• Nenhum resultado encontrado

2. O FENÔMENO EM ESTUDO

2.4. Justificativa e apresentação do trabalho

Em decorrência do emprego corriqueiro de a gente, vocês, você em textos escritos e na fala em geral – não seguindo apenas a regra estabelecida pela gramática tradicional (GT):

mencionados (com dados de escrita e fala) poderá contribuir para o desenvolvimento dos estudos de sociolingüística, e, ainda, realizar um elo entre escola-sociedade-pesquisa. Igualmente, a averiguação da alternância (ou omissão) dos pronomes nós e a gente nos dados escritos escolares de alunos de escolas públicas, do ensino fundamental, com idades aproximadas entre 10 a 19 anos é extremamente significativa, permitindo reflexão e atuação no ensino fundamental (que é a base para um ensino médio de qualidade).

A partir do que temos observado em vários estudos de descrição do português do Brasil, o que presenciamos é a existência de uma lacuna entre a prática pedagógica das escolas e o que dizem os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Como notamos, no texto de 1998 dos PCNs, já existe um comentário bem pertinente no que tange à variação lingüística:

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja relativa unidade lingüística e apenas uma língua nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de comunidades lingüísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades fixas: em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades lingüísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais. (BRASIL, 1998b, p. 29).

Assim, como já disseram outros autores, entre eles Faraco (2004), se o ensino de língua fosse pautado, desde o início, na sua função social e não em regras estanques de gramáticas tradicionais estaríamos muito mais à vontade para abordar a gramática, a variação e a produção de textos na escola. Mas, o absurdo é que muitos professores e manuais didáticos seguem exigindo que se escreva (e até que se fale): O filme de que eu gosto está em

cartaz; Eles assistiram a um filme de terror; Eles vão lavar-se (lavar-se-ão) no rio; Nós vamos ao shopping. Entretanto, involuntariamente, fixou-se na fala e desdobrou-se para a

escrita, sem distinções de classe social, ou até mesmo de certos graus de formalidade que estabelecem a situação discursiva, o uso de: O filme que eu gosto está em cartaz; Eles

assistiram um filme de terror; Eles vão se lavar no rio; A gente vai / Nós vamos no shopping.

Dessa forma, a escola parece não criar as condições necessárias para que seus alunos desenvolvam seus conhecimentos (formando leitores e escritores eficientes), em particular, os que se referem ao tema da variedade lingüística, alimentando assim o estigma, a discriminação e os preconceitos concernentes ao uso da língua.

Além disso, nas sociedades letradas, costuma-se adotar as regras determinadas para o sistema de escrita como um padrão de correção de todas as formas lingüísticas. Esse fato, com maior evidência na gramática tradicional, freqüentemente ocasiona uma confusão entre o que seja falar de forma adequada à situação e falar de acordo com essas regras do “bem dizer e escrever”, e, desta maneira, ratifica a idéia de que “ninguém sabe falar o português correto” e de que se continue a perseverar um ensino voltado a padrões gramaticais artificiais.

É importante que a escola cumpra o seu papel e mostre aos seus alunos a relação direta entre uso da língua e sua adequação a um dado ato de comunicação verbal, pois alguns estilos, quando empregados fora de um contexto apropriado, são estigmatizados socialmente, como usar todos os “esses” finais indicativos de plural em uma conversa informal de bar com os amigos: Vamos assistir aos programas de futebol hoje à noite para constatarmos quantas

faltas o juiz marcou nesse jogo. Outra comparação para o esclarecimento desse fato se remete

ao tipo de roupa que escolhemos em determinados eventos de nosso dia-a-dia; elegemos nosso traje de acordo com uma ocasião social específica a fim de cumprirmos nossos papéis, enquadrando-nos nas convenções sociais ditadas para as regras do bem-vestir. Se vamos a um casamento utilizamos uma veste diferente da que usaríamos em uma praia.

A escola não pode ignorar as diferenças sociolingüísticas. Os professores e, por meio deles, os alunos tem que estar bem conscientes de que existem duas ou mais maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que essas formas alternativas servem à propósitos comunicativos distintos e são recebidas de maneira diferenciada pela sociedade. (...) O caminho para uma democracia é a distribuição justa de bens culturais, entre os quais a língua é o mais importante. (BORTONI-RICARDO, 2004, p. 15)

Logo, esta pesquisa se justifica na medida em que vai diagnosticar o uso das formas nós e a gente em variação nas escolas, em diferentes estilos, bem como o reflexo desse uso a outros fenômenos com os quais ele está correlacionado, como a concordância verbal e o preenchimento do sujeito. Além do mais, se justifica por propor uma reflexão em torno desse uso junto aos professores de Língua Portuguesa, suscitando questionamentos a respeito do ensino de gramática nas escolas e proporcionando condições para que esse ensino seja o resultado de futuras situações reais de interação em sala de aula, sem que o professor e/ou o aluno adotem uma postura preconceituosa em relação aos usos variáveis da língua.