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4. CONSIDERAÇÕES SOBRE EDUCAÇÃO NO BRASIL: A VARIAÇÃO NA ESCOLA

4.4. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais, culturais, políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de construir referências nacionais comuns ao processo educativo em todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania. (SOUZA, 1998, p. 6)

A epígrafe supracitada, extraída dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Portuguesa destinados ao terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, faz parte do texto de abertura dedicado “ao professor” que está assinado pelo Ministro da Educação e do Desporto, representado naquela data por Paulo Renato Souza. Ela é bastante significativa no que se refere à aprendizagem que se processa em uma relação interativa entre o sujeito e a cultura em que ele está inserido. Assim, entre o homem e os saberes próprios de sua cultura, precisamos dar valor aos numerosos agentes mediadores da aprendizagem, não somente ao professor e à escola, apesar de estes serem agentes excepcionais pela sistemática pedagogicamente delineada, objetivos e intencionalidade tomados. Entretanto, é necessário, como fala Souza, “criar condições, nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como necessários ao exercício da cidadania.”

A atual situação da disciplina curricular “língua portuguesa” é conseqüência de diversos processos históricos (alguns mencionados anteriormente), dentre eles, a reforma pombalina e as mudanças ocorridas na década de 80 e 90, e, principalmente, a introdução dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) no cenário brasileiro.

Uma discussão bem comum ultimamente na área de educação diz respeito aos PCNs e ao seu reflexo no ensino. A preocupação com o ensino da língua obteve, enfim, repercussão política e, atualmente, pelo menos teoricamente, conseguimos perceber algumas mudanças positivas. Todavia, apesar de algumas reflexões trazidas nos PCNs não serem novas, mas ao contrário, objetos de debate há décadas, convivemos ainda, muitas vezes, somente com a teoria: as discussões, análises e os documentos apresentados nos PCNs, uma vez que a prática/realidade dos profissionais da educação, de modo geral, diante desse material não tem sido das melhores. Há necessidade de uma maior atualização por parte dos profissionais da educação, em especial, os professores. Estes, além de cursos de capacitação deveriam receber instruções de como conduzir uma atividade de reflexão em torno do ensino da língua para que não retornem dos cursos para a sala de aula repetindo os modelos estanques vigentes, ainda hoje, em muitas escolas e salas de aula.

No tocante à língua portuguesa, os PCNs apresentam discussões acerca de planos de trabalho que dão valor à participação efetiva e crítica do aluno perante a sua língua e que mostram as variedades de uso da lingua(gem) em diversas situações de interação no dia-a-dia.

A língua portuguesa, no Brasil, possui muitas variedades dialetais. Identificam-se geográfica e socialmente às pessoas pela forma como falam. Mas há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes

modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades lingüísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. (PCN de Língua portuguesa, V1, 1997, p. 26)

Analisando os PCNs de língua portuguesa para o ensino fundamental, observamos que se organizam em duas partes:

Na primeira, faz-se a apresentação da área e definem-se as linhas gerais da proposta. Em sua introdução, analisam-se alguns dos principais problemas do ensino da língua e situa-se a proposta em relação ao movimento de reorientação curricular nos últimos anos. Abordam-se, também, a natureza, as características e a importância da área. Finalmente, indicam-se os objetivos e conteúdos propostos para o ensino fundamental.

Na segunda parte, dedicada ao terceiro e quarto ciclos, caracterizam-se ensino e aprendizagem de Língua Portuguesa nestes ciclos, definem-se objetivos e conteúdos, apresentam-se orientações didáticas, especificam-se relações existentes entre o ensino de Língua Portuguesa e as tecnologias da comunicação e, por fim, propõem- se critérios de avaliação. (BRASIL, 1998b, p. 13)

Na primeira parte, são trazidas as propostas da interdisciplinaridade – a fim de que o aluno considere a língua de um ponto de vista mais amplo – e da relação da disciplina junto aos temas transversais que orientaram os PCNs, como ética, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde, orientação sexual, trabalho e consumo. Já na segunda parte, há informações sobre projetos, utilização de tecnologia em sala de aula e critérios de avaliação. Contudo, não nos deteremos profundamente nesses aspectos, por avaliarmos que aludem mais a questões gerais dos PCNs do que à área exclusiva de língua portuguesa.

De imediato, a língua portuguesa é trazida como uma área que passou por um esforço de revisão das práticas de ensino da língua, na direção de orientá-las para a:

ressignificação da noção de erro, para a admissão das variedades lingüísticas próprias dos alunos, muitas delas marcadas pelo estigma social, e para a valorização das hipóteses lingüísticas elaboradas pelos alunos no processo de reflexão sobre a linguagem e para o trabalho com textos reais, ao invés de textos especialmente construídos para o aprendizado da escrita. (BRASIL, 1998b, p. 18)

Os PCNs trazem uma perspectiva interacionista em relação ao ensino de língua citando, ainda, a leitura e a produção de textos como a alicerce para a formação do aluno, expondo que a língua não é homogênea, mas uma soma de possibilidades condicionadas pelas situações de uso e pelas situações discursivas.

Pode-se dizer que hoje é praticamente consensual que as práticas devem partir do uso possível aos alunos para permitir a conquista de novas habilidades lingüísticas, particularmente daquelas associadas aos padrões de escrita, sempre considerando que:

• a razão de ser das propostas de leitura e escuta é a compreensão ativa e não a decodificação e o silêncio;

• a razão de ser das propostas de uso da fala e da escrita é a interlocução efetiva, e não a produção de textos para serem objetos de correção;

• as situações didáticas têm como objetivo levar os alunos a pensar sobre a linguagem para poder compreendê-la e utilizá-la apropriadamente às situações e aos propósitos definidos. (BRASIL, 1998b, p. 19)

Um ponto basilar que retrata essa perspectiva de ensino de língua mais bem- sucedido está denotado no texto dos PCNs: “Toda educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva” (1998b, p. 23). Logo, um dos aspectos da competência discursiva é que o indivíduo seja capaz de usar a própria língua de maneira variada, sabendo adequar-se às várias situações de interação cotidiana, tanto na fala quanto na escrita. “É o que aqui se chama de competência lingüística e estilística”. (1998b, p. 23)

Ressaltamos que Possenti (1996) e Irandé (2007) já asseveravam que, para que possamos aplicar o que vem sendo defendido nos PCNs, é preciso tirarmos o foco do ensino ante as regras emolduradas das gramáticas e nos fundamentarmos na análise de textos, tendo em vista a compreensão e produção escrita e falada dos alunos. Os PCNs igualmente se referem à inclusão de textos orais no ensino de língua na sala de aula. Embora, ainda, não sejam recorrentes propostas de textos orais nos livros didáticos e propostas de trabalhos com textos orais por parte dos professores, é muito importante realizar trabalhos com a oralidade na sala de aula, muitos autores já abordam a respeito dessa questão, dentre eles, Marcuschi (2001, p. 22). O autor nos diz que “na sociedade atual, tanto a oralidade quanto a escrita são imprescindíveis. Trata-se, pois, de não confundir seus papéis e seus contextos de uso, e de não discriminar seus usuários.”

A citação abaixo, extraída do texto dos PCNs diz respeito à indicação oficial de que os projetos pedagógicos de cada instituição de ensino se estabeleçam em função do entorno do aluno. Embora exista um Parâmetro Curricular Nacional é importante frisar que cada escola tem o seu Plano Político Pedagógico e deve analisá-lo e discuti-lo constantemente com seus professores a cada ano, sem esquecer-se de aliar a ele as necessidades reais de seus alunos e as questões levantadas nestes PCNs.

A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. Embora no Brasil haja relativa unidade lingüística e apenas uma língua nacional, notam-se diferenças de pronúncia, de emprego de palavras, de morfologia e de construções sintáticas, as quais não somente identificam os falantes de comunidades lingüísticas em diferentes regiões, como ainda se multiplicam em uma mesma comunidade de fala. Não existem, portanto, variedades fixas: em um mesmo espaço social convivem mescladas diferentes variedades lingüísticas, geralmente associadas a diferentes valores sociais. (BRASIL, 1998b, p. 29)

Outro ponto relevante trata da importância da produção de textos pelos próprios discentes. Por meio de produções textuais de variados tipos os alunos poderiam deleitar-se acerca de várias épocas, autores, palavras, gestos e expressões... E o professor poderia, além de motivá-los em sua produção, realizar diversas atividades de análises lingüísticas e prática textual, e também reflexões a respeito da lingua(gem), sem esquecer de, inclusive, efetuar comparações entre textos orais e escritos, dos mais diversos gêneros. Assim, o aluno teria condições de perceber as variações lingüísticas e se tornaria apto a usar a própria língua de maneira variada, sabendo adequar-se às várias situações de interação cotidiana, tanto na fala quanto na escrita. De maneira que, cabe à escola promover a ampliação das condições de produção do aluno, considerando os diferentes níveis de conhecimento prévio, “de forma que, progressivamente, [...] cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações” (PCNs, 1998a, p 19).

Na segunda parte dos PCNs, na seção designada “Objetivos de ensino”, também constatamos a apresentação de diferentes práticas de trabalho com os conteúdos previstos, cujos objetivos são desenvolver no aluno o domínio da expressão oral e escrita em situações de uso público da linguagem, levando em conta:

a situação de produção social e material do texto (lugar social do locutor em relação ao(s) destinatário(s); destinatário(s) e seu lugar social; finalidade ou intenção do autor; tempo e lugar material da produção e do suporte) e selecionar, a partir disso, os gêneros adequados para a produção do texto, operando sobre as dimensões pragmática, semântica e gramatical. (BRASIL, 1998b, p. 49)

Assim, a prática de escuta de textos orais, leitura de textos escritos, a prática de produção de textos orais e escritos e a prática de análise lingüística constituir-se-iam em um alicerce no qual está sustentado o ensino de língua portuguesa, e este funcionaria como um tipo de “edifício”, com os seus devidos andares, na formação dos alunos.

Como podemos observar na orientação dos PCNs, os conteúdos partem sempre, deste modo, de textos. Na seção “Tratamento didático dos conteúdos”, temos:

Os princípios organizadores dos conteúdos de Língua Portuguesa (USO→ REFLEXÃO→ USO, além de orientarem a seleção dos aspectos a serem abordados, definem, também, a linha geral de tratamento que tais conteúdos receberão, pois caracterizam um movimento metodológico de AÇÃO→ REFLEXÃO→ AÇÃO que incorpora a reflexão às atividades lingüísticas do aluno, de tal forma que ele venha a ampliar sua competência discursiva para as práticas de escuta, leitura e produção de textos.

Nesse sentido, o professor, ao planejar sua ação, precisa considerar de que modo as capacidades pretendidas para os alunos ao final do ensino fundamental são traduzidas em objetivos no interior do projeto educativo da escola. (BRASIL, 1998b, p. 65)

Em relação à prática de análise lingüística,

Além de escuta, leitura e produção de textos, parece ser necessária a realização tanto de atividades epilingüísticas, que envolvam manifestações de um trabalho sobre a língua e suas propriedades, como de atividades metalingüísticas, que envolvam o trabalho de observação, descrição e categorização, por meio do qual se constroem explicações para os fenômenos lingüísticos característicos das práticas discursivas. [...]

Quando se toma o texto como unidade de ensino, ainda que se considere a dimensão gramatical, não é possível adotar uma caracterização preestabelecida. Os textos submetem-se às regularidades lingüísticas dos gêneros em que se organizam e às especificidades de suas condições de produção: isso aponta para a necessidade de priorização de alguns conteúdos e não de outros. (BRASIL, 1998b, p. 78-79)

Desta maneira, o professor, ao delinear sua ação, de acordo com os PCNs, precisa enfatizar o texto em suas aulas de português e com base nele realizar aulas de leitura, oralidade, interpretação e análise lingüística, priorizando as habilidades pretendidas para os alunos ao final do ensino fundamental que devem se manifestar em objetivos realizados e cumpridos na essência do projeto educativo da escola.