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Restrito a nichos religiosos e humanísticos, o latim terá a face dada pelos juristas, que o utilizavam estropiadamente como recurso oratório e retórico, aproveitando-se da penetração do discurso jurídico na regulação dos mais comezinhos problemas interpessoais. Pela importância que assumia na sociedade portuguesa, não escapou naturalmente à crítica de Gil Vicente, que sobreviveu mesmo às emendas uniformizadoras que seu filho Luís Vicente, na Compilaçam de 1562, fez aos versos irregulares do poeta, que traduzem a tradicional

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Francisco Rodrigues (1931, I:523) traz excerto da mesma carta, mas com versão libérrima em português. Burke, embora sem indicação de tempo ou lugar, alude à “instituição do lupus, ou ‘espião’, que deveria contar ao professor se ouvisse seus colegas falando em vernáculo na hora do recreio” (1993:50). Referência a Gracida em Pinho (2006:330-331). Mais tarde, o Ratio Studiorum disporá que “desta regra de latim não haja dispensa, exceto nos dias feriados e nas horas de recreio”, apud Franca (1952:134).

versificação amétrica e acentual da península529. Bem o demonstrou I.S. Révah em sua magistral obra Edition critique du premier ‘Auto das Barcas’ (1951) e Edition critique du premier de l’ “Auto de Inês Pereira” (1955), que confrontou a versão de 1562 com a da folha volante de 1518530.

Na Barca do Inferno, o exemplário é muito rico531, com que escande a vitalidade de sinapsias532 latinas de algibeira e a risibilidade que de seu uso decorria: à boca de uma autoridade judicial, de renque e extração intelectual superiores aos de um mero juiz de aldeia, as verdadeiras expressões em latim forense eram, em boa parte, apenas espasmos mnemônicos ditos com efeitos meramente retóricos e palavrosos bem ao estilo dos causídicos, tanto que deles se vale o Corregedor para articular uma histrionice infrutífera tentando embair o Diabo533.

Quando os camaristas de São Paulo foram defrontados com aquele alvará “assinado por um desembargador, o qual sinal estava em latim” (ACSP, I, 162), nem desconfiavam talvez que por trás dele podia se esconder a mistificação letrada sob o signo do conhecimento legal e latínico. Aquela mesma que, em O soldado prático, Diogo do Couto denuncia ao dizer de desembargadores que não sabiam a língua latina e de gramáticos que não tinham letramento: “Pera alguns gramáticos, que já foram e que eu conheci, inda eu fico de aventagem; porque estes, com dous debruns de latim, foram feitos desembargadores por valias; porque latim como eles sabem, eu o sei” (1954:155).

Os juristas, mais que hoje, sofriam, no século XVI, com a ojeriza popular. Mas “uma sociedade mercantil e operosa” não poderia “prescindir de jurisconsultos competentes”, adverte Rebelo (1982:85), o que fica bem nítido no papel desempenhado do letrado em leis na centralização monárquica em Portugal, posto em relevo por Raymundo Faoro (1989[1957]), sobretudo na argúcia do célebre legista João das Regras, tornado chanceler-mor de D. João

529 Sobre a existência de regularidade de versos tidos como anômalos em Gil Vicente fundando-se na contagem septissilábica e nos fatos fonéticos da língua de quinhentos, v. Celso Cunha (1968:49-76).

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Do primeiro, quanto ao aqui interessa, pode-se extrair um exemplo que não afetaria a substância do propósito de fazer jocosidade com a deslatinização. Escreve Révah: “Les vers 776-777: ‘e com ysto mil latins/ muy lindos, feitos de cera’ sont modifiés (vers 771-772 de B) en: ‘e com isto mil latins/ como seu latim soubera’” (1951:103).

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Veja-se percurso traçado por Celso Cunha (1968). Assim, o verso 622 desse auto, na fala do Corregedor, que brande ao Diabo em latim campanudo sua estampa institucional, “nom he de regule juris nã”, o texto de 1562 emendou para: “Non est de regule juris não” (p. 60), conformação última utilizada por Beau (1955:169). O verso 657 vem na folha volante de 1518 registrado “nom som pecatus meus”, transformado pelo editor de 1562 em “non sunt peccatus meus” (p.60).

532 Às vezes sentenças inteiras eram dadas em latim macarrônico, ditas para maximizar a risibilidade do latinório, como naquele do Auto de Mofina Mendes em que aconselha a que ninguém confie naqueles que punham a cabeça nas mãos do vento: “Nolite vanitatis debemus confidere de his, qui capita sua posuerunt in manibus

ventorum etc” (1983:82).

I534, que detinha um saber posto a serviço da organização política (op.cit., p. 63-4). A ingerência e rapacidade dos juristas assumiram em alguns momentos laivos de profunda antipatia social. Por isso que Diogo do Couto, invocando a autoridade do humanista Vives em De Corruptis Artibus, elogia o Rei Matias, da Hungria, que “mandou com público pregão que todos os juristas se saíssem de seu reino”, ao mesmo tempo em que deplora que Isabel, a rainha católica, não tenha levado avante o mesmo intento em Salamanca (1954:163-4)535.

O próprio saber dos causídicos encontrava dificuldade de localização conceitual, ou seja, se eram letrados e se podiam ser chamados de humanistas536. Seguramente, entretanto, o traço saliente da solércia costumava esconder uma impotência intelectual entre tais atores da cena jurídica. Basta ver que em Portugal havia juízes que não sabiam ler nem escrever537.

O mesmo quadro, isto é, ainda pior, sofreu translação para o Brasil, onde grande parte “não passava de juízes leigos e incompetentes”, lembra Caio Prado Jr. (1986 [1942]:333). O Livro que dá razão do estado do Brasil-1612, de Diogo de Campos Moreno, mostra como a prodigalidade portuguesa em investiduras burocráticas fora transplantada com tanta vitalidade para o Brasil no início do século XVII: “Em lugar de fazendas e de trabalhadores, multiplica-se a terra em licenciados, escrivães, meirinhos, solicitadores, clérigos e frades” (1955:115)538. No mesmo passo, nesse sentido de discurso transido de influência bacharelesca, é que se pode entender a seguinte afirmação: “daí nasce tanto trocar, tanto mentir, tanta trapaça que as novas delas não fazem mais que acarretar bachareis à pobre província”.

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V. esp. p. 42-50 e 117-120.

535 Assunto recorrente esse da aversão aos causídicos, não poderia ficar de fora da biografia de Pedro I, chamado o Justiceiro, que reinou entre 1357 e 1367. Entre suas deliberações, figura a de ter banido advogados e procuradores de todo o Reino, lembra Câmara (1973:46), no que fora antecedido por seu pai, Afonso IV, que extinguiu a instituição em 1352: “Teemos por bem, que em nossa Côrte nom aja Vogado, nem Percurador residente em nenhum preyto”, conforme se vê da informação de Melo, Inst. Iuris Lusitani, Lib. IV, Tit. VII, § 9,

apud Câmara (1973:44), que, talvez por ser um jurista, disse não atinar com a justificação do ato régio.

536 Rebelo escreve que “o humanista e o soldado opõem-se, às vezes, ao jurista, tomado como um sofista solerte; outras vezes equiparam-no ao letrado, cuja actividade e função social não ficam atrás do guerreiro” (1982:84). Oliveira Marques (1974), depois de dizer que os juízes e notários integravam “outra classe”, que melhor se diria uma elite, qual seja, a “‘intelligentzia’ dos fins da Idade Média” (p. 149), escreve que eles eram “letrados” (p. 163). O persistente destaque social e político que continuaram a ter firmou sua definitiva equivalência como letrados: v. carta de Francisco de Melo ao rei português: “mandava ver por letrados o direito...” (PLMH, I, 50). Quando Baltasar Fernandes, em São Paulo, apresenta sua inconformidade com a partilha dos bens de sua filha, pede ao juiz prazo para opor embargos “visto não ser letrado” (IT, XXXVII, 106).

537 Virgínia Rau (1969), embora diga que “no ambiente cultural português do século XV, a preparação dos juristas e letrados nacionais não foi descurada” (p. 190), mais adiante transcreve reclamação ao Rei, formulada em 1459, contra a ausência de bom julgador “porquanto o juiz que ora era nom sabia leer nem escprever” (p.199), panorama que se elasteceu para além dessa época, pois entre os juízes de Coimbra apenas 9% sabiam assinar o nome entre 1533 a 1567, na informação de Ramada Curto reproduzida por Rosa Virgínia Mattos e Silva (2002:34).

Mas o verdadeiro bacharel sempre foi escasso539, como lembra Faoro ao analisar o trecho do Livro que dá razão do estado do Brasil, o qual imputa à conta de primeira manifestação hostil contra o bacharelismo por aqui. Aí mesmo averba: “Os magistrados, na grande maioria, são leigos, com os cargos herdados ou obtidos no enxoval da noiva” (1989[1957]:188). Esse legado matrimonial e a montagem do discurso legal foram dramatizados por Gil Vicente na farsa O Juiz da Beira, em que Pero Marques, magistrado de aldeia, é analfabeto e acusado de não servir para o ofício: “Diogo Lopes de Carvalho/ por me meter em trabalho,/ diz que não cumpro a Ordenação,/ e que pera juiz não valho” (1983, II: 461). Sua esposa, Inês Pereira, se encarregou de lhe transmitir os rudimentos de um latim macarrônico com que garganteia no exercício da judicatura: “credo quo natura dat / Nemo negare pote” (ib.), como que tentando ecoar a parêmia latina “quod natura dat, nemo negare potest”. Disso não escapava o Brasil, pelo incidente anedótico contido em Ditos portugueses dignos de memória, que narra a nomeação de um juiz no Brasil, começando a ser povoado, na figura de um degredado, que ordenou o açoitamento de um preso, tendo o porteiro objetado não saber como realizar o pregão: “E o juiz ensinando-lho, logo um homem que estava junto dele disse: – Hablole en algaravia, como aquel que bien la sabe” ([1980]:412).

Gil Vicente não deixa ainda por menos na Floresta dos enganos ao pôr a Velha a questionar o Doutor da lei: “Dizede, Doutor da má hora,/ e falai-me per latim,/que diz o Bártolo540 aqui?” (1983[1536]:493). Mais à frente, o outro elemento integrante da famosa sinapsia onomástica, que é símbolo da enganação: “No Baldo acharíeis, doutor,/ essa negra amassadura,/ ou na Sagrada Escritura?” (p.494). Jorge Ferreira de Vasconcelos, na Comédia

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V. Alcântara Machado sobre a escassez de letrados jurídicos no Brasil e também a aversão popular a eles (1980:130). Cf. Schwartz (1979:30). Em 1664 o Conselho Ultramarino delibera que na administração das minas de São Paulo e São Vicente “vá um letrado com Salvador Correia de Sá”(PLMH, II, 172). Embora se pusessem “éditos para que os letrados que pretendessem o dito lugar apresentassem seus papéis, não fez petição mais que o licenciado Manuel Paes que (...) tem quatro anos de advogado” (ib.).

540 O saber jurídico de então girava em torno de um escudo enciclopédico chamado Bártolo: Bártolo de Sassoferrato (1313-1357), a expressão máxima do direito romano para além da Idade Média. Sua autoridade é dimensionada pelo adágio «nemo bonus jurista nisi bartolista» (“ninguém é bom jurista se não for bartolista”). Entre os seus mais destacados discípulos estava Baldo de Ubaldis (1327-1400). Os nomes de ambos frequentemente eram associados ao de Acúrsio ou Accursius (1182 – 1263). O prestígio de Acúrsio e Bártolo pode ser medido através do Brasil. Quando ninguém mais falava deles no mundo operativo do Direito, seus nomes ainda permaneciam aqui, vencida a fase colonial e monárquica e já nos albores da Repúlica. Como lembra Orlando Gomes, o defeito apontado em tais Ordenações “era o de ter conferido autoridade extrínseca às opiniões de Acúrsio e Bártolo” (1958:9). Bártolo, como expressão modelar do saber jurídico, irá entretanto sofrer cerrados ataques dos humanistas, que o acusavam de estropiar a essência do direito romano inclusive por não saber o melhor latim. Lorenzo Valla e depois Angelo Poliziano serão os principais críticos, v. Rui e Martim de Albuquerque (1983:119). Seu nome e o de Baldo irão ser alvo de uma transposição metonímica na pena literária como símbolos de prestímanos jurídicos. Nas diatribes às cavilações judiciais, Diogo do Couto se mostra enérgico contra a capacidade de falsear fundada nesse saber jurídico: “Darei sentença por quem me mais der; e não curarei de ver Bártolo nem Baldo” (1954:155). V. libelo contra os juristas no refinado humanista André de Resende, no poema “Vita Aulica”, ou melhor, “Ad Damianum a Goes de Vita Aulica”, de 1535, com texto latino reproduzido parcialmente em Américo Ramalho (1988:187) e integralmente em Sauvage (1971: 146-155).

Eufrosina, faz Filtra, a alcoviteira, clamar: “foi o demo encher a terra de bachareis” (1918[1561]:37) e põe Andrade contra o saber jurídico bartoliano: “E entam vem letrados, liberaes do suor alheio e arpias do seu interesse, e joeiram trinta Bartolos, de que fazem hũa lei que os desobriga limpos de pao e vassoura, te dos mandamentos de Deos que nam sofrem entendimentos novos” (p.72). Mais adiante volta à carga contra essas abstrações livrescas, apartadas da experiência: Cariófilo, utilizando-se de um verbo que evoca a “sabedoria do mar”, diz: “Que o Bartolo nem essoutro Baldo nunca navegaram alem da linha de um libelo e uns artigos acumulativos” (p.162). O mesmo personagem se insurge ainda com a crítica às manipulações do “Doutor Carrasco”: “E enquanto não tiver quem o contradiga esgrimirá contra quantos Bártolos há em Fez. Eu não entendo seus latins” (p. 277).

É provável que esse “Doutor Carrasco” fosse satirização do famoso “Doctor Navarro”, como era conhecido o basco Martín de Azpilcueta, professor de Nóbrega em Salamanca e Coimbra, tio de João de Azpilcueta Navarro e parente de José de Anchieta541. Foi trazido para ensinar Cânones na Universidade de Coimbra a peso de ouro, para desespero dos humanistas, como Clenardo, que, em carta a João Petit, arcediago de Évora, faz acusação, quanto ao desconhecimento de línguas, inclusive latim, na Espanha, à “turbamulta de advogados”, conforme carta contida em Cerejeira (1949:350). Em outra, salienta “o ódio que tenho a essa récua de causíficos” (op.cit.,p. 360). E assaca contra Azpilcueta: “Por hoje só vos direi com pesar o seguinte: no inverno passado foi mandado vir para lá um causífico, com salário anual (calculai!) de mil ducados. Ide vendo por aqui como são estimados os patronos de discórdias” (p.342).

O contraponto letrado em defesa de colegas de formação sai da pena do Desembargador João de Barros, na sua obra quinhentista Espelho de Casados, em cuja introdução diz que “os humanistas542 zombam das leis e chamam aos nossos doutores bárbaros: porque não os entendem” (1874[1540]:III), embora convirja com os mesmos

541 Américo da Costa Ramalho escreve que Azpilcueta era “escandalosamente bem pago” (1988:57 e 61). Martín de Azpilcueta era primo segundo da mãe de Francisco Xavier, Maria Azpilcueta, como informa Francisco Rodrigues (1931, I: 240 e 265), o que já era conhecido por aqui, na pena de Simão de Vasconcelos, que, ao se referir ao Padre Navarro, diz que os Azpilcuetas eram “aparentados com a nobilíssima família dos Xavieres, e Loiolas, sobrinho daquele célebre Dr. Martín Azpilcueta” (1977[1663], I: 273). Entre as cartas de Nóbrega está uma a seu antigo mestre em Salamanca e Coimbra. Nela faz o seguinte elogio: “vossa mercê entre cristãos, Mestre Francisco nas Índias e este seu sobrinho [João de Azpilcueta] nestas terras do Brasil” (2000:52). Martín, pois, não deve ser confundido com João de Azpilcueta, seu sobrinho, padre jesuíta que veio ao Brasil na mesma expedição que trouxe Nóbrega. Ambos os Azpilcuetas eram de Navarra, daí o agnome Navarro. Parece não ter advertido nisso Priore (1995), que grafa Azpicuelta (p. 100, 119, 144 e 150), ao dizer equivocadamente que Martín era “padre” (p. 119). V. ainda sobre a remuneração do “doctor navarro”, Aires Nascimento (2000:46). 542 “a primeira das ocorrências conhecidas da palavra humanista em português”, diz Ramalho (1988:188).

humanistas543 na crítica contra os clássicos do ciclo arturiano e da cultura medieval ibérica que, em linguagem, circulavam em Portugal e em Espanha544. O Doutor João de Barros termina por dar informação sobre que tipo de leitura ocupava o minúsculo círculo legente: “Quando os mancebos começam a ter entendimento do mundo, gastam o tempo em livros mui desnecessários e pouco proveitos para si nem para outrem” (1874[1540]:IV). E dá o exemplo da “fabulosa história de Amadis”545, as “patranhas do Santo Gral”546, as “sensaborias de Palmerim547 e Primaliom548 e Florisendo549 e outros assim que haviam mister totalmente exterminados que já de nenhuma coisa servem” (ib.).

Ao final, a cruzada humanista perdeu a batalha550, pois não podia competir com a penetração interpessoal das regulações jurídicas num mundo de intenso demandismo551.

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É nesse sentido que Díaz-Toledo diz que eclesiásticos e humanistas “viam nos livros de cavalarias uma fonte de perversões morais onde os jovens – em particular as mulheres –, podiam beber e adquirir uma desenfreada fantasia que os afastaria tanto das suas verdadeiras obrigações como da sua devoção religiosa.” (2006:234). 544 Deve-se atentar em que João de Barros estudou em Salamanca, onde escreveu a primeira parte do livro (folha XVI).

545 Amadis de Gaula, notável novela de cavalaria, de autor ainda por identificar. A versão definitiva da obra é de Rodriguez de Montalvo, escrita em língua castelhana, em 1508, intitulada Los quatro libros de Amadís de Gaula. 546 Seguramente se refere à Demanda do Santo Graal, de que há um manuscrito do século XVI preservado intacto em português.

547 Referência a Palmeirim de Inglaterra, célebre romance de cavalaria, de autoria comprovada do português Francisco de Morais a partir do que escreveram Manuel Odorico Mendes em Opúsculo acerca do Palmeirim de

Inglaterra e do seu autor, no qual se prova haver sido a referida obra composta originalmente em portuguez,

Lisboa, 1860, Carolina Michaëlis de Vasconcellos, Versuch uber den Ritterroman Palmeirim de Inglaterra, Halle, Druck von E. Karras, 1883, e William Edward Purser, Palmerin of England. Some remarks on this

Romance and on the controversy concerning its authorship, Dublin, Browne and Nolan, Limited, 1904. V.

Teófilo Braga (1898:276). 548

Livro de cavaleria impresso pela primeira vez em Salamanca, em 1512.

549 Difícil dizer com exatidão a que obra se refere. Pode ser uma edição desconhecida de Florando de Inglaterra, cuja edição que se conhece é de 1540, impressa na oficina de Germão Galharde, em Lisboa. Não é improvável que seja o Floriseo de Bernal, cuja edição de 1516 é a única conhecida, ou mesmo o Florisel de Niquea, também um livro de cavalaria do ciclo amadisiano espanhol do século XVI, impresso em Valladolid pela primeira vez em 1532.

550 Como lembra Burke, “o latim medieval também sobreviveu aos ataques dos humanistas, na Igreja e nos gabinetes de muitos advogados e escrivães” (1995:80).

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V. preocupação de Mem de Sá em salientar sua ação contra o demandismo que infestava o Brasil (DRMS 165, 173, 178, 186 e 195, entre outras), ecoada por Nóbrega (MB, III, 86).

7 PEDAGOGIA LUSOFÔNICA NO ULTRAMAR

A informação de Clenardo, de que Portugal é “abarrotado” de negros, estimando que “em Lisboa os escravos e escravas são mais que os portugueses livres de condição” (1949:281), é tão citada quanto considerada discutível, mas não se pode esquecer que o autor de Ritratto et riuerso del regno di Portogallo, escrito muito provavelmente entre 1578/1580 e publicada por Oliveira Marques, disse que os negros em Portugal “são em tão grande número que as cidades parecem jogos de xadrez” (1987:241), tanto que Bouza Álvarez escreve que “era a grande a surpresa que aos estrangeiros causavam os numerosos negros da metrópole” (1998:152) e cita Villalba y Estaña: “Lisboa es madre de negros”552. Esses negros personificavam os Furunandos de Gil Vicente e foram uns escravizados nas regiões africanas e cooptados outros. Uma política de letramento foi-lhes endereçada pela coroa, como se vê da informação do humanista alemão Hieronymus Münzer, falecido em 1508, que se lê, entre outros, de Américo Cortez Pinto (1948:321)553: “Há em Lisboa como em todo o Reino muitos negrinhos a quem o Rei obriga a praticar a religião cristã e a aprender a ler e a escrever em latim. Tudo isto e muitas outras coisas me disse, diante do Rei, Cataldo Sículo”554.

O brilho do latim embotou o fato de que tinha também havido, antes de Clenardo, uma política lusofônica, como revelou João de Barros em sua Cartinha ao dizer, na dedicatória a D. João III, que “com zelo de aprender a qual língua [portuguesa], quatro principais deste povo [malabarense] vieram a este reino (...) aos quais el-rei vosso pai (...) mandou recolher na casa de Santo Elói desta Cidade, para aí aprenderem com os outros Etíopes de Congo de que já temos bispos e teólogos” (1996[1539] A II v. e A III). Trata-se de

552 O que fez nascer um maldisfaçardo preconceito caucasiano dos demais europeus para com a mestiçagem dos lusos. (V. Sérgio Buarque de Holanda (2002[1936]:53-54 e notas correspondentes.) Mas essa miscibilidade terminou por ser por eles usada em favor de suas conquistas, na avaliação de Gilberto Freyre (2002[1933]:83-4). 553 Tb. Américo da Costa Ramalho (1980:4).

554 Farinha se entusiasmou com isso e declarou que “causava admiração naquele tempo, e ainda hoje, a relativa facilidade com que entravam nos segredos do latim, sabido que muitos naturais do Oriente, chins, japoneses e malaios (...), eram nos séculos XVI e XVII tão refractários à língua latina” (1969:48). De fato, Henrique Henriques escreve que, na Índia, “llevase trabajo en los hazer bien pronũciar” (1993[1551]:AII). Não devia ser diferente dos escravos negros de Clenardo, alcunhados Miguel Dentudo, Antônio Negrinho e Sebastião Carvão, apesar de seu aparente entusiasmo: “À força de viverem comigo tinham conseguido entender-me em tudo o que eu dizia, e responder-me no mesmo idioma latino” (1949:399-400).

informação que posteriormente encontra apoio na obra do jesuíta Giovanni Pietro Maffei555, Historiarum Indicarum Libri XVI, dada à estampa em Florença, de que existe uma tradução

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