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JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM JUIZ DE FORA MG: onde

No documento rafaelareisazevedodeoliveira (páginas 36-42)

1. JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO: exigibilidade do direito à Educação

1.3. JUDICIALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL EM JUIZ DE FORA MG: onde

Esta seção apresentará, conforme já anunciado, os principais dados obtidos a respeito da Judicialização da Educação Infantil no município de Juiz de Fora entre os anos de 1996 a 2010 (recorte temporal da pesquisa). Esses dados foram obtidos em notícias do jornal Tribuna de Minas, conseguidas no Setor de Memória da Biblioteca Municipal Murilo Mendes (SMBMMM), nas ações do Ministério Público, nos arquivos da Secretaria de Educação e, ainda, nos relatórios de atividade dos Conselhos Tutelares. Com os dados obtidos nas reportagens; junto ao MEC; e em dissertações defendidas sobre a Educação Infantil em Juiz de Fora, foi possível construir o panorama de atendimento no município, que será retratado a seguir.

Dos dados obtidos nas reportagens do jornal Tribuna de Minas, é possível destacar que, excetuando-se os anos de 2005 e 2007, em todos os demais anos pesquisados (1996 a 2010) foram registradas denúncias por falta de vagas na Educação Infantil, sobretudo de vagas em creches. A justificativa para o acúmulo dessa demanda não atendida foi a política de vinculação orçamentária do Fundef, que destinava 15% – dos 25% totais dos recursos da Educação – para o Ensino Fundamental.

De maneira geral, em todo o Brasil, a Educação Infantil ficou prejudica com a implantação do Fundo, conforme demonstram os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Entre os anos de 1996 a 1999, a política do Fundo colaborou para uma estagnação do crescimento do número de matrículas na Educação Infantil, especificamente na pré-escola. Destaca-se, em função disso, uma forte municipalização da Educação Infantil. Conforme será melhor apresentado no capítulo 4(quatro), em Juiz de Fora, por exemplo, ocorreu não apenas uma estagnação, mas uma retração no número de matrículas na EI8, especialmente nas vagas para a pré-escola.

Interessante destacar que, nas reportagens coletadas, os gestores municipais de Educação de Juiz de Fora utilizaram sempre de dois argumentos para justificar a grande demanda não atendida de vagas na Educação Infantil. O primeiro era a prioridade de atender ao Ensino Fundamental, estabelecida na LDB; o segundo é a vinculação orçamentária definida pela Lei 9.424/96, que dispunha sobre o Fundef.

Identificou-se, ainda, que grande parte das denúncias apresentadas nos jornais a respeito da Educação Infantil foi feita por meio dos Conselhos Tutelares, que regularmente divulgam o balanço de suas ações e atendimentos. Assim, dos dados obtidos na reportagem sobre os atendimentos em 2005, 743 atendimentos foram identificados como de demanda por vagas em pré-escolas ou creches9.

Das reportagens que trouxeram a atuação conjunta dos Conselhos Tutelares e da Promotoria da Infância e Juventude para a ampliação do acesso à Educação Infantil, destaca-se uma em que, diante do desejo dos CT de abrir uma Ação Civil Pública contra a prefeitura, denunciando a saturação de vagas em creches (que teriam capacidade para atender 2.215 crianças, enquanto que a demanda era de 3.812)10, o MP expediu um ofício à Prefeitura de Juiz de Fora pedindo explicações a respeito dos programas de atendimento à criança e ao adolescente no município11.

No que diz respeito às reações dos poderes públicos diante do problema de falta de vagas na EI, diversas vezes identificados nas reportagens, cabe assinalar que a Educação Infantil estava

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Para maior fluidez do texto, em alguns momentos far-se-á uso de siglas que abreviam palavras que serão comumente escritas no trabalho, como “Educação Infantil”, “Ensino Fundamental” “Ministério Púbico”, “Conselho Tutelar”, “Secretaria de Educação”, “Constituição Federal de 1988” e “Ação Civil Pública”.

9 SMBMMM – Tribuna de Minas – 08/04/2006 caderno geral, p. 3. 10

SMBMMM – Tribuna de Minas – 29/11/1996, p. 4. 11 SMBMMM – Tribuna de Minas – 30/11/1996, p. 4.

assumidamente com atendimento deficitário, tanto em termos de vagas como de profissionais para atuar nesse nível de ensino. A justificativa se pautava, ainda, devido à prioridade do Estado em garantir o Ensino Fundamental e, como foi ressaltado, aos poucos recursos destinados à primeira etapa da educação básica com a política do Fundef.

Essa falta de vagas na Educação Infantil ocasionou diversos mandados de segurança, a fim de garantir o direito ao ingresso e permanência na rede de ensino; e, além disso, uma Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público contra o município, exigindo a ampliação das vagas. Das ações obtidas na promotoria da Infância e Juventude, foi possível identificar diferentes pedidos de diferentes origens, como Defensoria Pública e Conselhos Tutelares. Para este trabalho, destaca-se, porém, apenas a ação impetrada pelo próprio MP, no ano de 1999, para a ampliação do número de vagas na Educação Infantil no município.

Trata-se de uma Ação Civil Pública proposta pelo ex-Promotor da Infância e Juventude Paulo César Ramalho, em abril de 1999. Dentre os requerimentos, estavam: a ampliação do número de vagas nas creches mantidas pelo poder público municipal, e o fim da suspensão de suas atividades durante o mês de janeiro; e a criação de entidades governamentais de atendimento sob a forma de abrigo e a celebração de convênios com as não-governamentais; a criação dos serviços a que se refere o art. 87, inciso III, do Estatuto da Criança e do Adolescente (serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão) (BRASIL, 2008). Em caráter liminar: que fossem criados, no município de Juiz de Fora, mecanismos que garantissem o atendimento emergencial em creches, até que se pudesse ampliar o número de vagas ofertadas na época, e o funcionamento do serviço durante todo o ano, sem interrupção; que fosse celebrado convênio com as entidades não-governamentais, até que pudesse ser criada a sua própria, para o atendimento sob forma de abrigo, e que se prestasse a todos o auxílio necessário para que os abrigados tivessem assistência médica, odontológica, psicológica e social; que se criassem mecanismos que garantissem o atendimento estipulado no inciso III do art. 87, até que os serviços estivessem definitivamente implantados. E em caráter definitivo: fosse o município compelido a ampliar o número de vagas nas creches por ele mantidas, criando, ainda, uma escala de férias dos funcionários, de modo a permitir o atendimento durante todo o ano; fosse compelido a atender sob a forma de abrigo as crianças e os adolescentes que necessitassem do serviço, de preferência, em entidade mantida pelo poder público municipal; e fosse, também,

compelido a criar os serviços previstos no art. 87, III, do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2008).

Mas, quanto à Ação Civil Pública em tela, o poder Executivo de Juiz de Fora recorreu por diversas vezes, limitando-se apenas a pugnar pelo prosseguimento do feito. Em agosto de 2010, o ex-Promotor Dr. Antônio Aurélio dos Santos apresentou as contrarrazões recursais ao Tribunal de Justiça sobre o recurso de apelação apresentado pelo Município de Juiz de Fora e, em entrevista, afirmou que

o Ministério Público espera que o recurso tenha provimento negado a fim de que o direito social à educação das crianças possa ser garantido, diminuindo inclusive as sequelas sociais irreparáveis, sobretudo às famílias sem recursos financeiros que não possuem meios de pagar a creche, já que muitas mães não podem trabalhar, pois não podem deixar seus filhos sozinhos (OLIVEIRA, 2011, p.135).

Ainda de acordo com o promotor, como a Ação já se encontrava judicializada, não havia muito que se fazer, a não ser ir resolvendo, de modo pontual, o problema da falta de vagas, conforme realmente estava acontecendo. Todos os pedidos por vagas que chegavam à promotoria, ou por parte da Defensoria Pública, por particular ou pelos Conselhos Tutelares têm sido deferidos. Cumpre dizer, porém, que esta Ação foi arquivada, tendo sido aberta outra pela Defensoria Pública, conforme será apresentado no capítulo 4.

Quanto aos dados obtidos em campo na pesquisa com os Conselhos Tutelares, eles foram extraídos dos relatórios de atividades feitos semestralmente em cada Conselho, que registram a quantidade e o tipo de atendimento, e ainda o local para onde são enviados os encaminhamentos e as requisições.

O problema com a falta de vaga nas creches em Juiz de Fora se destacou em relação ao número de atendimentos. Observa-se que, do número total de atendimento em cada ano, exposto na tabela abaixo, uma quantidade significativa era sobre esta questão. Vale uma ressalva de que o critério “vagas em Educação Infantil” é apenas um dos quase 20 identificados nos relatórios. Ou seja, o restante dos atendimentos estava diluído entre eles.

Tabela 01 – Ano/Vagas em Educação Infantil12 Ano 2001 2002 2003 2004 2005* 2006 2007 2009** Vagas em Educação Infantil 26 113 32 96 311 105 87 101 Total 91 383 117 219 937 218 202 101

Notas: * Dados referentes aos três Conselhos ** Dados referentes ao Conselho Tutelar Sul- Oeste

Quanto aos locais prioritários no envio dos procedimentos feitos pelos Conselhos Tutelares, identificou-se, nos relatórios de atividade, que muitos deles eram encaminhados para o Juizado da Infância e Juventude, a Promotoria da Infância e Juventude, a Secretaria de Educação, e para o setor Pro-Creche da Gerência de Educação Básica. Isso é relevante e cabe ser destacado, pois se percebe que os principais locais para onde estão sendo enviados os procedimentos dos Conselhos Tutelares coincidem com as demandas de Educação no município. De fato, os encaminhamentos ou requisições para as creches sempre tiveram um número expressivo.

O que pode se concluir da pesquisa realizada em mestrado foi que o Ministério Público em Juiz de Fora não teve uma atuação expressiva a ponto de impulsionar o processo de Judicialização no município. Essa afirmativa se justifica em função dos dados obtidos na Promotoria da Infância e Juventude, em que apenas duas ações tiveram origem no MP, e apenas uma delas é uma Ação Civil Pública. É importante frisar que esta afirmativa é referente enquanto ação direta e propositiva do MP, não enquanto ação conjunta com outras instituições. Na pesquisa identificou-se que todo pedido por vagas, fosse qual fosse a etapa de escolarização, vinha sendo deferido, e que havia um controle de que esse mesmo pedido fosse atendido. Assim, o direito à Educação em Juiz de Fora tem sido exigido judicialmente, mas não exclusivamente pelo Ministério Público, mas por diferentes atores, como a Defensoria Pública e os Conselhos Tutelares, que, no âmbito extrajudicial (requisições, notificações, pedidos de providência, etc.) têm requisitado e encaminhado diversos pedidos no que concerne à garantia do direito em tela. Cumpre frisar que, embora esta constatação tenha sido dada em função da pesquisa do mestrado, observou-se que a forma como a Judicialização da Educação tem acontecido no município é a mesma, desde 2010. Porém, a partir dos dados coletados para este trabalho, é possível dizer que

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Os dados referentes aos anos posteriores estarão apresentados no capítulo 04, como correspondente à pesquisa realizada no doutoramento.

o processo tem se tornado menos intenso, por diferentes razões, conforme será visto posteriormente.

Contudo, ainda que tenha se tornado menos intensa, a Judicialização da Educação ainda se realiza e, em função disso, é importante lançar mais uma questão. Conforme os problemas de falta de vagas oferecidas pelo poder público têm sido resolvidos pontualmente via Judicialização, este processo tem se configurado como um mecanismo importante para a garantia de direitos. Ele se potencializa, sobretudo quando, via a instituição de uma Ação Civil Pública, favorece também àquele que não reconhece o MP ou o CT como um caminho para a efetivação deste direito. Deste modo, para educar será sempre preciso Judicializar?

Apresentar o processo de Judicialização da Educação e como ele tem se desencadeado no município de Juiz de Fora se justificou, neste primeiro capítulo, em função dos desdobramentos que este trabalho de doutoramento se pretende: analisar a atuação do Ministério Público e dos Conselhos Tutelares pela garantia de um direito educacional que se encontra com grande demanda reprimida no município. Quando se identifica processos de Judicialização na sociedade, conforme aqui apresentado, entende-se, que, no mínimo, está havendo um descumprimento pelo poder público quanto à oferta de um direito, neste caso, o direito ao acesso à Educação Infantil. Esse processo, se olhado sob esse prisma, é um resultado de uma “não-ação” do poder executivo e/ou legislativo sobre este tema, e, a ação do poder judiciário ou de atores com prerrogativas de incitá-lo, para reverter quadros de inexigibilidade de um direito. Cumpre, contudo, analisar a origem desta “não-ação” ou “ação” neste âmbito educacional, considerando que a legislação brasileira regulamenta a forma como o poder público deverá garantir o direito à educação. Em outras palavras, identificar o momento em que o município tornou-se responsável prioritário pela oferta de etapas da educação básica, em que pese à necessidade de uma efetivação do regime de colaboração instituído no modelo de Estado federado no qual se constitui o Brasil. Nesse sentido, o próximo capítulo deste trabalho apresenta elementos para a compreensão de como se constituiu o modelo de Estado Federativo brasileiro, chegando às inovações oriundas da Constituição Federal de 1988, que elevou os municípios ao status de ente federado, estabelecendo, ainda, um regime de colaboração entre os três entes.

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