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3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

3.2. A Teoria da Variação e Mudança Lingüística

3.2.2. Trazendo ligeiramente: “comunidade de fala”

Vários autores mencionam a árdua tarefa de conceituar “comunidade de fala”, dentre eles Hockett (1958), Hymes (1967/1972), Lyons (1970), Fishman (1972), Labov (1972), Amusategi (1990), Bloomfield (1993), Romaine (1994), Gumperz (1996), Monteiro (2000), Guy (2001), Wardhaugh (2002), Resende (2006), Severo (2008), entre outros.46

De acordo com Hymes (1967/1972 apud RESENDE, 2006) a definição de comunidade de fala está relacionada a pessoas que compartilham regras de conduta e

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Monteiro (2000) traz definições sobre “comunidade de fala” dos seguintes autores: Amusategi (1990), Baylon (1991), Bloomfield (1993), Dittmar (1997), Dubois et al. (1993), Fishman (1971/1972), Gumperz (1971), Hockett (1958), Hudson (1984), Labov (1972), Lyons (1970), Romaine (1994) e outros.

interpretação de fala de pelo menos uma variedade lingüística. Na base de sua descrição de comunidade de fala, de acordo com Resende (2006),

está, antes do critério lingüístico, o critério social, ou seja, a comunidade de fala deve descrever entidades sociais, mais que lingüísticas. Dentro dessa visão, compartilhar apenas as regras gramaticais não é condição suficiente para se caracterizar uma comunidade. Ele critica aqueles que limitam seu espectro, discordando desse ponto de vista. Referindo-se a Bloomfield (1933), diz que, no passado, a noção de comunidade de fala reduzia-se à noção de língua; aqueles que falavam a mesma língua (ou a mesma primeira língua, ou língua padrão) eram definidos como membros de uma mesma comunidade de fala. Para o autor essa é uma definição muito limitada.

Desta maneira, Hymes dá preferência aos aspectos sociais em detrimento dos lingüísticos na delimitação do conceito, defendendo a heterogeneidade da comunidade de fala e aceitando que uma pessoa possa fazer parte de diversas comunidades de fala, o que pode significar que essa relação entre o indivíduo e a comunidade de fala se torne branda (FIGUEROA, 1994 apud SEVERO, 2008).

De modo semelhante, Gumperz (1996 apud SEVERO, 2008) assinala para a diversidade própria da comunidade de fala, visto que esta se constitui por uma variedade de redes de socialização, às quais se associam padrões de uso e interpretação lingüísticos. No entanto, na linha de Severo (2008), o autor “reforça o papel das redes sociais como unidades de análise, ao invés da comunidade de fala”.

De acordo com Monteiro (2000, p. 40):

Para Fishman (1972), o que vale é o fato de que todos os membros do agrupamento social tenham pelo menos em comum uma variedade lingüística, assim como as normas de seu emprego. Quase o mesmo diz a definição de Amusategi (1990, p. 31): “um grupo cujos membros têm pelo menos em comum uma variedade e compartilham acordos, regras ou normas para o seu emprego correto”.

Monteiro (2000) apresenta também outras definições a respeito de “comunidade de fala”, dentre elas: “comunidade de fala são todas as pessoas que usam uma dada língua ou dialeto” (LYONS, 1970, p. 326 apud MONTEIRO, 2000, p. 43); “cada língua define uma comunidade de fala: o conjunto completo de pessoas que se comunicam entre si, seja direta ou indiretamente, por meio de uma linguagem comum” (HOCKETT, 1958, p. 8 apud MONTEIRO, 2000, p. 43) e “uma comunidade de fala é um grupo de pessoas que interagem por meio da fala” (BLOOMFIELD, 1993, p. 42 apud MONTEIRO, 2000, p. 43).

E, ainda, conforme Romaine (1994, p. 22 apud MONTEIRO, 2000, p. 40), “´comunidade de fala’ se caracteriza por um grupo de pessoas que não compartilham

necessariamente a mesma língua, mas compartilham um conjunto de normas e regras para o uso dela”.

Porém, questionamos: como é possível um grupo de pessoas sustentar as mesmas atitudes em face de uma língua (ou dialeto) que talvez nem todos utilizem, de fato?

Além de aspectos sociais envolvidos em algumas definições acerca deste tema, têm-se igualmente aspectos individuais acerca dessa conceituação de “comunidade de fala”, ou seja, o indivíduo pode eleger um grupo com o qual se identifique. Esse fato pode ser encontrado em Wardhaugh (2002), pois o autor acredita que do mesmo modo que o termo

grupo implica um conceito relativo, a comunidade de fala também deve implicar. Assim, um

indivíduo pode pertencer a várias comunidades ao mesmo tempo, mas, em ocasiões particulares, pode se identificar com uma ou outra, dependendo do que é especialmente importante ou contrastivo.

Wardhaugh adota a abordagem de Bolinger (apud WARDHAUGH, 2002, p. 124) e traz que:

não há limite para as formas pelas quais os seres humanos se ligam uns aos outros em nome de identificação, segurança, ganho, divertimento, adoração, ou por qualquer outro propósito que seja compartilhado; conseqüentemente, não há limites para o número e para a variedade de comunidades de fala que podem ser encontrados em uma sociedade.

Nos termos de Labov (1972, p. 120-121)

a “comunidade de fala não se define por nenhum acordo marcado quanto ao uso dos elementos da língua, mas sobretudo pela participação num conjunto de normas

estabelecidas. Tais normas podem ser observadas em tipos claros de comportamento

avaliativo e na uniformidade de padrões abstratos de variação, que são invariantes em relação a níveis particulares de uso”.

Para o autor, não se trata de um grupo de falantes que utilizam as mesmas formas, mas de um grupo que segue as mesmas normas relativas ao uso da língua.

Labov, ainda, expõe que “parece possível definir uma comunidade de fala como um grupo de falantes que compartilham um conjunto de atitudes em relação à língua”, uma vez que tais atitudes sociais são “extremamente uniformes numa comunidade de fala” (1972, p. 248). Deste modo, compartilha-se um conjunto comum de padrões normativos entre os membros de uma comunidade de fala “mesmo quando se encontra variação altamente estratificada na fala real” (1972, p.192).

Entretanto, algumas questões pairam no ar e precisamos colocá-las em evidência. Como estabelecer limites geográficos ou sociais de uma comunidade de fala? Até que ponto podemos dizer que todos os falantes do português fazem parte da mesma comunidade de fala? Guy47 (2001) avalia “comunidade de fala” como algo que se compõe a partir da

reunião de falantes que se comunicam entre si, portanto “comunidade de fala” é um grupo de falantes que: (i) compartilham traços lingüísticos que distinguem este grupo de outros (variedade da língua usada na comunidade); (ii) se comunicam relativamente mais entre eles do que com os outros e (iii) compartilham as mesmas normas e atitudes frente ao uso da linguagem. Para Guy,

em assuntos de variação, diferenças entre comunidades de fala correspondem a diferenças gramaticais, ou seja, diferenças em efeitos contextuais. Ao mesmo tempo, diferenças entre indivíduos dentro da mesma comunidade de fala devem ser de natureza não-gramatical, ou seja, diferenças no nível geral de usar ou não um fenômeno variável (2001, p. 8)

Uma comunidade de fala é distinta de outra comunidade de fala ao menos em certos traços lingüísticos por elas empregados. Nas palavras de Guy (2001, p. 4), “tendemos a falar como aquelas pessoas com quem falamos mais”, ou seja, falantes de uma comunidade de fala tendem a falar mais com os integrantes da mesma comunidade, uma vez que falar com indivíduos do mesmo bairro, ou até da mesma cidade é mais simples do que falar com indivíduos que estão em outros bairros e cidades (GUY, 2001)48

. Porém, o autor ressalta uma questão muito importante: a atitude e vontade do falante. Na linha de Guy (2001), a simples ocorrência do contato lingüístico não faz com que o falante siga determinado comportamento lingüístico, pois ele é capaz de avaliar as várias formas lingüísticas e o status social das mesmas.