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2. O FENÔMENO EM ESTUDO

2.2. O fenômeno em estudo

2.2.3. A variação na concordância verbal de primeira pessoa do plural nós/a gente

Zilles, Maya e Silva (2000) estudaram a concordância verbal com a primeira

pessoa do plural em Panambi e Porto Alegre – RS, com falantes da zona urbana. Investigaram

fatores lingüísticos e sociais que influenciam a variação da concordância verbal de P4 (por exemplo, nós chegamos/chegamo/chega0) nos dados de 32 entrevistas feitas em Porto Alegre e Panambi, que fazem parte do corpus do VARSUL. As hipóteses dos autores são as seguintes: (i) a forma verbal proparoxítona favorece a omissão da DNP - mos; (ii) as formas não-padrão (zero e -mos) são favorecidas na fala dos informantes com menor grau de escolaridade e (iii) as formas não padrão são mais favorecidas em Panambi, em decorrência

de aquisição tardia do português pelos falantes bilíngües desta comunidade. Zilles, Maya e Silva (2000) analisaram as DNP-P4: padrão: -mos, DNP-P4 não padrão com apagamento do /s/ no morfema –mos (-mo) e DNP-P4 não padrão zero; e: conjugação do verbo, tempo e modo verbal, realização do sujeito, estrutura verbal, tipo de discurso, contexto seguinte, posição do sujeito em relação ao verbo, alternância da vogal temática, posição do acento na forma verbal alvo, escolaridade, sexo, idade e comunidade. Os autores questionaram: em que medida a DNP-P4 é uma forma em extinção, considerando dados de língua falada no RS? Qual o papel da posição do sujeito em relação ao verbo para a realização da concordância verbal? Na variação, interessa tanto a ordem sintática quanto o caráter adjacente ou não? O contexto seguinte desempenha algum papel no apagamento do /s/ na DNP-P4? Há associação sistemática entre a mudança de vogal temática e a forma -mo? E entre a vogal temática /e/ não padrão e o tempo verbal?

Foram totalizadas 1.035 ocorrências distribuídas da seguinte maneira (p. 206): 579 (53%) de casos da forma padrão -mos; 347 (34%) de forma não-padrão (mo); dessa forma, 87% de utilização de desinência e 13% de desinência zero. A variável que favoreceu a omissão da desinência (zero) foi a sílaba tônica, isto é, quando a forma verbal é proparoxítona, a ausência de desinência ocorre 43% (0,97). Porém, quando a forma verbal é paroxítona, o percentual cai para 2% (0,28). No que diz respeito à variável social escolaridade (ZILLES, MAYA e SILVA, 2000, p. 209) os resultados confirmam a hipótese de que os falantes com menor grau de instrução omitem a DNP4 mais freqüentemente. Observa-se que os falantes de escolaridade primária produzem mais formas zero, totalizando 16% (0,74) e menos formas padrão (-mos). Destarte, os que possuem o 2º grau desfavorecem o uso da desinência zero, resultando em 5% (0,25). Enfim, os resultados encontrados em Panambi e Porto Alegre (ZILLES, MAYA e SILVA, 2000, p. 209) contrariam a hipótese de que a desinência estaria em extinção, visto que, ao invés de ocorrer a ausência, a permanência da desinência prevalece tanto com a forma padrão (-mos) como com a forma não-padrão (-mo).

Zilles (2005), em seu estudo The development of a new pronoun: The linguistic

and social embedding of a gente in Brazilian Portuguese, sugere duas abordagens

metodológicas: análise em tempo aparente e análise em tempo real27, a partir de um recontato

do NURC de POA, subdivididas em: trendy study (estudo de tendência), no qual realizou

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Estudo de tendência: quando voltamos à comunidade (depois de duas décadas, por exemplo) e analisamos outro grupo (com as mesmas características do anterior) – para observarmos a tendência de determinado uso.

Estudo de painel: quando voltamos a contactar os mesmos informantes (depois de duas décadas, por exemplo) para observar se eles continuam a usar as mesmas formas ou não. Mais detalhes em Labov (1994).

comparação de diferentes grupos de falantes, e panel study (estudo de painel), em que observou o comportamento dos mesmos indivíduos em períodos díspares do tempo.

De acordo com Zilles (2005), os condicionamentos lingüísticos e sociais para o processo de troca de nós por a gente poderiam ser abordados à luz do ponto de vista laboviano para mudança lingüística “de baixo para cima” ou “de cima para baixo”. Ela fala que, dentre os fatores que estimulam a implementação da forma a gente e assinalam tal fenômeno como sendo “de cima para baixo”, ressaltam-se duas atuações: faixa etária e concordância verbal. Em relação à análise dos grupos etários, Zilles (2005) constatou que, embora o comportamento das pessoas seja estável, as mais jovens, a cada nova geração, tendem a aumentar as taxas de a gente, porém no que diz respeito à concordância verbal, ela verificou que a escolha por a gente se torna uma alternativa mais segura no sentido de evitar a não-concordância e o estigma social anexo a ela.

Zilles e Batista (2006) trataram da concordância verbal de primeira pessoa do plural na fala culta de Porto Alegre e realizaram um estudo de tendência em tempo real, procurando relacionar as estruturas lingüísticas e sociais, conforme os pressupostos teóricos da sociolingüística laboviana a fim de, em especial, observar a existência de alguma mudança na concordância verbal de 1ª pessoa do plural na fala culta de Porto Alegre. Os dados foram obtidos através de uma amostra formada de 42 entrevistas, sendo 20 do Projeto NURC de Porto Alegre (1970) e 22 do Projeto VARSUL (1990). Os indivíduos foram estratificados da maneira seguinte: a) idade: 25 a 44 anos (10 falantes dos anos 70 e 10 dos anos 90) e b)

gênero: 20 homens (9 do NURC e 11 do VARSUL) e 22 mulheres (11 do NURC e 11 do

VARSUL).

As autoras sugeriram dois processos que poderiam estar ocorrendo simultaneamente quanto à realização da desinência de 1ª pessoa do plural: a) o apagamento do /s/ final, transformando a forma padrão –mos em não-padrão –mo; e b) a variação na aplicação da regra de concordância, tendo como resultado o contraste entre formas marcadas e não-marcadas. Para tanto, levantaram as seguintes hipóteses (ZILLES; BATISTA, 2006, p. 110-111): (i) a ausência da marca de pessoa é estigmatizada, pois há pouquíssimas ocorrências na fala culta; (ii) a ausência de marca de pessoa ocorre em contextos em que a forma alvo seria uma palavra proparoxítona; (iii) o apagamento do –s é favorecido em falantes mais jovens e (iv) o verbo auxiliar ir favorece o apagamento do –s. Além dessas hipóteses, o estudo visou questionar: em que medida a DNP-P4 é uma forma em extinção, considerando dados de língua falada em Porto Alegre? Existe alguma mudança dessas formas

verbais em falantes de nível superior? Há uma relação entre o apagamento do –s e a gramaticalização do verbo ir?

O número total de ocorrências foi de 1.195. Em um primeiro momento, as autoras contrastaram a presença de qualquer marca, sendo padrão ou não, e ausência. O input da rodada para ausência de marca foi considerado baixo: 0,03. Zilles e Batista obtiveram 33 ocorrências de desinência zero, sendo 3 ocorrências 70/NURC (1%) e 30 ocorrências 90/VARSUL (5%). Quanto ao apagamento do –s, a hipótese das autoras é de que os falantes com menos de 45 anos apagariam mais do que os falantes com mais de 45 anos de idade. Os resultados são mostrados na tabela 14, a seguir.

Tabela 14: Apagamento do –s final da DNP-P4 (N, % e peso) em relação à idade; dados de Porto Alegre dos anos 1970 (NURC) e 1990 (VARSUL)

Idade Freqüência Porcentagem Peso

De 25 a 44 anos 62/319 19% 0,60

Mais de 45 anos 105/697 15% 0,45

Fonte: Zilles e Batista (2006, p. 115)

Os pesos relativos mostram que os mais jovens favorecem mais ao apagamento do

–s da desinência, resultando em 0,60 contra 0,45 dos mais velhos. Quanto à correlação idade e

década, segundo as autoras, tanto nos anos 1970 (7%) quanto nos 1990 (10%) os jovens apagam mais o –s da desinência, entretanto a diferença entre as faixas etárias nos anos 1990 foi somente de 3 pontos percentuais maior do que nos anos 1970 (Cf. tabela 15).

Tabela 15: Apagamento do –s final da DNP-P4 (N e %) em relação à idade e década nos dados de fala culta de Porto Alegre (NURC e VARSUL)

Mais de 45 anos De 25 a 44 anos Diferença entre as idades

Anos 1970 2/300 – 1% 14/186 – 8% 16/486 – 7%

Anos 1990 103/397 – 26% 48/133 – 36% 151/530 – 10%

Diferença entre anos 1970 e 1990

25% 28% 3%

Zilles e Batista (2006, p. 116)

Vianna (2006) estudou a respeito da concordância de nós e a gente em estruturas predicativas na fala e na escrita carioca. A autora levantou dados de nós e a gente, partindo de tipos de amostra distintos, permitindo o confronto entre as modalidades oral e escrita da língua. O primeiro corpus analisado foi constituído por duas amostras de entrevistas do Projeto Censo/Peul-RJ (Censo da Variação lingüística no estado do Rio de Janeiro e Programa de Estudos do Uso da Língua), coletadas em épocas distintas (década de 80 e década de 2000)

e a partir daí a autora conseguiu averiguar o fenômeno em estudo, tendo em vista a língua oral espontânea, e também realizar análise comparativa entre as duas décadas, conferindo o comportamento da comunidade na curta duração. A primeira amostra foi composta por entrevistas efetuadas no início da década de 80, englobando 21 inquéritos, 14 de informantes do sexo feminino e 7 do sexo masculino, distribuídos por faixas etárias diferentes. O outro conjunto de dados corresponde a novas entrevistas feitas na década de 2000, sendo, então, constituído por 36 inquéritos: 19 informantes do sexo feminino e 17 do sexo masculino. Tais

corpora foram estabelecidos e fundamentados em: sexo (homens e mulheres), faixa etária (15

a 25 anos, 26 a 49 anos e mais de 50 anos) e escolaridade (1º e 2º graus). Em relação a esse material, segundo Vianna (2006) foram levantados somente dados de nós e a gente em estruturas predicativas, visto que a análise da variação entre as formas de referência à primeira pessoa do discurso já foi objeto de estudo de Omena (1986, 2003). O segundo conjunto de dados da autora foi composto partindo da aplicação de testes de avaliação subjetiva entre estudantes de 1º e 2º graus, com o intuito de avaliar a percepção dos indivíduos em fase de escolarização em relação ao uso de estratégias não-previstas pela gramática tradicional. Tais testes evidenciaram o comportamento do fenômeno na escrita, e, igualmente, permitiram a comparação dos resultados avaliados na oralidade. Ressalta-se que nos dois corpora analisados por Vianna (2006) focaliza-se apenas o comportamento de indivíduos não-cultos naturais do Rio de Janeiro.

Vianna (2006), com base em uma amostra de fala não-culta e de escrita, buscou analisar o comportamento de a gente como pronome tendo em vista os traços de gênero, número e pessoa e também controlar a variação entre nós e a gente em uma amostra composta por testes escritos. A autora visou identificar se os fatores de ordem discursivo- pragmática, os de natureza formal e os sociais que beneficiam o uso de uma ou outra variante na escrita são os mesmos que atuam na língua oral. Entre falantes não-cultos cariocas, a autora constatou que os resultados obtidos por Lopes (1999) com falantes cultos se confirmam em sua amostra com diferenças estatisticamente pouco relevantes. No que tange à concordância de gênero e número no predicativo, Vianna (2006) verificou 4 estratégias com a

gente (com base nos corpora do Projeto Censo/Peul). Apesar de o singular não ter sido

considerado categórico, como observado entre os falantes cultos, os exemplos de concordância no plural foram raros e para a autora não seriam considerados exemplos característicos de estruturas predicativas. Assim, segundo Vianna (2006, p. 102):

entende-se que a maior produtividade da concordância no singular é motivada pela persistência semântica de um valor coletivo e indeterminado – herdada do nome

gente – que acarreta, para o a gente pronominal, a idéia de um todo abstrato e genérico.

Sendo assim, é possível observar a não-correlação entre traços semânticos e formais de número, diferentemente do que ocorre entre os pronomes pessoais autênticos. Ainda que o a gente pronominal possua um traço semântico [+PL] – pois designa o “falante + alguém” –, mantém um traço formal [-pl], visto que tende a se combinar mais comumente com estruturas no singular.

Conforme Vianna, a análise na curta duração demonstrou uma mudança de comportamento nas mulheres. O caráter genérico e indeterminado de a gente, segundo a autora pode estar condicionando um uso maior de estruturas predicativas com o masculino- singular (forma não-marcada em português) nos últimos vinte anos. Entretanto, com o nós, verifica-se um comportamento estável, tendo um leve acréscimo no uso do masculino-plural, aparentemente motivado pela utilização mais particular do pronome. Quanto à concordância verbal, segundo Vianna (2006), apesar de terem sido encontrados vários padrões de concordância com relação ao traço de pessoa, a combinação de a gente com verbo em P3 (a gente vai) demonstrou-se mais produtiva.

Entre os fatores controlados pela autora nos testes de avaliação subjetiva, quatro apresentaram-se significativos, a saber: concordância verbal, concordância de gênero e número, tempo verbal e escolaridade. No que se refere à concordância verbal, Vianna (2006) observou como fator favorecedor de uso para o pronome a gente a concordância com formas verbais em P3, à medida que a combinação com verbos em P4 se mostrou altamente desfavorecedora da forma. Já no tocante à concordância de gênero e número, a autora verificou que as estratégias de concordância no singular favorecem o uso de a gente, contudo as estratégias de concordância no plural podem ser consideradas como favorecedoras do uso de nós. Em relação à análise do tempo verbal, Vianna (2006) observou que as formas menos marcadas são favorecedoras ao uso de a gente, ao passo que as formas verbais assinaladas por apresentarem mais traços distintivos favoreceriam o uso de nós, ratificando trabalhos variacionistas, como os de Omena (1986), Lopes (1993), Machado (1995), dentre outros. Por fim, no que tange ao fator escolaridade, a autora constatou o favorecimento de a gente, sobretudo nos níveis intermediários de escolarização (8ª série do ensino fundamental e 1º ano do ensino médio). No entanto, nas palavras de Vianna (2006, p. 105), em relação à concordância verbal, nem sempre as estratégias de concordância com a gente “estão de acordo com o que apregoa o ensino tradicional”. Entre os níveis intermediários de ensino, a autora verificou uma maior produtividade das estratégias de concordância não-padrão, em comparação com o uso no 3º ano.