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O esforço em compreender a realidade, e nela, os fenômenos subjacentes, é tarefa complexa. A dificuldade se dá por tentar abarcar um feixe de significados históricos, culturais e políticos nem sempre evidentes. Em geral, a percepção dessa complexidade inicia-se de forma incompleta e imprecisa e, à medida que a reflexão avança, a compreensão vai sendo elucidada, isto é, pensada teoricamente.

Os sentidos e significados se alteram, conforme o esforço intelectual se intensifica, permitindo sínteses mais avançadas e produções científicas mais

desenvolvidas. São sobre esse percurso que se contextualizam os apontamentos sobre a relação entre escola e juventude.

Para Mannheim (1961, p. 38), a juventude tem papel importante na construção de uma democracia pautada na participação e na força social, pois “a mocidade pertence aos recursos latentes de que toda a sociedade dispõe e de cuja mobilização depende de sua vitalidade.”

O autor coloca questionamentos pertinentes, ao refletir a respeito da juventude, que podem ser relacionados com o Ensino Médio. As indagações são: a) O que a juventude pode nos dar?; b) O que a juventude pode esperar de nós?; c) Qual o significado da juventude na sociedade?; d) Com o que pode a juventude contribuir para a vida em sociedade?; e) O sentido da juventude na sociedade será sempre o mesmo?

Na abordagem sociológica empreendida por Mannheim (1961), interessa compreender a natureza e o contexto da sociedade em que a juventude se encontra e como a sociedade pode oferecer contribuições para essa juventude. Não busca diagnósticos usuais, que não confrontam o fenômeno identificado em sua essência contextual e histórica. Compreende o processo de reciprocidade na relação sociedade e juventude, ou seja, o que se propõe ao jovem, neste caso, o que a escola propõe deve guardar relação estreita com o que se espera da juventude, em termos de contribuição. Assim, as necessidades da juventude estão/estariam articuladas com as necessidades e finalidades da sociedade em que ela vive.

O autor considera que a juventude é intermediária no processo de buscas de saídas, seja para uma perspectiva reformista, seja para uma perspectiva revolucionária. Para deixar de ser reserva latente numa perspectiva transformadora, é preciso que haja, de fato, um movimento integrador, a fim de que as ações tenham uma função produtiva.

Em todas as formas de organização social, as gerações se sucedem e, nessa sucessão, as manutenções, adaptações e inovações são necessárias para o fluxo contínuo geracional. Diferentemente disso, os/as jovens podem perder suas potências conservadoras/transformadoras quanto ao mundo social. Enquanto isso, o mundo social se coloca num fluxo incessante, potencializado pela ação dos jovens. Desta feita, percebe-se que, para os jovens, é fundamental o contato com a escola, a cultura e a arte, que propiciem o acesso a esse fluxo.

Desse ponto de vista, pensar juventude e o Ensino Médio na sociedade brasileira significa especificar o processo formativo que, mobilizado e integrado, pode ajudar a sociedade na busca de saídas para seus pontos de tensão.

A juventude enxerga os conflitos da sociedade com o olhar de fora – porque ainda não está tomando as decisões – e isso faz dela precursora de mudanças. Conforme Mannheim (1961), as potencialidades da juventude se desenvolvem nos espaços sociais por onde circulam e interferem os jovens, na medida em que as oportunidades os conclamam. Seja para a transformação, seja para a opressão, é nos embates de opinião e de posição que a alteridade e a identidade “adultas” se consolidam.

É fundamental que o jovem, como sujeito de potencialidades construtivas, contribua com a sociedade, não aceite como natural a ordem consagrada, mantendo-se aberto para questões tanto de ordem econômica, quanto de ordem social. As bases para que isso ocorra são as formações e educações às quais os jovens têm acesso por meio das instituições por onde circulam, sendo as formações realizadas concomitantemente pela família e pela escola.

Qualquer sistema de ensino e, dentro dele, todo programa proposto para o jovem, deveria levar em consideração os questionamentos postos por Mannheim (1961): Qual o papel da escola em cada período? O que a juventude pode nos dar? Para o autor, a juventude é um dos mais importantes recursos espirituais latentes para a revitalização de uma sociedade. Ela tem de se tornar a força desbravadora de uma democracia militante, capaz de promover as mudanças que continuamente são necessárias para que as formas obsoletas sejam substituídas por outras de resultados mais eficazes.

Essa orientação integral sobre a juventude, esta claro, não se limitará fomentar um movimento juvenil de âmbito nacional; também afetará todo o nosso sistema educacional, já que este terá que ajudar a educar uma geração inteira para tarefas inteiramente novas. (MANNHEIM, 1961, p. 55).

O autor pondera, ainda, sobre o fato e o perigo de vermos nos jovens somente sujeitos de direitos. Para ele, deve haver um equilíbrio entre o indivíduo e a sociedade. Complementarmente, Dayrell (2009) defende que a reflexão sobre o Ensino Médio se realize a partir do eixo de análise do sujeito jovem, tendo em vista

que a escola tem de ser repensada para responder aos desafios que a juventude nos coloca.

É necessário discutir temáticas a fim de compreender quem são os jovens que chegam ao Ensino Médio, quais seus desejos e expectativas, quais são os sentidos atribuídos a ser jovem. São elementos pertinentes para que, na escola, os professores reflitam a respeito da condição juvenil dos seus alunos. Ao analisar as demandas apresentadas para a escola, problematizar os múltiplos sentidos do Ensino Médio, refletir sobre a repercussão das novas tecnologias na escola, será possível construir uma escola mais adequada, inclusive para atrair os jovens que não estão nela.

O sistema educacional brasileiro se encontra, portanto, diante de um duplo desafio - expandir a oferta e garantir a qualidade, promovendo a expansão da estrutura com base na necessidade do jovem e do que ele precisa para viver a juventude na escola - devendo, de preferência, não cometer os mesmos erros perpetrados na expansão do nível fundamental O desafio é saber como combinar expansão e qualidade, sem ignorar as necessidades dos jovens.

Sendo assim, as análises sobre juventude precisam ser realizadas na perspectiva de que a escola e seus profissionais passem a conhecer os jovens com os quais atuam, dentro e fora da escola, descobrindo como eles constroem o seu modo de ser. Em contraposição às concepções que veem a juventude de maneira homogênea, é necessário encará-las de forma relacional.

Na constituição do sujeito jovem, também devem ser consideradas as “culturas juvenis”24, que são produzidas como forma de expressão da identidade

assumida pelos jovens, a exemplo de práticas, representações, símbolos e rituais, expressas pela música, pela dança, pelos diferentes estilos etc.

Outra dimensão a ser considerada é a sociabilidade, que se refere à dinâmica de relações vivenciadas pelo jovem, e que permite a organização dos grupos e redes sociais e, que contribuem tanto para a formação da identidade individual quanto coletiva. Ela cria e fortalece sempre a alteridade e o sentimento de pertença social.

24 Para aprofundar a questão sobre culturas juvenis e dimensões do tempo e do espaço para

Destaca-se, por fim, o tempo e o espaço como dimensões que influenciam a condição juvenil, já que permitem ao jovem a afirmação do seu lugar no mundo social e de sua forma de viver o tempo, que pode ser caracterizada pela reversibilidade25.

Diante desse cenário que envolve a formação escolar da juventude brasileira, destacam-se algumas posturas que é preciso discutir no processo de reformulação da escolarização destinada aos jovens: Até que ponto as oportunidades escolares que o sistema educacional brasileiro oferece se transformam em oportunidades sociais? O foco no indivíduo e/ou cliente e na sua empregabilidade tem encontrado eco no que o mundo do trabalho espera dessa nova mão de obra? O conhecimento que a escola passa tem sido, para o jovem, um elemento de diferenciação na sua forma de ver e viver o mundo? Nesse sentido, para o Ensino Médio poder dar conta das necessidades da juventude que a ele chega, é pertinente ponderar estas e outras questões que acabamos de expor.

Percebe-se, a partir das considerações que tecemos, que mais indagações do que certezas permeiam as discussões a respeito do papel do jovem e da escola para a construção de uma nova ordem social. Retomando Mannheim (1961): qual contribuição a juventude pode dar? Parcela considerável da sociedade espera que seja dada continuidade às construções e, mais que isso, concretizadas as aspirações sufocadas no passado recente de ditadura militar. Como o processo de redemocratização, iniciado em 1982, sofreu interferências e ingerências resultantes das tensões internas e externas, espera-se que a democracia seja consolidada pelas sucessivas gerações. Conseguido um norte, é possível fazer com que o processo civilizatório avance para melhor, ou seja, que assuma o papel de força social, de recurso latente.

Dessa forma, pensar no Ensino Médio apenas como uma etapa final ou falsamente intermediária para a universidade reduz a potencialidade do jovem. O jovem brasileiro pode trazer suas contribuições ao projeto de nação, que até o momento tem ficado muito mais com os muito mais velhos. A participação e contribuição dos jovens tem sido restrita nas esferas decisórias, o que de certo modo não lhes fornece os conhecimentos sobre o funcionamento das esferas de decisão,

25 O tempo atual se caracteriza por mudanças positivas ou negativas: constante migração e

imigração, mobilidade da condição financeira para cima e para baixo, maternidade/paternidade, orfandade, violência sexual, invalidez física, sucesso rápido, perda da fama, dentre outros.

impedindo ou dificultando muito a renovação das instituições e dos quadros. Nessas condições, não há o que se falar do desinteresse da juventude.