referência para mim. À Thais pela infinita paciência, compreensão e auxílio. Ao meu pai que, lá de cima, continua cuidando de nós e à minha mãe e irmão que permanecem ao meu lado.

(5)

RESUMO

Quando um pronunciamento judicial não é mais passível de impugnação pela via recursal, diz-se que transitou em julgado, passando a contar com a garantia constitucional prevista no art. 5º, XXXXVI. No entanto, tal como qualquer obra humana, uma decisão judicial também é passível de conter erros que não podem permanecer cobertos pela proteção assegurada à coisa julgada, de forma que para disponibilizar aos jurisdicionados um mecanismo eficaz de controle contra certos vícios, o nosso sistema jurídico concebeu a ação rescisória.

Com o objetivo, no entanto, de harmonizar e pacificar as relações sociais, conferindo uma dose de certeza e imutabilidade às decisões judiciais, o legislador limitou as hipóteses que autorizam o ajuizamento da ação rescisória, sob pena de perpetuar a insegurança jurídica.

O objeto do presente trabalho é exatamente o estudo da ação rescisória, prevista no art. 485 e seguintes do Código de Processo Civil, sob o olhar específico do processo do trabalho.

(6)

SUMÁRIO

1–INTRODUÇÃO ... 05

2– DADOS HISTÓRICOS E LEGISLATIVOS DA EVOLUÇÃO DA AÇÃO RESCISÓRIA NO DIREITO BRASILEIRO ... 06

2.1 DIREITO REINÍCOLA PORTUGUÊS... 07

2.1.1 Ordenações Afonsinas ... 08

2.1.2 Ordenações Manuelinas ... 09

2.1.3 Ordenações Filipinas ... 10

2.2AEVOLUÇÃO LEGISLATIVA NACIONAL ... 11

2.2.1 O Regulamento 737, de 25.11.1850 ...12

2.2.2 A legislação de 1850 – Decreto 763 ...13

2.2.3 A legislação que antecedeu o Código de Processo Civil de 1939 ... 14

2.2.4 O Código de Processo Civil de 1939 ... 15

2.2.4 O Código de 1973 ... 16

3–CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA, FUNÇÃO E NATUREZA JURÍDICA –JUÍZOS RESCINDENTE E RESCISÓRIO ... 18

3.1 Conceito ...19

3.2 Conceito de rescindibilidade ... 20

3.3 Função da ação rescisória ... 21

3.4 Natureza jurídica ... 22

(7)

4–ADMISSÃO DA RESCISÓRIA NO PROCESSO DO TRABALHO ... 24

5 LEGITIMIDADE PARA FIGURAR NOS PÓLOS ATIVO E PASSIVO DA AÇÃO RESCISÓRIA ... 25

5.1 Parte ou sucessor ... 26

5.2 Terceiro interessado ... 27

5.3 Ministério Público ... 28

5.4 O sindicato na qualidade de substituto processual – legitimidade ativa e passiva ... 29

5.5 A qualidade dos substituídos que intervirem na rescisória em que for parte o sindicato ... 30

6–PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS ... 31

6.1 SENTENÇA DE MÉRITO ... 32

6.1.2 Possibilidade de rescisória contra decisão proferida em embargos à execução ... 33

6.1.3 Possibilidade de rescisória contra decisão proferida embargos de terceiro ... 34

6.1.4.Possibilidade de rescisória contra decisão proferida em embargos de declaração ... 35

6.1.4 Possibilidade de rescisória contra decisão proferida em agravo de petição ... 36

6.1.5 Possibilidade de rescisória contra decisão proferida em agravo de instrumento ... 37

6.1.6 Possibilidade de rescisória contra decisão proferida em mandado de segurança ... 38

(8)

6.1.8 Possibilidade de rescisória contra despacho monocrático que denega

seguimento a recurso no Tribunal Superior do Trabalho ... 40

6.1.9 Possibilidade de rescisória contra decisão e despacho que não admite rescisória em razão da decadência ... 41

6.1.10 Possibilidade de rescisória contra decisão proferida em ação cautelar ... 42

6.2TRÂNSITO EM JULGADO ... 43

6.2.1Momento em que ocorre o trânsito em julgado ... 44

6.2.1.1 Hipótese de interposição de recurso parcial ... 45

6.2.2 Prazo prescricional ou decadencial ... 46

7–HIPÓTESES DE CABIMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA ... 48

7.1 Prevaricação, concussão e corrupção ... 49

7.2 Impedimento e incompetência absoluta ... 50

7.2.1 A participação de juiz impedido em julgamento colegiado ... 51

7.2.2 Sobre a incompetência absoluta ... 52

7.3 Dolo ou colusão das partes... 53

7.3.1 Dolo da parte vencedora ... 54

7.3.2 Colusão entre as partes com o objetivo de fraudar a lei ... 55

7.4 Ofensa à coisa julgada ... 56

7.4.1 A prova da existência da coisa julgada ... 57

7.4.2 Decisão contrária à coisa julgada após o decurso do prazo para propositura da ação rescisória ... 58

7.5 Violação de literal disposição de lei ... 59

7.5.1 Significado e alcance do vocábulo “literal” ... 60

7.5.2 Hipóteses de violação a literal disposição de lei e a Súmula 343 do Supremo Tribunal Federal ...61

7.5.3 Necessidade de prequestionamento ... 62

(9)

7.7 Existência de documento novo ... 64

7.7.1 Documento novo como meio de prova de fato alegado ... 65

7.8 Invalidação de confissão, desistência ou transação ... 66

7.8.1 Confissão ...67

7.8.2 Desistência ... 68

7.8.3 Transação ... 69

7.9 Erro de fato ... 70

8–AÇÃO RESCISÓRIA E A EXECUÇÃO DA DECISÃO RESCINDENDA ... 71

9 REFLEXOS DECORRENTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL 45 NA AÇÃO RESCISÓRIA ... 72

CONCLUSÃO ... 73

(10)

1

INTRODUÇÃO

Por um longo período da nossa história republicana, a chamada ação rescisória, prevista nos diplomas processuais civis, não foi admitida no processo do trabalho. Os doutrinadores argumentavam que a CLT continha disposição que não se harmonizava com o instituto da rescisória, circunstância que inviabilizava a sua aplicação no direito processual do trabalho. Era o art. 836 que vedava “aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas [...]”

O legislador trabalhista inspirou-se no art. 289 do Código de Processo Civil de 1939, que possuía redação semelhante, e que determinava que “nenhum juiz poderá decidir novamente questões já decididas relativas à mesma lide.” O próprio Diploma Processual de 1939, no entanto, previa o cabimento da ação rescisória, sem que com isso se visualizasse contradição alguma entre os dispositivos legais.

A resistência dos Tribunais em admitir o manejo da rescisória em sede trabalhista chegou a ponto de o Supremo Tribunal Federal editar Súmula rechaçando a utilização deste tipo de ação.

(11)

A partir daí a evolução histórica e legislativa se encarregou de, naturalmente, trazer a ação rescisória ao lugar em que se encontra atualmente.

Muito mais do que um relato histórico, a intenção deste trabalho é fazer um estudo da ação rescisória sob a ótica do processo do trabalho. Não deixamos de analisar o instituto à luz do direito processual civil, mesmo porque se trata de um tipo de ação disciplinada pelo Código de Processo Civil, mas procuramos voltar a nossa atenção para algumas peculiaridades do processo do trabalho.

Para tanto, analisamos, apenas como exemplo, não só a disputa doutrinária e jurisprudencial que se arrastou por anos no tocante à admissibilidade, ou não, da rescisória no campo trabalhista, mas também a posição do sindicato na qualidade de substituto processual, frente a uma ação rescisória, a possibilidade de desconstituir uma sentença normativa ou um acórdão proferido em sede de agravo de petição, questões próprias do processo do trabalho.

A técnica utilizada foi a pesquisa bibliográfica. Procuramos ampliar ao máximo a pesquisa, expondo o pensamento de vários autores sobre o tema, organizando as opiniões de forma clara e lógica, e não nos limitando a análises meramente doutrinárias, mas enriquecendo-as com decisões proferidas pelos nossos Tribunais, com o objetivo de resultar em um texto coeso e completo.

(12)

distante, a rêquete civile do direito francês, optamos por focar o nosso estudo no ordenamento nacional.

O trabalho foi dividido em dez capítulos, mais a conclusão.

Iniciamos o trabalho oferecendo dados históricos e relatando a evolução legislativa da ação rescisória no direito brasileiro, estudo este que se revelou extremamente útil para entendermos a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que cercou, por muitos anos, a sua admissibilidade no processo do trabalho.

No capítulo seguinte, estudamos e relembramos conceitos básicos para melhor compreendermos a matéria, tais como a definição de ação rescisória, a sua natureza jurídica, o conceito de rescindibilidade e os juízos rescindente e rescisório.

Assimilados esses conceitos, abordamos no quarto capítulo a controvérsia que se perdurou por muitos anos quanto à possibilidade de manobrar a ação rescisória perante a Justiça do Trabalho, ilustrando com decisões proferidas, à época, por nossos Tribunais.

A questão da legitimidade para figurar como autor ou réu em uma ação coletiva foi amplamente debatida no capítulo cinco, inclusive quanto à posição do sindicato na hipótese de substituição processual e a atuação do Ministério Público do Trabalho, foi abordada no capítulo seguinte.

(13)

discorremos sobre o cabimento da ação rescisória contra vários tipos de decisões jurisdicionais, merecendo atenção a possibilidade de desconstituir uma sentença normativa e uma decisão proferida em sede de agravo de instrumento.

O capítulo sete foi ocupado com a análise de cada uma das hipóteses de ajuizamento da ação rescisória, relacionadas no art. 485, do Código de Processo Civil.

O capítulo seguinte trata da execução da decisão rescindenda e os meios processuais disponíveis para inviabilizá-la.

E, finalmente, no último capítulo enfrentamos a questão da competência material da Justiça do Trabalho, face às modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, em especial diante de um dilema: a Justiça do Trabalho, assumindo novas competências, poderia apreciar uma ação rescisória que objetive desconstituir uma decisão prolatada pela Justiça Comum, baseada em uma relação de trabalho?

(14)

2

DADOS HISTÓRICOS E LEGISLATIVOS DA EVOLUÇÃO DA AÇÃO RESCISÓRIA

NO DIREITO BRASILEIRO

A origem da ação rescisória encontra-se na querela nullitatis e nas restitutio in integrum do direito canônico.

De acordo com os ensinamentos de Luis Eulálio Bueno Vidigal, citado por Wilson de Souza Campos Batalha1, para o direito canônico, a sentença transita em julgado quando se tenha tornado inapelável, sendo que contra essa sentença (transitada em julgado) dois remédios eram admissíveis: a querela nullitatis e a restitutio in integrum.

A querela nullitatis constituía uma mera ação declaratória de nulidade do julgado por (i) incompetência absoluta do juízo; (ii) ilegitimidade de parte; (iii) falta de mandato por parte do procurador do vencido; (iv) ausência de citação regular; (v) falta de motivação da sentença; e (vi) falta da sua subscrição e indicação do lugar e data em que foi proferida. Era admissível contra sentenças nulas ou anuláveis.

A restitutio integrum, por sua vez, era a ação que objetivava uma sentença constitutiva, admissível quando (i) a decisão se baseara em documento falso; (ii) se, depois de julgada a causa, se descobrissem documentos novos que provassem fatos que levariam o juiz a proferir decisão diferente da contida na sentença impugnada; (iii) a sentença fosse resultado de dolo; ou (iv) proferida contra disposição de lei.

1

(15)

2.1 Direito reinícola português

2.1.1 Ordenações Afonsinas

Para Pontes de Miranda,

seguir o desenvolvimento legislativo do direito português, desde o direito do século XIII e as Ordenações Afonsinas no século XV (1446), que consolidaram leis de séculos passados, até as Ordenações Filipinas, no alvorar do século XVII equivale a nos prepararmos para os problemas mais delicados do instituto processual da rescisão de sentenças.2

Coqueijo Costa3 e Sydney Sanches4 apontam que no início do século XIII havia a possibilidade de se reabrirem as causas na hipótese de erro, desde que autorizado pelo Rei, prática que Afonso II procurou anatematizar. Posteriormente, a Lei de D. Diniz, de 1302, passou a permitir que o interessado pedisse diretamente a revogação da sentença, a fim de eliminar erro.

Assim foi que as Ordenações Afonsinas, absorvendo as lições extraídas do direito romano, distinguiam as sentenças em “nenhuma” e em “alguma”, ou seja, em decisões inexistentes e existentes, alcançadas ou não pela nulidade. Manoel Antonio Teixeira Filho pondera que, ainda que “os vocábulos ‘nula’ e ‘nenhuma’ tivessem perdido o sentido de inexistente, a ambigüidade persistiu em virtude da própria diversidade das fontes: nula, como sendo de invalidade, e rescindível”.5

2

Tratado da ação rescisória, p. 95.

3

Ação rescisória, p. 12 e ss. 4

Ação rescisória por erro de fato, p. 67. 5

(16)

Segundo o texto das Ordenações Afonsinas, que vigoraram de 1446 a 1514, eram pressupostos da ação rescisória: (i) a falsa prova, não importando se a falsidade foi alegada, ou não, no processo em que foi prolatada a decisão rescindenda, “salvo se os condenados em ellas aleguarem e affirmarem, que foram dadas per falsas provas, a saber, testemunhas falsas e Escripturas, declarando, e especificando logo a espécie da falsidade, segundo mais compridamente he contheudo nas Ordenaçõens sobre ello feitas”; (ii) decisão proferida mediante o suborno dos juízes; (iii) a ausência de citação regular da parte; (iv) contrária à decisão já proferida; (v) falso acinte contra pessoa ausente; e (vi) a violação de direito expresso.

Manoel Antonio Teixeira Filho6 acrescenta, ainda, que, não obstante certa imprecisão do texto legal, em circunstâncias especiais, o rei poderia examinar o feito em sua integralidade, ou determinar que outrem o fizesse, e, se se convencesse da existência de erro, providenciar a respectiva correção.

2.1.2 Ordenações Manuelinas

As Ordenações Manuelinas sobrevieram as Afonsinas, vigoraram até o ano de 1603 e não produziram modificações substanciais no tocante à ação rescisória. Adotaram das Ordenações anteriores a distinção entre sentença “nenhuma” e sentença “alguma”, e a primeira não produzia a força da coisa julgada. Ademais, apenas o vocábulo “revogação” desapareceu, ponderando Pontes de Miranda que talvez

tenha sido para se frisar que o fato não era de retirada da vox, que se tem na sentença, mas de rescisão (rescisio). A terminologia de hoje justifica essa interpretação do que se

6

(17)

passou: em vez dos conceitos de declaração de inexistência, de decretação de nulidade, ou de revogação – o mais próprio, por traduzir melhor o que acontece, que é o de rescisão. Quem rescinde, corta, cinde, o que existe e vale e não poderia ser revogado7.8

2.1.3 Ordenações Filipinas

A partir do ano de 1603, as Ordenações Manuelinas deram lugar ao Código Filipino, cuja Ordenação do Livro III, Tít. LXXV, aludia à: “A sentença, que é por Direito nenhuma, nunca em tempo alguma passa em julgado, mas em todo o tempo se pode opor contra ela, que é nenhuma e de nenhum efeito, e, portanto, não é necessário ser dela apelado”,9 como seria a proferida sem citação da parte, ou contra outra sentença anterior, conforme prosseguia a redação do texto legal:

E é por Direito a sentença nenhuma, quando é dada, sem a parte primeiro ser citada, ou é contra outra sentença já dada, ou foi dada por peita, ou preço, que o juiz houve, ou por falsa prova, ou se eram muitos os juízes delegados, e alguns deram sentença sem os outros, ou se foi dada por juiz incompetente em par e ou em todo, ou quando foi dada contra Direito expresso, assim, se o juiz julgasse diretamente que o menor de 14 anos poderia fazer testamento, ou podia ser testemunha, ou outra coisa semelhante, que seja contra nossas Ordenações, ou contra direito expresso.

José Carlos Barbosa Moreira, no entanto, assevera que tanto a doutrina quanto a prática judiciária firmaram a tese de que mesmo nas

7 Pondera-se que revogar é retirar a voz, e rescindir, cortar, cindir, não possuem o mesmo

significado, na medida em que a revogação depende da revogabilidade da decisão, ao contrário da rescisão que não depende; o revogável não precisa ser rescindido, mas apenas revogado. Tanto a rescisão quanto a revogação exigem que a sentença ou o ato exista e seja válido. A ação rescisória é para se rescindir e não revogar ou reformar a sentença e, tampouco, para se declarar a inexistência da decisão atacada. A ação rescisória consiste, precisamente, em ação contra o julgamento que já tem eficácia de coisa julgada forma.

8

Tratado da ação rescisória, p. 102. 9 Francisco Antonio de Oliveira,

(18)

hipóteses acima retratadas a sentença conservava a auctoritas rei iudicatae enquanto não anulada.10

2.2 A evolução legislativa nacional

2.2.1 O Regulamento 737, de 25.11.1850

No ano de 1850, entraram em vigor um Código Comercial e um Código de Processo Comercial, conhecido por Regulamento 737. A contar da entrada em vigor deste novo diploma legal, as causas comerciais passaram a ser regidas pelas disposições presentes neste novo Código, ao passo que as relações civis permaneceram disciplinadas pelas Ordenações Filipinas. Mais tarde, noticia Manoel Antonio Teixeira Filho, já sob o regime republicano, o Governo Provisório determinou, por meio do Decreto 763, a aplicação do mencionado regulamento às causa de natureza civil, eliminando essa dualidade de processos.11

O Regulamento 737 incorporou a expressão “direito expresso” adotada pelo direito anterior, embora não tenha efetuado nenhuma referência à coisa julgada, como seria desejável, na medida em que representaria um avanço legislativo acerca da matéria. O art. 680 ocupou-se em definir os elementos caracterizadores de uma sentença “nula”, e o artigo seguinte indicou os meios processuais disponíveis para se conseguir a “anulação” da decisão, quais sejam: (i) apelação; (ii) revista; (iii) embargos à execução; e (iv) ação rescisória. “Não se tratava, pois, a rigor, de nulidade pleno iure, mas

10

Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 101. 11

(19)

de anulabilidade. Ou, pelo menos, se confundiam os conceitos”, afirmou Sydney Sanches.12

O texto legal é severamente criticado por Pontes de Miranda que o considera “defeituoso, mal concebido, fácil, por superficial, e eivado de graves fugidas às mais sérias dificuldades científicas”.13 Manoel Antonio Teixeira Filho, entretanto, não compartilha de tão rigorosas críticas de Pontes de Miranda ponderando que, considerando a época em que a norma for produzida,

não se pode deixar de atribuir-lhe o mérito de haver representado um expressivo avanço do direito processual em virtude de sua preocupação em simplificar os atos procedimentais e de reduzir certos prazos. [...] além disso, a linguagem desse Regulamento atendia às exigências científicas daquele momento e não fica gravemente comprometida diante das exigências atuais.14

2.2.2 A legislação de 1890 – Decreto 763

O Decreto 763, de 1890, determinou a aplicação do Regulamento 737 ao processo civil, restabelecendo a antiga unidade processual. Francisco Antonio de Oliveira registra que duas correntes se formaram: a primeira delas sustentando que a ação rescisória permaneceu a ser regida pelas Ordenações Filipinas, combinadas com o Regulamento 737 e, a segunda, argumentando que o Decreto 763 revogou, nesses aspectos, as mencionadas Ordenações reinícolas.15

12 Ibidem, p. 16.

13

Tratado da ação rescisória, p. 107. 14

Ação rescisória no processo do trabalho, p. 30-31. 15

(20)

Pontes de Miranda assinala que essa última posição foi adotada pela antiga Corte de Apelação do Distrito Federal, representando “a verdadeira interpretação dos textos constitucionais em matéria legislativa no Estado Federal”, e conclui afirmando com a precisão que lhe é peculiar, que

o intervalo de pluralidade de legislações de direito processual (1890-1934) foi perturbador da linha histórica, sempre no sentido da unidade do direito processual, desde todo começo, em Portugal e no Brasil. A ação rescisória teve, aqui e ali, as suas alterações, que todavia não a deturparam.16

2.2.3 A legislação que antecedeu o Código de Processo Civil de 1939

Manoel Antonio Teixeira Filho17 afirma que o direito português, desde o século XII, passou a apresentar uma preocupação crescente de prestigiar e fortalecer as sentenças, razão pela qual a ação de nulidade, aos poucos, foi sendo restringida.

O autor noticia, por exemplo, que uma Lei de 1843 limitou o raio de incidência da ação de nulidade, definindo que esta seria cabível nas seguintes hipóteses: (i) se houvesse proferido o julgamento com base em um ou mais documentos, posteriormente declarados falsos, e cuja falsidade não tivesse não tivesse sido pronunciada na causa em que foi emitida a sentença rescindenda; (ii) se sobreviessem um ou mais documentos novos que contrariassem a prova em que se fundamentou a decisão rescindenda; (iii) se o réu, condenado à revelia, provasse a falta ou nulidade da citação, tratando-se daquelas sentenças que eram executadas sem prévia citação do executado; e (iv) se o executado provasse falta ou nulidade de citação para a execução.

16

Tratado da ação rescisória, p. 108. 17

(21)

Na medida em que eram restritas as hipóteses de cabimento da rescisória, conclui-se, por outro lado, que a legislação portuguesa não a admitia para discutir (i) nulidades processuais; (ii) ofensa à literal disposição de lei; (iii) incompetência do Juízo; e (iv) ofensa à coisa julgada.

Contrariamente ao que ocorreu em Portugal, no Brasil, não se desenvolveu o espírito de proteção e prestígio da coisa julgada. Tanto é verdade que na fase de discussão do anteprojeto de Código Civil Rui Barbosa ofereceu emenda ao Senado, sugerindo o prazo de cinco anos para a propositura da ação rescisória que, após receber parecer favorável, acabou se convertendo no inciso III, § 10, do art. 178 do CC/1916.18

A ação rescisória possuía traços meramente declaratórios, sendo que à época a nulidade da sentença correspondia à sua inexistência. O efeito prático dessa particularidade residia no fato de que a parte vencida poderia negar-se a cumpri-la, já que inexistente. O autor, por sua vez, poderia ajuizar a mesma ação uma segunda vez.

Pinto Ferreira, citado por Francisco Antonio de Oliveira19, destaca que, com o advento da Constituição de 1891, atribui-se competência aos Estados-membros para legislar sobre a matéria processual civil, referindo-se alguns Códigos à ação rescisória de forma imperfeita e vacilante. A unificação constitucional do processo civil veio a ocorrer somente com a promulgação da Constituição de 1934.

18 Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 1973, esse prazo foi reduzido para dois

anos.

19

(22)

2.2.4. O Código de Processo Civil de 1939

A Constituição de 1934 entregou à União a competência exclusiva para legislar, estabelecendo que, logo após a sua promulgação, o Governo Federal deveria nomear uma comissão de juristas que se encarregaria de redigir aquele que seria o primeiro Código de Processo Civil, genuinamente brasileiro, de aplicação em todo o território nacional.

A Constituição de 1934 foi revogada pela Carta de 1937 que, manteve a unidade processual. Assim, em 1939, foi publicado o Código de Processo Civil (Decreto-lei 1.608, de 18.09.1939), que dedicou à ação rescisória os arts. 798 a 801, inseridos no Título III do Livro VI, denominado “Dos processos da competência originária dos tribunais”.

As hipóteses de cabimento da ação rescisória contempladas no Código de 1939 eram: (i) sentença proferida por juiz peitado, impedido ou incompetente em razão da matéria; (ii) ofensa à coisa julgada; (iii) contra literal disposição de lei; e (iv) prova em que se baseou a sentença declarada falsa em juízo criminal ou na própria ação rescisória. Admitia, ainda, expressamente, a possibilidade de rescisória de outra rescisória nas mesmas hipóteses acima mencionadas.

(23)

2.2.4 O Código de 1973

Substituindo o Código de 1939, em janeiro de 1974, entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, que inseriu a ação rescisória no Capítulo IV, Título IX, denominado “Do Processo nos Tribunais”, sendo regulada pelos arts. 485 a 495.

A leitura dos diversos incisos do art. 485 revela, desde logo, a ampliação dos casos de rescindibilidade no sistema do atual Código, em confronto com o que se dispunha no art. 798 do diploma de 1939. José Carlos Barbosa Moreira destaca como

primeiro traço que chama a atenção, na reforma processual de 1973, consiste pois em haver ela facilitado a rescisão das sentenças. Tal orientação denotava talvez no anteprojeto Buzaid o intuito de contrabalançar, de um lado, a forte tendência a prestigiar – a nosso ver, como exagero – a chamada “verdade forma”, através da consagração de numerosas presunções e nomeadamente do rigoroso tratamento dispensado ao revel; de outro lado, a redução do número de recursos: com efeito, haviam-se eliminado não só a revista, mas também os embargos a acórdãos. É possível que se tenha achado conveniente, por tudo isso, permitir em termos mais amplos a revisão das decisões passadas em julgado. Manteve -se no projeto a diretriz, apesar de reincluídos os embargos infringentes no elenco dos recursos.

Por outro lado, com muita propriedade, o mesmo autor assinala que

(24)

um ano. O Congresso elevou-o para dois anos, como se lê no art. 495.20

José Carlos Barbosa Moreira destaca ainda como inovações relevantes não presentes no Código de 1939: (i) a limitação da admissibilidade da ação àquelas que objetivem desconstituir unicamente as sentenças que apreciam o mérito da ação; (ii) a disciplina expressa da legitimação ativa para a rescisória; (iii) o condicionamento da propositura ao depósito de 5% do valor da causa, a título de multa, para a hipótese de ser declarado, por unanimidade, improcedente o pedido ou inadmissível a ação; assim como (iv) “a previsão também expressis verbis, da cumulação dos dois iudicia (rescindens e rescissorium), ponto a cujo respeito, no silenciar da lei anterior, muito se discutia em sede doutrinária e jurisprudencial”.21

Manoel Antonio Teixeira Filho22 mencionou os pontos de maior destaque no Diploma Processual de 1939:

(i) somente a decisão de mérito é passível de ser rescindida;

(ii) a sentença poderá ser rescindida quando: (a) for dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz; (b) for proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; (c) resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou colusão entre as partes a fim de fraudar a lei; (d) ofender a coisa julgada; (e) violar a coisa julgada; (f) violar literal disposição de lei; (g) basear-se em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; (h) depois da sentença, ou autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde

20 Ibidem, p. 103. 21

Comentários ao Código de Processo Civil, v. 5, p. 104. 22

(25)

fazer uso; (i) houver fundamento para invalidar confissão desistência ou transação, em que se baseou a sentença; (j) fundada em erro de fato23 decorrente de atos ou de documentos da causa.

(iii) atos judiciais que não dependem de prova de sentença, ou que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos como os atos jurídicos em geral;

(iv) a legitimidade para propor a ação rescisória foi entregue a (i) quem foi parte no processo ou seu sucessor; (ii) o terceiro interessado; (iii) o Ministério Público, se não ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção, ou quando a sentença decorrer de colusão das partes, com o fim de fraudar a lei;

(v) a petição inicial deve atender aos requisitos previstos no art. 282 do CPC, sob pena de indeferimento, devendo o autor: (a) cumular o pedido de rescisão e, se for o caso, o de novo julgamento; (b) depositar a quantia equivalente a 5% do valor da causa, a título de multa, na hipótese de a ação, por unanimidade, ser declarada inadmissível ou improcedente; (vi) a rescisória não suspende o curso da execução baseada na

decisão que se pretende rescindir;

(vii) o relator determinará a citação do réu, conferindo-lhe prazo não inferior a 15 dias e não superior a 30 dias para, querendo, apresentar defesa;

(viii) na hipótese de os fatos alegados dependerem de prova, o relator delegará a competência para o juiz de direito da comarca onde a mesma deverá ser produzida;

23 O próprio Código esclarece que ocorrerá erro de fato quando a decisão rescidenda admitir um

(26)

(ix) encerrada a instrução processual, os autos retornarão ao tribunal abrindo-se prazo para razões finais e designando-se data para julgamento;

(x) sendo procedente a ação, o tribunal rescindirá a decisão e proferirá, se for o caso, nova decisão; e, por fim,

(xi) o Código fixa em dois anos o prazo decadencial para a distribuição da ação, a contar do trânsito em julgado da decisão.

O Código de 1973, por outro lado, silencia sobre questões que eram definidas pelo Código anterior, deixando, por exemplo, de definir o cabimento de ação rescisória de ação rescisória (anteriormente definida pelo art. 799 do Código de 1939), e de explicitar que a má apreciação da prova ou equivocada interpretação do contrato não viabilizam o exercício da ação rescisória.

No tocante à possibilidade de rescisória de rescisória, a supressão da regra não implica dizer que as decisões proferidas em ações rescisórias se tornaram irrescindíveis. Muito pelo contrário. José Carlos Barbosa Moreira24, em opinião compartilhada com Pontes de Miranda25 e Wilson de Souza Campos Batalha26, assevera que a partir da nova sistemática se infere que as decisões proferidas em ações rescisórias agora podem ser rescindidas em qualquer dos casos previstos no art. 485 do Diploma Processual.

Pondera, no entanto, o autor ao afirmar que o que não se admite é a “mera reiteração”, ou seja, o “fundamento da segunda rescisória ter

24 Ibidem, p. 114 25

(27)

de referir-se à decisão sobre a primeira, e não à anterior impugnada por meio desta”.27 Em outras palavras, só se admite a rescisória por fundamentos diversos daqueles que serviram de base à primeira rescisória, e a rescisória subseqüente terá por objeto a decisão proferida na rescisória anterior, conforme se extrai da jurisprudência dos nossos Tribunais:

Ação rescisória de ação rescisória – Objeção de coisa julgada – Causa de pedir – Identidade.

Ação rescisória ajuizada contra acórdão que mantém a improcedência de pedido formulado em anterior. Ação rescisória. Alegação de ofensa aos mesmos dispositivos legais outrora apontados como violados. O ajuizamento da segunda ação rescisória pressupõe que o autor não utilize os mesmos fundamentos de rescindibilidade já delineados e rechaçados anteriormente, mas outro vício, agora atinente ao novo acórdão rescindendo: o emanado do julgamento da anterior ação rescisória. Esbarra na coisa julgada material a repetição de ação rescisória entre as mesmas partes se há identidade de causa de pedir e o pedido, conquanto formalmente dirigido a impugnar o acórdão anterior, essencialmente insiste, em derradeira análise, na desconstituição da sentença de mérito proferida no processo trabalhista principal. Incabível o manejo sucessivo de ação rescisória até a parte obter um pronunciamento judicial favorável a sua tese. Processo que se julga extinto, sem julgamento do mérito, porquanto caracterizada a coisa julgada (CPC, art. 267, inciso IV) (TST – SBDI2, AR 570.381/99.7/RS,Rel. Min. João Oreste Dalazen, j. 03.04.2001, v.u.).28

É esse, inclusive, o posicionamento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 400:

Súmula 400 – Ação rescisória de ação rescisória – Violação de lei – Indicação dos mesmos dispositivos legais apontados na rescisória primitiva (conversão da OJ 95 da SDI-II, Res. 137/2005, DJ 22.08.2005).

Em se tratando de rescisória de rescisória, o vício apontado deve nascer na decisão rescindenda, não se admitindo a

27 Wilson de Souza Campos Batalha, ibidem,p. 104. 28

(28)

rediscussão do acerto do julgamento da rescisória anterior. Assim, não se admite rescisória calcada no inciso V do art. 485 do CPC para discussão, por má aplicação dos mesmos dispositivos de lei, tidos por violados na rescisória anterior, bem como para argüição de questões inerentes à ação rescisória primitiva (ex-OJ 95, inserida em 27.09.2002 e alterada DJ 16.04.2004).

Como não poderia deixar de ser, o Superior Tribunal de Justiça decide no mesmo sentido, como podemos verificar da seguinte ementa:

Admissível, em tese, o ajuizamento de ação tendente a rescindir julgamento proferido em outra ação rescisória. Não, entretanto, a simples reiteração da demanda anterior, com o mesmo pedido e idêntica causa de pedir (STJ , 2.ª Seção, AR 337-0/RJ, Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 29.09.1993, julgaram inadmissível a rescisória, v.u., DJU 11.10.1993, p. 21276).29

29 Theotonio Negrão,

Código de Processo Civil e legislação em vigor, nota de rodapé n. 2 ao art.

(29)

3

CONCEITO DE AÇÃO RESCISÓRIA,FUNÇÃO E NATUREZA JURÍDICA –JUÍZOS

RESCINDENTE E RESCISÓRIO

3.1 Conceito

Inúmeros são os conceitos atribuídos pela doutrina à ação rescisória.

Para o saudoso Valentin Carrion, por exemplo:

ação rescisória é a que pretende a desconstituição da sentença; […] não é recurso, mas ação própria, em face da nova relação processual que se forma, diferente da anterior, já finda, com necessidade de atendimento a pressupostos e condições próprios. Visa desconstituir sentenças, de qualquer grau de jurisdição, que até esse momento produzirá efeitos, salvo casos especialíssimos de plausabilidade da procedência da rescisória, quando se permite a suspensão da execução. Aplica-se o poder geral de cautela do art. 798 do CPC.30

Chama-se rescisória, segundo José Carlos Barbosa Moreira, “a ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença trânsita em julgado, com eventual rejulgamento, a seguir, da matéria nela julgada”.31 Em redação muito semelhante, Sydney Sanches pontua que

no direito positivo brasileiro ação rescisória é a que objetiva a desconstituição de sentença de mérito, passada em julgado e, eventualmente, o novo julgamento da causa (arts. 485 e 488, inc. II, do CPC de 1973).32

30

Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, p. 624. 31 Ibidem, p. 99.

(30)

Francisco Antonio de Oliveira, por sua vez, assinala que

a ação rescisória é de natureza constitutiva-negativa e tem por finalidade a desconstituição de sentença com trânsito em julgado (coisa julgada material), pressuposto irrecusável para o seu cabimento. É medida excepcional prevista no Código.33

Em que pesem os vários conceitos, evidentemente há traços que são comuns a todos eles.

O primeiro deles é a “desconstituição de uma decisão”, haja vista que esta é, justamente, a finalidade primordial da ação rescisória. Para Manoel Antonio Teixeira Filho, portanto, incidiram em erros os autores que viram na rescisória o objetivo de declaração ou decretação de nulidade de uma sentença, na medida em que “em nosso sistema jurídico só se declara a

inexistência ou a ineficácia do ato; o eivado de nulidade deve ser desconstituído”.34

O segundo elemento comum no conceito da rescisória é a necessidade da coisa julgada, haja vista que o objeto da ação é justamente a sua desconstituição. A presença da coisa julgada, inclusive, é a característica que a distingue de todos os recursos, inserindo-a no conceito de ação.

Nada mais lógico. Recursos são interpostos em face de decisões ainda não transitadas em julgado, retardando o fenômeno da imutabilidade da coisa julgada; a rescisória, por sua vez, objetiva desconstituir, justamente, a decisão já passada em julgado e que, como tal, não mais admite interposição de recurso.

33

Ação rescisória: enfoques trabalhistas, p. 40. 34

(31)

Nessa linha, Teori Albino Zavascki pondera que a coisa julgada não é um valor constitucional absoluto, e que deve ser relativizada de forma a possibilitar a sua convivência harmônica com outros princípios da mesma hierarquia, tais como o da imparcialidade do juiz e o da boa-fé.35 Nos casos em que tais valores possam ficar comprometidos, prossegue o autor, “relativiza-se a imutabilidade das sentenças propiciando a correção da injustiça”.36

A coisa julgada, como elemento essencial no conceito da ação rescisória, está, inclusive, prevista no caput do art. 485 do CPC, ao dispor que: “A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando [...]” (g.n.).

Não obstante a imprecisão terminológica, no nosso Código é pacífico que não só a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser alvo de uma ação rescisória, mas também o acórdão prolatado por um Tribunal. A esse respeito, inclusive, o próprio Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de pacificar a relutante jurisprudência definindo que “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos” (Súmula 514). Interpretando-se em sentido contrário, admitir-se-á rescisória mesmo que esgotados todos os recursos disponíveis.

Aqui, tanto o Código de Processo quanto a súmula do Supremo Tribunal Federal se referem ao termo “sentença” de forma genérica, representando, na realidade, uma decisão que pode ser singular ou colegiada,

35 No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina,

O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização, p. 25.

(32)

mas que, necessariamente, aprecia o mérito da demanda, e que colocará fim ao processo se contra ela não for interposto recurso algum.

Previsão legal é outro requisito inserido no conceito da ação rescisória. Isso porque não se pode pretender rescindir qualquer sentença transitada em julgado. Ao revés, o Código de Processo é expresso ao discorrer sobre as hipóteses de rescindibilidade de uma decisão transitada em julgado, sendo certo que as hipóteses relacionadas no art. 485 não são meramente exemplificativas, mas sim exaustivas, não podendo o autor extrapolar os limites impostos pelo texto legal.

O objeto da ação rescisória, como já mencionamos, é sempre a desconstituição de uma decisão passada em julgado. Por vezes, no entanto, a pretensão do autor não se limita à simples desconstituição da sentença, mas, sim, que o Tribunal competente profira uma nova decisão para aquele determinado caso.

Em outras palavras, dependendo da motivação que ensejou a ação rescisória, a simples desconstituição da decisão rescindenda não é suficiente para o autor, que poderá cumular esse pedido com o de um novo julgamento.

(33)

violava a coisa julgada, restabelecendo o império e a autoridade da res iudicata, que havia sido violada pela decisão rescindenda.

É o que afirma Sydney Sanches: “Num caso, pelo menos, a cumulação dos pedidos rescindente e rescisório é desnecessária: quando se alega ter a sentença rescindenda violado a coisa julgada”.37

Em outras hipóteses, no entanto, um novo julgamento é absolutamente necessário, cabendo ao autor cumular os pedidos de desconstituição da decisão rescindenda e de uma nova decisão (CPC, art. 488, I) que será proferida pelo mesmo Tribunal. A simples desconstituição da decisão rescindenda resultará na negativa de prestação jurisdicional.

3.2 Conceito de rescindibilidade

Não obstante a redação do art. 798 do Código Processual de 1939 que adotava de forma inapropriada o adjetivo “nula” para a sentença transitada em julgado passível de ser desconstituída, o conceito de rescindibilidade não se confunde com a nulidade da sentença, tampouco com sentença inexistente.

Os vícios da sentença podem gerar conseqüências diversas, em gradação que depende da respectiva gravidade. A sentença desprovida de elemento essencial, explica José Carlos Barbosa Moreira,38 como o dispositivo, ou proferida em processo que falte pressuposto de existência, é sentença inexistente, e assim será declarada sempre que alguém a invoque,

37Ibidem, p. 67.

(34)

sem a necessidade de qualquer outra providência tendente a desconstituí-la, na medida em que não se desconstitui o que não existe.

A opinião é compartilhada por Vicente Greco Filho que afirma que na hipótese de sentença inexistente não há necessidade de propositura de ação rescisória, podendo ser afastada por qualquer juiz “independentemente da ação rescisória”. E cita como exemplos a decisão proferida por alguém não investido na função jurisdicional ou mesmo a sentença proferida em processo em que não houve citação, hipótese em que o réu, em sede de embargos do devedor, pode alegar o vício. O autor, contudo, não descarta a necessidade de propositura da ação rescisória no caso de “aparência de sentença”, para que a parte interessada obtenha a declaração formal da sua ineficácia.39

Wilson de Souza Campos Batalha cita, ainda, como exemplos de sentenças inexistentes, as que não são assinadas ou que foram prolatadas por quem não é juiz.40

A sentença, no entanto, pode existir e ser nula, por exemplo, se julgou extra petita. Em regra, após o trânsito em julgado, a nulidade converte-se em simples rescindibilidade. O defeito, argüível em converte-sede de recurso como motivo de nulidade, se rejeitado pelo órgão ad quem, não inviabiliza que a decisão, uma vez preclusa as vias recursais, transite em julgado e gere efeitos até que seja desconstituída por meio da rescisória.

Não é sem razão que Vicente Greco Filho assinala que

em nosso sistema processual, a sentença, ainda que injusta ou originária de processo nulo, vale, tendo a parte somente a

39

(35)

possibilidade de rescindi-la no prazo de dois anos, se presentes certas circunstâncias previstas em lei.41

José Carlos Barbosa Moreira42, por sua vez, com muita propriedade, lembra que não se deve supor que a sentença que contenha qualquer dos vícios que autorizem o ingresso da rescisória deixa de se revestir da autoridade da coisa julgada. Ao contrário. É pressuposto da rescisória justamente o fato de a decisão ter se revestido de tal autoridade. Complementando o raciocínio, José Frederico Marques assinala que

“a sentença transitada em julgado é válida e eficaz, ainda que contenha errores in procedendo ou errores in iudicando, e também imutável entre as partes. Assim sendo, estão os litigantes vinculados irrevogavelmente ao que ficou decidido, não mais lhes cabendo aduzir qualquer defeito do julgado, a não ser através de ação rescisória e, excepcionalmente, de embargos na execução na hipótese prevista no art. 741, n. I.43

Em outras palavras, enquanto não rescindida, apesar de defeituosa, a sentença transitada em julgado possui a força que normalmente é a ela atribuída, gerando os efeitos que normalmente produziria, como se vício algum contivesse. Tanto é que, transcorrido o prazo para o ajuizamento da rescisória, a sentença se torna imune a qualquer ataque.44

A sentença rescindível, no entanto, não deixa de ser exeqüível: o efeito executório, explica José Carlos Barbosa Moreira, “produz-se como qualquer outro, e nem sequer a propositura da ação rescisória o detém”.45

41 Ibidem, p. 380.

42 Ibidem, 106 43

Manual de direito processual civil, p. 257.

44 A única exceção consiste na possibilidade de oposição de embargos à execução, em processo

em que o réu não foi citado, ou a citação foi nula. Tratando-se de decisão condenatória, ao devedor é lícito argüir a nulidade em sede de embargos à execução, com fundamento no art. 741 do CPC. Destaca-se que nenhuma das circunstâncias arroladas no art. 485 do CPC pode ser adotada como tese de defesa em sede de embargos à execução.

(36)

3.3 Função da ação rescisória

A ação rescisória assume um papel importante, tanto para os jurisdicionados quanto para o Estado, na busca da estabilidade e harmonia nas relações sociais. “As injustiças, que possa acarretar determinado mecanismo de realização do direito, vêm a ser apenas o preço do bem-estar e da tranqüilidade gerais”, escreveu Gustav Radbruch, citado por Sydney Sanches.46

Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins explicam

que, por mais cautela que o Judiciário tome para que a decisão seja fruto de uma apreciação justa e equilibrada, não raras vezes ela poderá refletir verdadeira injustiça com a ocorrência de vícios que contaminem a decisão, por motivos vários.47

Assim, na medida em que o Estado, assumindo a responsabilidade na busca da harmonia e da estabilidade, avocando o encargo de solucionar os conflitos intersubjetivos de interesse, obriga o jurisdicionado a submeter-se à sua própria decisão na composição de um conflito privado, nada mais lógico que o próprio Estado oferecer instrumentos que objetivem corrigir seus erros, sob pena de restar diminuído o prestígio de suas decisões e a sua respeitabilidade como órgão incumbido da administração da justiça. Daí a importância da ação rescisória. Decorreu, segundo Sydney Sanches, “das exigências de justiça que a consciência humana prestigia mesmo diante da res iudicata”.48

46 Ibidem, p. 14.

47

(37)

Contrastando, por outro lado, o interesse do indivíduo de ver novamente analisada uma decisão judicial que lhe foi desfavorável, possibilitando a perpetuação da incerteza e da insegurança, com o interesse do Estado na pacificação das relações sociais, o legislador brasileiro tratou de discriminar todas as hipóteses de cabimento da ação rescisória, como forma de limitar o uso abusivo deste instrumento.

Ao apreciar a matéria, Wagner D. Giglio pontuou que:

o objetivo do direito processual, a justa composição dos litígios é assegurado pela possibilidade de revisão das decisões, mediante os recursos. A estabilidade social, abalada pela eternização das discussões, impõe uma rápida solução final, imodificável: a coisa julgada. Apenas casos excepcionais, de flagrante desrespeito ao Direito, autorizariam a reabertura dos litígios já julgados em definitivo, através da ação rescisória.

Idealmente, a regulamentação da rescisória deve, portanto, buscar um difícil equilíbrio entre as necessidades sociais de segurança (tranqüilidade, paz), coibindo protelações e propiciando fim rápido e definitivo aos desentendimentos, e de certeza (acerto do julgado) facultando a correção de injustiças e ensejando o atendimento do ideal de justiça.49

A pretensão do Estado, portanto, foi encontrar uma linha mediana que permitisse acomodar o interesse do indivíduo com o interesse estatal. Admitiu, assim, a rescisória no seu ordenamento jurídico, limitando o seu manejo, contudo, às hipóteses de ajuizamento previstas em lei.

49

(38)

3.4 A natureza jurídica

No tocante à natureza jurídica da ação rescisória – se inserida no conceito de recurso ou de ação –, Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins relembram que, conquanto no passado se tenha verificado alguma controvérsia a esse respeito, não há, atualmente, qualquer questionamento quanto à natureza de ação autônoma e de aplicação bastante restrita.50

José Frederico Marques assinala que a ação rescisória que se propuser a invalidar uma sentença transitada em julgado será de natureza constitutiva, na medida em que se destinará a anular uma decisão estatal, eficaz e com força de lei entre as partes, e não a declará-la nula.51

Para Francisco Antonio de Oliveira, “a ação rescisória é de natureza constitutiva-negativa e tem por finalidade a desconstituição de sentença com trânsito em julgado (coisa julgada material), pressuposto irrecusável para o seu cabimento”.52 E completa, ainda, o mesmo autor: “A ação rescisória tem contornos processuais próprios com natureza jurídica de ação e não de recurso”.53

Posicionou-se na mesma linha Coqueijo Costa ao afirmar que “é ação constitutiva-negativa e a sentença, por isso, também o será quando julgar procedente; quando improcedente, será meramente declaratória”.54

Vicente Greco Filho, por sua vez, pondera que

50Ibidem, p. 15.

51Ibidem, p. 257. 52

Ação rescisória: enfoques trabalhistas, p. 40. 53

Comentários aos enunciados do TST, p. 386. 54

(39)

a ação rescisória é de natureza constitutiva negativa porque modifica o mundo jurídico desfazendo a sentença transitada em julgado, podendo conter também outra eficácia quando a parte pede novo julgamento em substituição ao rescindido.55

Na mesma linha, Sydney Sanches escreveu sobre o assunto:

enquanto busca a rescisão propriamente dita, tem natureza desconstitutiva. Enquanto procura novo julgamento, tem a mesma natureza da ação em que se proferiu a sentença rescindenda: declaratória, constitutiva, condenatória ou, para alguns autores, mandamental.56

Para o saudoso Wilson de Souza Campos Batalha,

a ação rescisória é do tipo constitutivo negativo. Visa à desconstituição da sentença transitada em julgado. Não se trata de recurso, mas de ação, subordinada aos próprios requisitos de legitimidade e demais pressupostos processuais. Ou, como preferiu dizer A.A. Lopes da Costa (“Direito Processual Civil Brasileiro”, III, 1959, p. 450), “é um recurso vestido de ação”.57

A opinião é também compartilhada por Eduardo Gabriel Saad que afirma que o “nosso direito positivo não mais tolera qualquer controvérsia sobre a natureza jurídica da rescisória, se ação ou recurso. É ação”.58

Vale, por fim, citar os ensinamentos de José Carlos Barbosa Moreira que esclarece, com notável facilidade, que

o direito brasileiro, à semelhança de outros ordenamentos, conhece dois tipos de remédios utilizáveis contra decisões judiciais: os recursos e as autônomas de impugnação. Em

55 Ibidem

, p. 380.

56 Ibidem

, p. 13. 57 Ibidem, p. 616. 58

(40)

nosso sistema, o traço distintivo consiste em que, através de recursos se impugna a decisão no próprio processo em que foi proferida, ao passo que o exercício de ação autônoma de impugnação dá sempre lugar à instauração de outro processo. [...] A ação rescisória é o exemplo clássico dessa segunda espécie.59

O mesmo autor considera, ainda, que

seria hoje um anacronismo injustificável prolongar a controvérsia, que certa época lavrou a doutrina, sobre assimilação da ação rescisória à figura do recurso. Os meios de ataque às decisões judiciais ora são concebidos e regulados como recursos, ora como ações. Não há princípio algum a priori que obrigue a considerá-los todos como recursos. Os dados do ius positum é que são decisivos para a caracterização. Pode certo remédio figurar, neste ordenamento, entre os recursos, e o remédio correspondente ser tratado, naquele outro, como ação. A opção, de política legislativa, prende-se fundamentalmente a razões de conveniência, não sendo desprezível, ademais, a influência exercida, dentro de cada sistema jurídico, pelo peso da tradição.60

3.5 Juízos rescindente e rescisório

Como bem esclarece Flávio Luiz Yarshell:

no contexto específico da chamada ação rescisória, de que tratam os arts. 485 e ss do CPC, “rescindir” é, ao menos em princípio, abrangente de dois momentos, que são, ou podem ser, etapas do julgamento do mérito dessa demanda: o iudicium rescindens, em que o tribunal determina a cassação ou desconstituição do ato impugnado (se procedente o pedido), e o iudicium rescissorium, em que se opera – se necessário – o novo julgamento da matéria.61

59Ibidem, p. 99.

60 Ibidem, p. 100. 61

(41)

Se o tribunal entender pela desconstituição da sentença rescindenda, em juízo rescindente, prolatará uma sentença de procedência da ação rescisória. O juízo rescindente estabelece-se em uma relação jurídica processual que nasce fora da relação processual em que se proferiu a sentença rescindenda, e que, segundo Carmen Camino, tem como objeto o “julgamento dessa sentença”.

Procedente a rescisória (em juízo rescindente), explica a autora, a sentença que lhe fora objeto deixa de ser rescindida e passa à condição de rescindida, “abrindo-se” novamente à cognição. É o momento em que ingressamos no juízo rescisório.62

O julgamento da ação rescisória, portanto, pode conter dois momentos distintos:

Primeiro, estabelece-se o juízo rescindente no qual ocorrerá a desconstituição da coisa julgada, no caso de vir a ser julgada procedente a demanda. O que se aprecia, até esse momento, é a sentença que foi proferida no processo original, e não a lide, propriamente dita, da qual essa sentença resultou.

Ultrapassado juízo rescindente, com a desconstituição da decisão rescindenda, inicia-se, se for o caso, o juízo rescisório, no qual rediscute-se a relação processual original a fim de que uma nova decisão seja proferida. O que será julgado é a matéria que foi apreciada na decisão rescindida.

62

(42)

A desconstituição de uma sentença transitada em julgado deixa a relação jurídica inconclusa e o Estado torna-se novamente devedor da prestação jurisdicional. Daí o porquê, dependendo do fundamento em que está lastreada a ação rescisória,63 da exigência de cumular os pedidos de desconstituição da decisão rescindenda (juízo rescindente) com a prolação de uma nova decisão (juízo rescisório).

Há hipóteses, portanto, em que não se faz necessário o juízo rescisório, bastando, por si só, o juízo rescindente. Neste sentido, a procedência da ação rescisória, esclarece Francisco Antonio de Oliveira,

“deságua sempre no iudicium rescindens, nem sempre, todavia, no iudicium rescissorium. É o caso, v.g., da existência de duas sentenças com trânsito em julgado apreciando a mesma matéria. Neste caso, basta o iudicium rescindens (desconstituição) em relação ao segundo trânsito em julgado nascido sob o pálio do vício da ilegalidade.64

Coqueijo Costa contribuiu para o esclarecimento da questão afirmando que o

iudicium rescindens é o mérito da ação rescisória, em que a pretensão (admissibilidade) é meramente processual, pela desconstituição da sentença. No iudicium rescissorium, rejulga-se a causa à luz do Direito material ou processual incidente da decisão rescindenda, reparando-se o error in judicando ou in procedendo.65

63 Com propriedade Greco Filho afirma que, “com todo cabimento, ressalva a lei que a cumulação

dos pedidos será feita, ‘se for o caso’. De fato há casos em que só a desconstituição da sentença já atende plenamente ao interesse material do autor [...]; há outros em que a rescisão tem por fundamento nulidade e haveria supressão de um grau de jurisdição se se passasse diretamente ao julgamento na própria ação rescisória (ex.: a proferida por juiz impedido). Aplica-se a cumulatividade quando a causa já está toda posta na ação anterior e na rescisória, como, por exemplo, quando o fundamento é documento novo” ( Direito processual civil brasileiro, p. 388). 64

Ação rescisória: enfoques trabalhistas, p. 116 65

(43)

Outra questão que se apresenta e que merece comentários refere-se ao acolhimento da rescisória e desconstituição da decisão rescindenda. Nesse caso, a quem cabe julgar novamente a lide original: o tribunal que proferiu a decisão na ação rescisória, ou o juízo a quem é atribuída a competência originária para a ação?

Na opinião de Carmen Camino

a sentença em juízo rescisório não será de julgamento final, mas incidental, de declaração de nulidade do processo a partir do ato inquinado. O processo, então, retomará seu curso até nova sentença final que será proferida no juízo de origem, e não em juízo rescisório.66

A doutrina de forma geral, no entanto, entende que tanto

iudicium rescindens quanto o iudicium rescissorium ocorrem perante o mesmo tribunal, haja vista a redação atribuída ao art. 494 do CPC: “julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença, proferirá, se for o caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito; [...]” (g.n.).

José Carlos Barbosa Moreira, por exemplo, menciona que

após o julgamento de precedência do iudicium rescindens, que produz a invalidação da sentença, a regra é que, reaberto o litígio por esta julgado, caiba desde logo ao próprio tribunal emitir sobre ele novo pronunciamento, que de ordinário poderá favorecer ou não o autor vitorioso no iudicium rescindens.67

Na esteira do que expusemos, vale transcrever também os apontamentos de Theotonio Negrão ao art. 488 do CPC, que sintetizam com

66 Ibidem, p. 18.

(44)

clareza a questão relativa aos juízos rescindente e rescisório, assim como as respectivas competências:

“Se a rescisória for julgada procedente, poderá acarretar: a) a desnecessidade de novo julgamento da causa principal [...];

b) a necessidade de novo julgamento da causa principal. É competente para proferir o novo julgamento a mesma turma julgadora do judicium rescindens, quer anule sentença, quer desconstitua acórdão de Câmara isolada. Excetua-se unicamente a hipótese de não ser (ao tempo da ação principal) ou já não ser (por motivo posterior) competente, em grau de recurso ou originariamente, para apreciar o jucidium rescissorium, caso em que se limitará a rescindir o acórdão ou a sentença e remeter os autos ao Tribunal competente para o novo julgamento.68

68

Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, p. 514, nota de rodapé ao art. 488,

(45)

4

ADMISSÃO DA RESCISÓRIA NO PROCESSO DO TRABALHO

O texto original da CLT não fazia referência expressa à ação rescisória. A bem da verdade, a CLT repelia, ainda que não expressamente, o seu cabimento no processo do trabalho ao dispor que era vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho “conhecer de questões já decididas”.

Por muitos anos, tanto a doutrina quanto a jurisprudência hesitaram em admitir a rescisória no processo do trabalho.

Alcides de Mendonça Lima69 aponta que, antes da vigência da CLT, na fase que vigoravam o Decreto-lei 1.237 e o seu Regulamento 6.596, já apareciam as primeiras controvérsias, mesmo escassas, sobre a admissibilidade ou não da ação rescisória no processo do trabalho, citando como exemplo Araújo Castro (A Justiça do Trabalho), para quem a CLT não a repelia, mas também não a aceitava nos moldes em que dispunha o Código de Processo Civil. A idéia ganhou apoio de Cesarino Júnior que, inicialmente, admitia o cabimento da rescisória (Direito corporativo e direito do trabalho, v. 1, n. 43, p. 58-64, e Direito processual do trabalho, p. 284-289).

Luis Eulálio Bueno Vidigal,70 por sua vez, repele a rescisória em sede trabalhista argumentando que a CLT era omissa quanto aos meios de impugnação, e o art. 893 não premiava a rescisória, fazendo, na realidade, confusão entre ação e recursos.

69

Recursos trabalhistas, p. 422. 70

(46)

Para Wilson de Souza Campos Batalha e Cupertino Gusmão, citados por Francisco Antonio de Oliveira71, a rescisória era inadmissível em face do art. 836 da CLT que proibia que se conhecesse de questões já decididas.

Para Francisco Antonio de Oliveira, no entanto,

os argumentos de Cupertino Gusmão e Campos Batalha não tinham procedência e nem respaldo lógico. A uma porque o art. 769 da CLT remetia à subsidiariedade do processo comum. A duas porque o art. 836 da CLT foi inspirado no art. 289 do CPC/39 que dispunha que “nenhum juiz poderá decidir novamente questões já decididas relativas à mesma lide”, ressalvando os casos expressamente previstos em lei. E a exceção estava prevista no art. 798 daquele Código. E o art. 289 do CPC/39 vem repetido no art. 471 do Código Buzaid.72

Mozart Victor Russomano,73 por outro lado, sustentava que a rescisória era compatível com o processo do trabalho, esclarecendo que a aparente incompatibilidade não era de institutos, mas de textos legais. Mendonça Lima afirmava, ainda, com muita precisão, que

será, aliás, diminuir prestígio, antes de aumentá-lo, da Justiça do Trabalho, em lhe restringindo o alto privilégio que se concede à Justiça comum, em qualquer de seus ramos (cível e criminal), porque, enquanto essa última pode aperfeiçoar sua atividade, sublimando-se na correção das sentenças nulas, aquela se tornará inerte ante suas própria falhas substanciais, criando um clima de desconfiança entre aqueles que hajam sido sacrificados por uma sentença “nenhuma”.74

Délio Maranhão, por sua vez, ao analisar a admissibilidade da rescisória enquanto ocupava um assento no Pleno do Tribunal Superior do

71

Ação rescisória: enfoques trabalhistas, p. 35.

72Ibidem, p. 35. 73

CLT comentada, p. 1415, nota 18. 74

(47)

Trabalho, teve a oportunidade de proferir voto apontando a contradição que se revelava a partir da tese da não-compatibilidade da rescisória ao processo do trabalho:

O fato da Constituição não prever a rescisória, ao cogitar dos recursos cabíveis das decisões dos tribunais do trabalho, é irrelevante. Ação rescisória não é recurso. E a própria CLT manda que se aplique, nos casos omissos, a lei comum. Também não colhe o argumento tirado do art. 836, e que importaria que os juízes da justiça comum não estão sujeitos à coisa julgada. É que, como ensina Pontes de Miranda na rescisória, há julgamento de julgamento. Seu objeto é precisamente a coisa julgada. Demais, se as decisões do Supremo podem ser rescindidas é evidente que nenhuma incompatibilidade há entre essa matéria e a ação rescisória. E seria singular que uma decisão proferida em processo trabalhista somente pudesse ser rescindida se emanada do mais alto tribunal do país” (Tribunal Pleno, Processo TST,Ação Rescisória 02/59, Rel. Min. Délio Maranhão, DO 09.09.1960, p. 515).75

De forma resumida, as correntes que negavam a aplicabilidade da rescisória ao processo do trabalho sustentavam:

(i) a sua incompatibilidade com os princípios do direito social, que exige uma pronta solução dos litígios; e

(ii) a sua incompatibilidade legal, na medida em que a CLT não autorizava o seu manejo no processo do trabalho e, sobretudo, pelo teor do art. 836, que vedava o conhecimento de questões já decididas.

A fim de ilustrar a divergência que havia, vejamos algumas decisões proferidas pelos nossos Tribunais a respeito da admissibilidade da ação rescisória no processo do trabalho:

75 Francisco Antonio de Oliveira,

(48)

É incabível na Justiça do Trabalho a ação rescisória. O art. 836 da Consolidação, vedando “aos órgãos da Justiça do Trabalho conhecer de questões já decididas, excetuados os casos expressamente previstos em lei”, torna impossível a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil, só admissível nos casos omissos. A matéria relativa a revisão de decisões trabalhistas está taxativamente prevista na CLT, nela não compreendida a aço rescisória” (Pleno, Processo TST 1/57, Rel. Min. Thélio Monteiro, DJU 30.08.1957, p. 2235)

Ação rescisória. Inexiste na Justiça Trabalhista. Decisão da última instância é a proferida pelo Tribunal Superior do Trabalho. As divergências na apreciação das teses serão resolvidas pelo órgão máximo daquela justiça, não possibilitando o recurso extraordinário para o Supremo os julgados dos Tribunais Regionais. A ação rescisória não é admitida na Consolidação das Leis do Trabalho, por isso sem nenhuma aplicação o Código de Processo Civil, como lei subsidiária (Agr. Instr. 14.937, Rel. Min. Lafayette de Andrada, DJU 26.10.1951, p. 3575).

Admitindo a ação rescisória, considerou o Tribunal Superior do Trabalho que a mesma é cabível, “porque visa corrigir erro de decisão prolatada, principalmente em caso que trata de empregado estável, que foi condenado sem que houvesse sido regularmente citado”. Recurso conhecido e provido por unanimidade, para cassar a decisão recorrida. A ação rescisória não tem cabimento na Justiça do Trabalho. Esse tem sido o entendimento jurisprudencial deste Supremo Tribunal, temperado pela admissibilidade da rescisória de seus próprios acórdãos (Pleno, Rec. Extr. Embs. 54.625, Rel. Min. Victor Nunes, Ement. Trab., n. 2, jul. 1964).

(49)

O Tribunal Superior do Trabalho seguiu o mesmo exemplo e editou o então Prejulgado 10 declarando o não-cabimento da ação rescisória perante a Justiça do Trabalho.

Manoel Antonio Teixeira Filho entende que era até razoável que o Supremo Tribunal Federal rechaçasse a aplicabilidade da rescisória, adotando como argumento

o fato de que dita ação trazia o inconveniente de reativar conflitos subjetivos de interesses já sepultados pela autoridade da coisa julgada, provocando, com isso, grave abalo na estabilidade das relações sociais.76

Essa corrente de pensamento sustentava, como já mencionado acima, que o art. 769 da CLT não autorizava a incidência, no processo do trabalho, da ação rescisória disciplinada nos arts. 798 a 801 do Código de Processo Civil de 1939, na medida em que não havia omissão a ser sanada em face da redação do art. 836 da CLT. Não havendo omissão, não haveria que falar em aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.

Em que pese a posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins apontam que

muitas decisões acolhiam o seu cabimento, até que o TST veio a reconhecer tal posicionamento, através do Prejulgado n. 16, de junho de 1966, resultante de brilhante acórdão do Min. Arnaldo Süssekind, que revogou o Prejulgado n. 10, ao afirmar que “É cabível ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho”.77

76

(50)

O Prejulgado 16 transformou-se, posteriormente, no Enunciado 144, ex vi da Lei 7.033/1982, definindo com as mesmas palavras: “É cabível a ação rescisória no âmbito da Justiça do Trabalho”.

Em 28.02.1967, foi publicado o Decreto-lei 229 que reformulou a redação do art. 836 da CLT para, mantendo o princípio nele inscrito, ressalvar o cabimento da ação rescisória, assinalando “que será admitida, no prazo de dois anos, nos termos dos arts. 798 a 800 do CPC”, eliminando, definitivamente, qualquer possível resquício do entendimento anterior. Pela primeira vez, a ação rescisória passou a ser admitida, de forma pacífica e incontestável, ao processo do trabalho.

Esclareça-se que a referência aos arts. 798 a 800 do CPC é facilmente explicável, já que à época em que foi publicado o Decreto-lei 229/1967 encontrava-se em vigor o Código de Processo Civil de 1939, que tratava a ação rescisória nestes artigos. Com o advento do Código de 1973, no entanto, outra polêmica se estabeleceu.

Isso porque o Decreto-lei 229/1967, que alterou a redação do art. 836 da CLT, ao fazer referência expressa aos arts. 798 a 800 do Diploma Processual de 1939, possibilitou o entendimento de parte da doutrina e da jurisprudência de que as hipóteses de cabimento da rescisória permaneceriam as mesmas (previstas nos arts. 798 a 800), não obstante a revogação do Código de 1939 pelo Código de 1973.

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