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Fazenda Santa Filomena – Acampamento Elias de Meura – Estado do Paraná

3. Agentes sociais

4.3. Sistema de Justiça

4.3.2. Justiça Federal

a postura do Judiciário em relação ao conflito da Fazenda santa Filomena passou por diversas transformações, dependendo, especialmente, do juiz res- ponsável pelo ato. a liminar de reintegra- ção de posse, inicialmente deferida pela Justiça Estadual, foi suspensa após inspe- ção judicial realizada pelo Juiz Federal anderson Furlan Freire da silva em 6 de dezembro de 2004 na fazenda. Depois desse acontecimento incomum, já que são raras as vezes que juízes se dispõe a verificar pessoalmente a realidade social de famílias de trabalhadores rurais sem terra, o Juízo Federal de Paranavaí revo- gou a liminar. seguem trechos da decisão: o caso em análise mostra-se com- plexo, mormente considerando a existência das ações acima mencio- nadas, em especial a ação declara- tória de produtividade que, apesar de julgada improcedente, ainda impede a continuidade do processo de desapropriação que permitiria que o incra fosse imitido na posse do bem, promovendo, consequente- mente, o assentamento das famílias selecionadas. (...)

assim, em que pese a proteção constitucional, o direito à proprie- dade não é absoluto e ilimitado, pois deve ser apreciado em harmonia

com os demais direito ou garantias constitucionais. (...)

Destarte, o interesse individual, quando não atende a sua função social, resta superado pelo interesse coletivo. se propriedade não cum- pre sua função social, fica sujeita ao instituto da desapropriação, onde o expropriado sofre a perda do exer- cício de qualquer dos poderes rela- tivos à propriedade, entre eles a posse. (...)

Dessa forma, a desocupação do imóvel, antes de uma decisão defini- tiva, em especial, diante da possibi- lidade de imitir o incra na posse do imóvel, poderia ser demasiada- mente danosa, gerando riscos talvez desnecessários.

Ressalto que não se está a legitimar a conduta daqueles que promove- ram a invasão, todavia, parece razoável que tal medida deva ser efetivada após a solução definitiva das questões abordadas. (...)

Destarte, diante dos acontecimen- tos, mencionados na Certidão de Constatação de fls. 362-363, consi- derando, em especial, a situação instalada e a supremacia do inte- resse social, REvogo a LiMiNaR anteriormente concedida e, nos termos do artigo 265, iv, “a”, do CPC, sUsPENDo o PRoCEsso até o julgamento da ação declaratória de produtividade pela superior ins- tância.52

Este ponto merece atenção: o Juiz Federal apenas suspendeu a liminar depois de visitar a área, conhecer as con- dições de vida dos ocupantes e o trabalho que vinham desenvolvendo na fazenda,

51 Fls. 92/97 dos autos da Ação de Reintegração de Posse nº 2004.70.11.002001-3.

tornando-a produtiva. isso possibilitou ao magistrado que sopesasse o prejuízo que causaria às famílias se a liminar fosse cumprida imediatamente.

outra decisão que merece atenção especial é a sentença da ação de Reintegração de Posse, que julgou proce- dente a ação, estabeleceu uma multa R$ 200.000,00 aos trabalhadores rurais sem-terra caso não saíssem da proprie- dade em 30 dias, e, ainda, multa de mais R$ 10.000,00 por cada dia de atraso a partir do trigésimo. a mesma multa foi estabelecida ao Estado do Paraná, ao incra e à União caso não realizem o des- pejo forçado em cento e vinte (120) dias. Com tal medida, ficou mais dificultosa nova negociação, com tentativa de solu- ção pacífica do conflito, tornando mais difícil a possibilidade de o incra disponibi- lizar outra área para assentar as famílias, vez que se coloca um prazo exíguo para a desocupação, sob pena de uma multa exorbitante tanto para os ocupantes quanto para o Estado.

Durante anos, as famílias acampa- das na Fazenda santa Filomena espera- ram a decisão do Poder Judiciário. Quando a decisão foi proferida, ela impôs uma solução de certa forma sim- plista para um problema complexo e, ainda, uma solução de execução ime- diata (desocupação em trinta dias) para um conflito que envolve oito anos de construção de habitações, condições de trabalho, plantações, escola etc.

Como demonstrado, a teia formada pelos atores sociais e instituições públicas

é bastante complexa, demonstrando que a resolução de conflitos como este não é simples. Uma decisão terminativa de mérito em uma ação de Reintegração de Posse não resolveu o conflito, pelo con- trário, em casos como este a sentença pode encerrar o processo, mas vir a ser a causa de novos conflitos sociais.

importante analisar, inclusive, o que os próprios atores envolvidos entendem por conflito. Na maioria dos momentos, é possível perceber que o Judiciário encara como problema maior a questão da ocu- pação da propriedade pelos sem-terra, quando o problema social que motiva e fundamenta a ação dos outros órgãos é a má distribuição de terra país. Muitas vezes, ainda, fica evidente que essa raiz dos problemas agrários – a estrutura agrária desigual – não é enfrentada pelo Estado, e nem mesmo encarada pelos atores como um real problema.

outro ponto a ser ressaltado sobre o papel do Judiciário é o fato de os pro- prietários utilizarem de estratégias jurídi- cas para a paralisação da reforma agrária, sendo ilustrativo neste caso concreto o ajuizamento pelos fazendeiros, na vara Federal de Paranavaí, da ação Declaratória de Produtividade, que sus- pendeu o trâmite da ação de Desapropriação proposta pelo incra. Esta judicialização da política pública de reforma agrária pelos latifundiários, levanta a questão sobre a responsabili- dade do Poder Judiciário decorrente da paralisação dos processos de desapro- priação judicializados53. a tática dos advogados dos grandes proprietários

53 Em 2009, um levantamento preliminar da Procuradoria Federal Especializada do INCRA apontou “a existência de

pelo menos 220 processos de desapropriação obstruídos na Justiça. Eles estão parados em decorrência de ações judiciais contrárias dos mais variados tipos. Caso esses processos fossem concluídos, seria possível assentar mais de 11 mil famílias em todo o território nacional”. (INCRA. Relatório do Incra aponta mais de 200 processos de desa- propriação parados no Judiciário. 27 abr. 2009 16:55. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/index.php/noti- cias-sala-de-imprensa/noticias/8825-relatorio-do-incra-aponta-mais-de-200-processos-de-desapropriacao-parad os-no-judiciario>. Acesso em: 25 jan. 2013.

consiste no ajuizamento de ações que obstam a desapropriação, como ações declaratórias de produtividade, ações anulatórias de ato administrativo ou ações cautelares. E essa estratégia tem sido aceita pelo Judiciário.54

4.3.3. Tribunal Regional Federal